Grampos telefônicos

MP-SP mostra a que ponto chegou banalização das escutas

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29 de dezembro de 2008, 13h46

Editorial de O Estado de S.Paulo

Encarregado de apurar denúncias de irregularidades cometidas pela Polícia Civil de São Paulo em suas investigações, o Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), que foi criado há cinco anos pelo Ministério Público estadual, acaba de concluir um minucioso documento sobre o uso indiscriminado de escutas telefônicas ilegais por órgãos policiais.

Divulgado pelo site Consultor Jurídico, o relatório resume em 18 páginas o resultado de pesquisas feitas durante cerca de dois anos. Assinado por três experientes e respeitados promotores de Justiça, ele mostra como direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos pela Constituição há muito tempo vêm sendo acintosamente desprezados por delegados e adverte para a “situação de extremo risco” a que estão expostos todos os usuários de telefone no Estado de São Paulo.

O documento começou a ser preparado quando o Gecep foi informado, em abril de 2007, de que os telefones de um escritório de um importante criminalista da capital, que advoga para políticos e empresários, teriam sido grampeados por dois policiais civis, sob a justificativa de que ele estaria envolvido com a cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC). Ao apurar o caso, os promotores descobriram que a denúncia contra o advogado era falsa e que a interceptação telefônica era ilegal.

Cruzando as investigações com outros casos já apurados, o Gecep descobriu que, ao pedir autorização judicial para interceptar telefones, muitos delegados enganam os juízes, fundamentando as petições com informações incompletas e dados falsos. Além disso, utilizam as chamadas “senhas genéricas”, que são concedidas pelo Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária (Dipo), para ter acesso a telefones de cidadãos e empresas que não estão no rol de investigados apresentados à Justiça. Por meio dessas senhas, dizem os promotores, “os delegados podem ter ao seu alcance, em minutos, os dados cadastrais de todos os titulares de linhas telefônicas de São Paulo”, o que lhes permite ter acesso – e “vazar”- a informações sigilosas.

Segundo o documento, a Polícia Civil há muito tempo deixou de “ir à rua” para fazer investigações e colher provas, limitando sua atuação a interceptações telefônicas – prática que os promotores chamam, pejorativamente, de “investigação sentada”. Com isso, os inquéritos criminais acabam sendo mal elaborados. Muitos deles somente reproduzem trechos descontextualizados de conversas entre os investigados, o que dificulta a propositura de ações criminais, por parte do Ministério Público, e impede o juiz de julgá-las, por falta de provas, o que acaba comprometendo a imagem do sistema judicial.

O uso de grampos “sem a observância de controles prévios rígidos alimenta a lei do menor esforço e tem sido aplicado antes de se esgotarem ou de se aplicarem em concomitância os recursos regulares, como a investigação propriamente dita”, diz o documento do Gecep. “Sem controle eficaz sobre as demandas da Polícia Civil para a quebra de sigilo dos telefones e, depois, sobre o que realmente fazem os agentes policiais com as linhas abertas para as escutas, está se cristalizando uma prática que enfeixa em mãos de agentes públicos poderes excepcionais”, afirma o texto.

Para ilustrar o grau a que chegou a banalização do uso de grampos telefônicos, pela Polícia Civil, o relatório do Ministério Público lembra que o Instituto de Criminalística não dispõe de infra-estrutura e de recursos humanos para realizar a degravação de tanta intercepção telefônica. Em visita correcional ao órgão, os promotores constataram que, atualmente, os 13 peritos encarregados dessa tarefa estão passando para o papel escutas que foram realizadas há três anos. Algumas gravações são relativas a inquéritos criminais já arquivados e ações judiciais já julgadas. Ou seja, são degravações que não têm mais utilidade, do ponto de vista legal, o que dá a medida da confusão reinante na Polícia Civil.

Para os promotores do Gecep, a escuta telefônica só deveria ser autorizada pela Justiça na investigação dos crimes mais graves. Neste momento em que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário discutem a necessidade de modernizar a Lei de Interceptações, o documento do Ministério Público paulista não poderia ser mais oportuno.

[Editorial publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, desta segunda-feira, 29 de dezembro]

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