Atuação no Supremo

Leia o discurso de Gilmar Mendes após receber comenda da Fiesp

Autor

15 de dezembro de 2008, 13h11

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, recebeu da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a Ordem de Mérito Industrial de São Paulo , na sexta (12/12). A homenagem aconteceu por causa de sua atuação no STF.

O ministro afirmou que a “modernização do Judiciário, ainda que tardia para os mais pessimistas, já começam a exemplo dos alcançados com os projetos de mutirões carcerários e Movimento Nacional de Conciliação, o qual a Fiesp teve uma participação tão decisiva e importante”.

Também já recebeu a comenda, criada em 2007, o presidente Lula; o presidente do Peru, Alan García; o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong; e o presidente da Coréia do Sul, Lee Myung-bak. A Fiesp fez a homenagem pelo reconhecimento do trabalho dessas personalidades.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, defendeu a forma de o ministro lidar com os “holofotes”, que segundo ele, comprometem um julgar sereno e exemplar. Também elogiou a atuação de Gilmar Mendes por manter “suas funções como de chefe do Poder Judiciário nacional em uma quadra de acontecimentos extraordinários, onde toda a sociedade sentiu os perigos concretos da ameaça sobre seus direitos constitucionais de cidadão”. Skaf enfatizou que Ordem do Mérito é para lembrar que o presidente do Supremo “jamais estará sozinho em sua cruzada de Direito”.

Além de empresários e dirigentes da Fiesp, estavam presentes o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Cesar Asfor; o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Roberto Antônio Vallim Bellocchi; o advogado Adilson de Abreu Dallar; o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Fernando Mattos; o vice-governador de Mato Grosso, Silval da Cunha Barbosa; o professor José Joaquim Gomes Canotilho; o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab; os ex-governadores de São Paulo, Cláudio Lembro e Luiz Antonio Fleury Filho; o atual governador José Serra; juízes e desembargadores de São Paulo. Convidada, a presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª região, Marli Ferreira não compareceu à cerimônia.

Nesta segunda-feira (15/12), Gilmar Mendes recebeu o Prêmio Franz de Castro de Direitos Humanos da OAB-SP. A medalha é entregue às pessoas ou às entidades que se destacaram na defesa da cidadania, da democracia e da justiça social. A cerimônia aconteceu na sede da OAB-SP, na Praça da Sé.

Leia o discurso do ministro Gilmar Mendes

Senhores,

A honra de que me sinto alvo ao ser distinguido com a Ordem do Mérito Industrial São Paulo vai bem além dos 70 anos de planejamento estratégico que orientam das mais eficientes e proativas atuações em favor do Brasil, ou dos 42% do PIB brasileiro aqui representados – voz intérprete que a Fiesp vem a ser todos os dias de 150 mil indústrias paulistas – ou ainda da companhia prestigiosa dos quatro chefes de Estado que me antecederam no recebimento da comenda. Acima de números tão superlativos, a admiração é, dos sentimentos, o que aqui mais me estimula.

Admiração, sim, e respeito, diante de uma indiscutível liderança capaz de mobilizar toda a sociedade, a ponto de vencer causas aparentemente perdidas – caso da controversa CPMF – viabilizando diuturnamente projetos da mais alta relevância para o desenvolvimento nacional sustentável, a exemplo da manutenção, por décadas, do maior sistema privado de educação e qualificação do País.

Com guardião desse jaez, é certo que nenhuma crise deterá a locomotiva paulista. Ouso dizer que nem o trânsito mais infernal embargará São Paulo. Mas se a Fiesp parar, aí sim, tudo estará perdido.

Ao largo de qualquer atalho, a revelar a minha satisfação sincera pela homenagem, e bem a propósito dela mesma e dos motivos que a embasaram, gostaria de lhes falar sobre os muitos avanços obtidos nos últimos tempos com a reformulação de quadros e meios do Poder Judiciário na luta quase insana para vencer o imbróglio da morosidade – e, portanto, do descrédito –, aumentar a transparência processual e administrativa, viabilizar a máxima eficácia na aplicação dos recursos e, reduzindo o elitismo atribuído à Justiça brasileira, ampliar o acesso dos cidadãos ao Judiciário.

