Recurso repetitivo

Decisão sobre desistência de recurso mostra que lei é frágil

Autor

  • Dierle José Coelho Nunes

    é advogado doutor em Direito Processual (PUC-Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”) mestre em Direito Processual (PUC-Minas) professor universitário e membro da Comissão de Ensino Jurídico da seccional mineira da OAB.

27 de dezembro de 2008, 23h00

Em 17/12/08 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça definiu nos Recursos Especiais 1.063.343/RS e 1063343/RS, por maioria de votos, a impossibilidade das partes que interpuseram o recurso, em processo afetado como repetitivo (na forma do artigo 2º, parágrafo 1º, da Resolução 8, de 7 de agosto de 2008, do STJ, para os efeitos do artigo 543-C do Código de Processo Civil) de efetuar sua desistência.

A desistência do recurso, nos moldes do artigo 501, CPC, constitui ato unilateral do recorrente que independe da anuência da parte contrária ou do juízo, e sua realização constitui um fato impeditivo do poder de recorrer, requisito extrínseco de admissibilidade recursal.

Seu exercício é uma clara manifestação da autonomia privada das partes no processo (princípio dispositivo), assegurada constitucionalmente; autonomia privada que vem sendo flexibilizada pela tendência de ativismo judicial, mas, ordinariamente, fruto de uma autorização legal (v.g.: Artigo 461, § 4º, CPC).

No entanto, a aludida decisão da Corte especial do STJ modificou a interpretação do dispositivo, na hipótese do Recurso Especial afetado como repetitivo nos moldes do artigo 543 C, CPC, incluído pela Lei 11.672/08, de modo que nessas hipóteses não será mais permitida a desistência do recurso, sendo a parte obrigada a ter seu recurso analisado no mérito, mesmo que assim não mais deseje.

Alega-se que os advogados poderão se valer do expediente (pedido de desistência) impedindo, por argúcia, uma decisão potencialmente desfavorável.

Para além do acerto ou não da decisão, esta coloca em discussão a idoneidade e consistência da técnica do artigo 543C, CPC, na busca da resolução efetiva dos litígios em massa (litígios de alta intensidade, litígios de atacado).

As técnicas de recursos repetitivos (543C, CPC) e da repercussão geral (artigo 102, parágrafo 3º, CF/88 e 543A e B, CPC) se encaixam no perfil das chamadas “causas piloto” ou “processos teste” (Pilotverfahren ou test claims), no qual, para resolução dos litígios em massa, “uma ou algumas causas que, pela similitude na sua tipicidade, são escolhidas para serem julgadas inicialmente, e cuja solução permite que se resolvam rapidamente todas as demais”. [1]

No entanto, a técnica dos “processos teste” não permite uma participação efetiva dos interessados, eis que os “recursos representativos da controvérsia” serão escolhidos (pinçados) pelo órgão a quo ou ad quem, sem qualquer garantia de que todos os argumentos relevantes para o deslinde da causa, suscitados por todos os interessados, sejam levados em conta no momento da decisão. A participação se limita às partes dos recursos afetados, que podem ou não ter apresentado uma argumentação idônea e técnica.

Perceba-se, que com a técnica de “processos teste”, adotada pelos institutos, os Tribunais Superiores (STF e STJ) não julgarão mais todos os recursos que lhe forem dirigidos (não julgará mais as causas), mas, sim, o tema (tese) que estiver sendo abordado nos recursos representativos. [2]

O mecanismo de pinçamento, em última análise, é uma clara técnica de varejo para solucionar um problema do atacado, que somente poderia ser abordado adequadamente tematizando-se a utilização de ações coletivas representativas ou a utilização de procedimentos com cognição seguimentada (como o Musterverfahren tedesco), no qual em um procedimento coletivo (incidente), com ampla participação de todos os interessados, resolvem-se as questões comuns das causas onde se debatem pretensões isomórficas, “deixando para um procedimento complementar a decisão de cada caso concreto”, [3] entre outras soluções.

A decisão do STJ, em comento, somente demonstra a fragilidade da técnica do artigo 543C, CPC, eis que obriga o Tribunal a restringir a autonomia privada do recorrente, em interpretação que altera o instituto da desistência, sob um argumento (“jargão de decisão”) da aludida “superioridade do interesse público sobre o privado”. [4]

Cria-se uma exceção interpretativa, uma ficção jurídica, além de se aumentar o grau de complexidade normativa na utilização da sistemática processual, para se resolver um problema pragmático do Tribunal Superiror, na utilização da técnica.

Notas

[1] CABRAL, Antonio do Passo. O novo Procedimento-Modelo (Musterferfahren) Alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: DIDIER JR, Fredie. Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodvm, 2008. p. 146.

[2] BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Os Recursos Extraordinários e a Co-originalidade dos Interesses Público e Privado no interior do processo: reformas, crises e desafios à jurisdição desde uma compreensão procedimental do estado democrático de direito. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A.; MACHADO, Felipe D. Amorim (coord.). Constituição e Processo: a contribuição do processo no constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 366.

[3] Cf. CABRAL, Anatonio do Passo. O novo Procedimento-Modelo (Musterferfahren) Alemão: uma alternativa às ações coletivas. cti. p. 245.

[4] Sobre a utilização do princípio da proporcionalidade e da doutrina da supremacia do interesse público sobre o privado a justificarem limitações aos recursos extraordinários, cf. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Os Recursos Extraordinários e a Co-originalidade dos Interesses Público e Privado no interior do processo: reformas, crises e desafios à jurisdição desde uma compreensão procedimental do estado democrático de direito. cit. p. 363-372.

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    é advogado, doutor em Direito Processual (PUC-Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”), mestre em Direito Processual (PUC-Minas), professor universitário e membro da Comissão de Ensino Jurídico da seccional mineira da OAB.

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