Pressão superior

Juízes sofrem patrulhamento ideológico de suas decisões

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26 de dezembro de 2008, 23h00

O Estado brasileiro vem se desenvolvendo em várias áreas, como a econômica, melhorando sua posição no mercado internacional, entretanto, vemos com preocupação a degradação das garantias institucionais, consubstanciada na deformação de nossa Constituição da República, seja por reforma ou mutação.

Quando falamos em reforma constitucional, falamos em reforma de texto. Já a mutação é uma mudança de interpretação, tanto pelos tribunais superiores, quanto pela sociedade como um todo.

Exemplo de reformas odiosas são as recentes reformas da previdência do Judiciário que, sob as ordens do FMI, retiraram conquistas históricas dos trabalhadores, como, por exemplo, a paridade da aposentadoria.

Por outro lado, temos como exemplo de mutação, não menos odiosa, a tese, já consolidada pelos tribunais superiores, de que não existe direito adquirido a regime jurídico. Isto significa que um profissional que dedica sua vida ao serviço público, ou seja, via de regra dá sua vida e seu sangue em prol da sociedade, faz um contrato com o Estado o qual, segundo tal interpretação, pode ser mudado a qualquer tempo, a ponto de que tal indivíduo, em tese, pode até perder seu direito a se aposentar, seja por uma emenda constitucional ou mesmo por lei ordinária.

A única razão de ser desta “interpretação”, que não se lastreia em qualquer doutrina séria da ciência do direito, é o fato de essa reforma ter sido feita com base no documento do FMI intitulado “Diretrizes para as Reformas do Estado da América Latina e Caribe”, disponível ao público e os tribunais seguirem as tais diretrizes.

Por outro lado, as mesmas diretrizes ou orientações são muito respeitosas com os direitos adquiridos dos investidores estrangeiros, com as interpretações o mais favoráveis possível.

Na esteira dessas mudanças para pior, temos assistido, nos últimos 10 anos, fenômenos preocupantes de centralização, que, se por um lado não negam a tradição nacional, consistem em um fator que emperra o próprio desenvolvimento jurídico-político do Estado, principalmente por se tratar de um país de dimensões continentais.

Exemplo disto é a teratológica “súmula vinculante”, segundo a qual ministros que trabalham nos refrigerados gabinetes do Planalto Central se arvoram no direito de “vincular” toda a Magistratura nacional, que se compõe de juízes de locais com problemas e costumes que os Excelentíssimos Ministros nem pensam em conhecer.

E sabemos que muitos deles não são juízes de carreira e nunca julgaram sequer um processo antes de serem alçados ao que já está sendo chamada a “Suprema Corte”.

E se o exemplo vem de cima, não seria diferente nos Tribunais locais. Temos visto cada vez mais exemplos de juízes perseguidos pelas suas posições externadas em sentenças, o que é vedado pela ordem jurídica pátria, mas já está se tornando um costume.

Pode parecer ao cidadão alheio ao mundo jurídico, num primeiro momento, que este é um problema específico do juiz, mas não é. Ocorre que o cidadão precisa do juiz independente.

O juiz é a última opção do cidadão quando negados seus direitos. Teoricamente, o juiz não se atém à opinião publicada (erroneamente chamada opinião pública), ou seja, ao que é emitido pela mídia que domina o poder econômico. Não se atém a pressões de qualquer natureza, mas ao direito, à sua consciência e ao seu senso de justiça.

As recentes ações de patrulhamento, entretanto, ameaçam essa garantia do cidadão. Temos visto juízes atacados em processos disciplinares porque prenderam milionários ou soltaram miseráveis (nunca o contrário); porque decidiram pelo direito ao exercício de determinadas atividades; porque deferiram ou indeferiram medidas prejudicando pessoas poderosas ou influentes; pois garantiram direitos de excluídos.

As ações, normalmente, provêm das corregedorias, órgãos que deveriam se ater ao controle de produtividade e correção ética no exercício da atividade profissional do juiz, mas cada vez mais estão se consolidando como órgãos de controle político-ideológico.

Em assim sendo, indagamos: por que tanto desenvolvimento tecnológico e ainda continuamos miseráveis sob o ponto de vista humano, sobretudo o institucional?

Pensamos que o tempo nos dará essa resposta e torcemos para que este vício, assim como outros, serão sanados pela própria pressão social que criou a Carta de 1988 e sonhamos, ainda que correndo o risco da utopia, com o ressuscitar de seu espírito, com uma sociedade garantida por uma Justiça independente e respeitada.

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