60 anos

Celso de Mello fala sobre Declaração dos Direitos Humanos

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9 de dezembro de 2008, 20h24

Este texto faz parte da série especial sobre os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos preparada pela Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal. A declaração foi aprovada pela 3ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948.

O dia 10 de dezembro de 1948 entrou para a história como a data em que as nações — deixando de lado as divergências ideológicas e os conflitos bélicos — concordaram que a humanidade tem direitos e deveres comuns a todos os indivíduos, independentemente de sua cultura, língua ou nação.

Era um tempo de conflitos: o Estado de Israel estava sendo criado a contragosto dos vizinhos árabes, apenas três anos antes acabara a 2ª Guerra Mundial e a Guerra Fria dividia o planeta em dois lados.

Acima das constituições nacionais, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao ser assinada pela 3ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, era a lei básica de um mundo que buscava o caminho da convivência segura de uma espécie.

Para lembrar os 60 anos da declaração, o ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal (decano), Celso de Mello, a convite da Secretaria de Comunicação Social da Corte, escreveu o seguinte artigo.

60º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA

CELSO DE MELLO, ministro e ex-presidente do STF

Há 60 anos, em 10.12.1948, era promulgada, pela 3ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Esse estatuto das liberdades públicas representou, no cenário internacional, importante marco histórico no processo de consolidação e de afirmação dos direitos fundamentais da pessoa humana, pois refletiu, nos trinta artigos que lhe compõem o texto, o reconhecimento solene, pelos Estados, de que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotadas de razão e consciência e titularizam prerrogativas jurídicas inalienáveis que constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz universal.

Com essa proclamação formal, os Estados componentes da sociedade internacional – impulsionados pelo estímulo originado de um insuprimível senso de responsabilidade e conscientes do ultraje representado pelos atos hediondos cometidos pelo regime nazi-fascista e pelos gestos de desprezo e de desrespeito sistemáticos praticados pelos sistemas totalitários de poder – tiveram a percepção histórica de que era preciso forjar as bases jurídicas e éticas de um novo modelo que consagrasse, em favor das pessoas, a posse da liberdade em todas as suas dimensões, assegurando-lhes o direito de viver protegidas do temor e a salvo das necessidades.

O Brasil — que subscreveu esse documento extraordinário no próprio ato de sua promulgação — ainda está em débito com o seu povo na efetivação das promessas essenciais contidas na Declaração Universal, cujo texto, mais do que simples repositório de verdades fundamentais e de compromissos irrenunciáveis, deve constituir, no plano doméstico dos Estados nacionais, o instrumento de realização permanente dos direitos e das liberdades nele proclamados.

A Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana deve representar, na consciência dos governantes responsáveis e dos Estados comprometidos com a causa da liberdade, da justiça, da paz entre os povos e da democracia, o elemento vital e impulsionador de medidas, que, de um lado, visem a banir, das relações entre as pessoas e o poder estatal, o medo da opressão e, de outro, tendam a evitar a frustração dos sonhos que buscam dar sentido de concreta efetividade às legítimas aspirações do ser humano.

É preciso, pois, que o Estado, ao magnificar e valorizar o significado real que inspira a Declaração Universal dos Direitos das Pessoas Humanas, pratique, sem restrições, sem omissões e sem tergiversações, os postulados que esse extraordinário documento de proteção internacional consagra em favor de toda a Humanidade.

Hoje, portanto, mais do que uma data revestida de significação histórica, é dia de renovação de nossos compromissos com a causa dos direitos essenciais da pessoa humana. É dia, também, de confirmação de nossa fé em valores que jamais poderão ser desrespeitados ou esquecidos. Este momento, tão fortemente impregnado do sentido que lhe confere a data histórica que hoje relembramos, traduz – mais do que o exercício ritual de uma celebração — um instante de necessária reflexão sobre o significado do grave compromisso que o Brasil assumiu ao subscrever a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana. Os deveres irrenunciáveis que emanam desse instrumento internacional incidem sobre o Estado brasileiro de modo pleno, impondo-lhe a execução responsável e conseqüente dos compromissos instituídos em favor da defesa e proteção da integridade de todas as pessoas.

Esta data há de representar uma etapa essencial na jornada permanente em busca da realização plena dos objetivos insuprimíveis que a consciência dos Povos, estimulada por uma notável percepção das exigências éticas subjacentes à atuação do Poder Público, concebeu e atribuiu à Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana.

Torna-se imperioso, pois, a partir da consciência universal que se forjou no espírito de todos em torno do valor essencial dos direitos fundamentais da pessoa humana, reagir contra essas situações de opressão, degradação, discriminação e humilhação que provocam a injusta marginalização de vastos contingentes da população brasileira. Essa reação — que se deve originar no seio da sociedade civil e transmitir-se, por repercussão condicionante, ao próprio sistema de poder e ao aparato governamental que lhe dá suporte – deve buscar os meios que permitam transformar, em concreta realidade, os compromissos que o Brasil assumiu ao subscrever a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana.

Que este momento possa representar a celebração de um rito de passagem, que nos permita construir, a partir de agora e com os olhos voltados para o futuro, um sistema fundado na justiça social, no respeito aos direitos fundamentais da pessoa e na reafirmação da nossa fé na essencial dignidade que se revela inerente a todos os seres humanos. Este é o nosso desejo. Este é o nosso empenho. Este deve ser o nosso compromisso.

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