Considero essenciais para tal processo as inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, dentre as quais destaco a criação do Conselho Nacional de Justiça e a entrada em vigor de dois importantes institutos: a súmula vinculante e o requisito de repercussão geral dos recursos extraordinários.

O Conselho Nacional de Justiça, cumprindo o papel constitucional que lhe foi reservado, chama a si a responsabilidade de órgão de coordenação, planejamento e supervisão administrativa do Poder Judiciário, com a finalidade precípua de alcançar o máximo de eficiência, de modo a tornar eficaz a prestação jurisdicional.


Para tanto, exercita o que pode ser chamado de “escuta ativa dos tribunais”. Atuando como interlocutor, a partir dos intercâmbios de experiências uniformiza procedimentos, a exemplo da bem-sucedida adoção da tabelas processuais unificadas, que já resulta em saldos positivos mensuráveis para a racionalização do trabalho em todo o Poder Judiciário.

É fato: há muito ressentia-se o Judiciário deste ordenador de estratégias para aperfeiçoamento do serviço público de prestação de justiça. Até então, atuando como ilhas, soluções pontuais redundavam quase sempre em desperdício de recursos e tempo, sem a contrapartida à altura de investimento e, mais ainda, com o gravame adverso da falta de continuidade.

Essa relação de cooperação e subsidiariedade dos tribunais com o Conselho Nacional de Justiça, a resultar na uniformização de procedimentos e estratagemas, mostra-se fundamental para a unidade filosófica necessária ao aprimoramento institucional desejado.

A modernização do Judiciário, ainda que tardia para os mais pessimistas, é visível e os efeitos já começam a aparecer, a exemplo dos alcançados com a execução de projetos como o dos Mutirões Carcerários e do Movimento Nacional de Conciliação, de resultados tão positivos, como visto na semana passada. Os números, de tão elevados, dispensam interpretação ou considerações maiores. Cabe sublinhar que, ano após anos, são batidos recordes tanto em volume de audiência e conciliações quanto nas cifras dos acordos realizados.

Inovações a que correspondem estatísticas cada vez mais surpreendentes, a súmula vinculante e o requisito de repercussão geral respondem por redução substancial no número de processos no Supremo Tribunal Federal, para ficar só no âmbito da instancia máxima.

A súmula vinculante tem o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da administração pública, abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação da Suprema Corte do País.

Tal instituto preenche uma evidente função de estabilização de expectativas e de descompressão do Poder Judiciário em geral, e especificamente do Supremo. A afirmação da obrigatoriedade do respeito às decisões sumuladas pela Corte por todos os demais juízos e tribunais, bem como pelos órgãos da administração pública, significa um desincentivo à judicialização de conflitos referentes a temas sumulados, cuja decisão final seja previsível com grau máximo de certeza.

Nos termos da Constituição, a súmula vinculante deverá ser aprovada por maioria de dois terços dos votos do Supremo Tribunal Federal(oito votos), havendo de incidir sobre matéria constitucional que tenha sido objeto de decisões reiteradas do Tribunal. Terá por objetivo superar controvérsia atual sobre a validade, a interpretação, e a eficácia de normas que possam gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos.

Estão abrangidas, portanto, as questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas em face de normas infraconstitucionais. É requisito para edição da súmula vinculante a preexistência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Exige-se aqui, de um lado, que a matéria a ser versada na súmula tenha sido objeto de debate no Supremo Tribunal Federal; de outro, busca-se obter a maturação da questão controvertida por meio da reiteração de decisões.

Vale ressaltar que a preocupação com a segurança jurídica permeia o instituto da súmula vinculante como um todo. Não só existe evidente relação natural entre a edição de uma súmula vinculante e o grau de segurança relativo à matéria sumulada, como também o princípio da segurança jurídica é assegurado pela própria forma do instituto: ao determinar que a edição de súmula pressupõe a existência de reiteradas decisões sobre um determinado tema, ao exigir quorum qualificado para a sua edição; ao prever procedimento rígido para a sua revisão; e ao estabelecer mecanismos céleres e eficientes para a sua efetivação.

Já a repercussão geral expressa em números concretos a racionalização dos procedimentos judiciais. Os 49.709 recursos extraordinários recebidos nos gabinetes dos ministros em 2007 reduziram-se a 21.700 até outubro deste ano – 44% do total anterior, podendo-se chegar a pouco mais da metade até o final do ano judiciário. Um resultado sem dúvida alvissareiro.

De acordo com a inovação legal, para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. A repercussão geral será presumida sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

A adoção desse novo instituto vem ressaltar a feição objetiva do recurso extraordinário. Se o Tribunal negar a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, os quais serão indeferidos liminarmente.


Para evitar a avalanche de processos que chega ao Supremo Tribunal, os tribunais de origem poderão selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los – somente estes – ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais. De um lado, se negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos; de outro, se declarada a existência da repercussão geral e assim julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos tribunais de origem, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

Na medida em que contribui para a drástica redução do número de processos que chegam à Corte, assim como para limitar o objeto dos julgamentos a questões constitucionais de índole objetiva, a nova exigência da repercussão geral no recurso extraordinário abre promissoras perspectivas para a jurisdição constitucional no Brasil, especialmente quanto à assunção, pelo Supremo Tribunal Federal, do típico papel de um verdadeiro Tribunal Constitucional.

Dessa forma, o instituto da repercussão geral tem duplo intuito: tanto o de buscar assegurar que ações sobre questões constitucionais incidentais, que por sua irrelevância não deveriam ser analisadas pelo Supremo Tribunal Federal, efetivamente não sejam admitidas a esse tribunal e alcancem um término mais rápido, quanto o de propiciar o desafogamento do tribunal dos inúmeros processos que são levados a ele inutilmente, permitindo que julgue, mais celeremente, as questões sobre as quais efetivamente se deva pronunciar. São evidentes, portanto, os potenciais benefícios desse instituto para a celeridade e efetividade da justiça.

A boa notícia – sempre tão necessária quando pairam sobre nós os temíveis espectros da crise mundial – é que a orquestração bem-sucedida desses movimentos em prol da modernização do Judiciário brasileiro possibilita entrever a concretização da promessa constitucional de uma Justiça célere e efetiva, a desaguar em segurança institucional, gerando valorosos dividendos econômicos e políticos. Aos olhos do mundo e, mais importante, para nós mesmos, crescemos, agigantamo-nos – como nação soberana, progressista e democrática

O troféu do pleno exercício da cidadania, entretanto, haveremos de fazer por merecer no dia-a-dia, contando, para tanto, com o benefício da atuação de agentes do desenvolvimento social do porte desta Federação. Aliás, ínsitos ao próprio conceito de responsabilidade social que permeia todas as ações desta Casa estão os compromissos éticos e a preocupação com o fortalecimento da cidadania, como se depreende das palavras do presidente Paulo Skaf, que aqui reproduzo:

Não é possível dissociar o tema Responsabilidade Socioambiental da economia e do emprego. A fragilização do papel regulador do Estado é um fenômeno mundial que transfere a responsabilidade pela garantia da coesão social para as empresas e entidades sem fins lucrativos, que juntas teriam o papel de amenizar os efeitos socialmente perversos da lógica do mercado.

No Brasil, esta responsabilidade vem sendo assumida com vivo interesse. Pesquisas da FIESP, Sebrae e do Ipea mostram que as ações sociais empresariais aumentam ano a ano e possuem o mérito de reafirmar a importância da sociedade civil na estruturação da ordem social.

Essa preocupação dos empresários com a responsabilidade social, visível nas ações da Fiesp, gera salutar efeito retroalimentador da cidadania sob qualquer ângulo examinado.

Claro que há, sim, muito a ser feito. Mal nos iniciamos no aprendizado dos benefícios e obrigações da democracia. Lançando mão de usual metáfora, preparamos o terreno para a colheita – que já começou, a julgar pela melhoria nos indicadores sociais da última década. Cumpre trabalhar incessante e solidariamente, como esta Casa, exemplarmente, vem fazendo por décadas; como o Judiciário pretende sempre agir, para colocar-se no compasso de vanguarda que exige e merece a população brasileira, de modo a refletir não somente o grau de amadurecimento das instituições nacionais mas a definitiva consolidação do Brasil como Estado Democrático de Direito.

Senhores, registrando, por derradeiro, o contentamento de lhes falar, agradeço ainda uma vez a distinção de ter sido agraciado com a prestigiosa comenda Ordem do Mérito Industrial São Paulo..

Muito obrigado a todos.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!