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American Airlines ganha liminar para descumprir regras de SAC

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6 de dezembro de 2008, 15h00

A companhia aérea American Airlines conseguiu decisão liminar para que não seja punida caso não cumpra as obrigações impostas pelo Decreto 6.523/08, que criou novas regras para os call centers e entrou em vigor na segunda-feira (1º/12). A decisão foi tomada na quinta-feira (4/12) pelo juiz Mauricio Kato, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Essa é a segunda decisão que retira de uma empresa a obrigação de cumprir o decreto. Na terça-feira (2/12), a Consultor Jurídico informou que a Continental Airlines livrou-se liminarmente de cumprir parte das novas regras. A decisão, também da Justiça Federal de São Paulo, dizia que empresa norte-americana não precisava manter o atendimento 24 horas por dia, dar opção de atendimento pessoal em todos os menus, resolver as reclamações em cinco dias e a gerar um número de protocolo para cada ligação.

No dois casos, as empresas foram representadas pelos advogados Carlos Miguel Castex Aidar, Joel Luís Thomas Bastos e Guilherme Lopes do Amaral, do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar.

Para a American Airlines, a decisão liminar foi mais ampla, pois todo o decreto foi suspenso para a empresa. O juiz concordou com o argumento da defesa de que o decreto assinado pelo presidente Lula ultrapassou seus limites. Kato diz que ele não apenas regulamentou a lei, mas impôs obrigações, o que só poderia ser feito por meio de lei.

“O decreto foi além, ao impor, por exemplo, a obrigação de manter serviço de atendimento telefônico ao vivo e presencial, de modo ininterrupto”, afirma o juiz. Para a outra empresa, esse argumento não foi aceito.

American Airlines diz que não precisa manter o atendimento 24 horas por dia porque a maioria das ligações é agentes de viagens. Afirma ainda que tem poucos vôos para o Brasil e que só recebe duas reclamações por dia. Sobre essa questão, no entanto, o juiz afirmou que ela exige um exame mais aprofundado.

Leia a decisão

Processo 2008.61.00.029116-0

Vistos, etc.

Preliminarmente, rejeito a inicial relativamente as entidades de proteção e defesa do consumidor de outras unidades da federação, tendo em vista a incompetência desse juízo para analisar os pleitos a elas direcionados, nos termos do artigo 292, do Código de Processo Civil.

Assim, no pólo passivo deverão figurar unicamente o Diretor da Agência Nacional de Aviação Civil em São Paulo — ANAC e o Diretor da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor — Procon São Paulo.

Ainda, indefiro o pedido de decretação de segredo de justiça, por ausência de previsão legal, porque os documentos trazidos pela impetrante não estarão acobertados por sigilo e por não estar demonstrada repercussão efetiva e eventual dano à livre concorrência.

Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, pelo qual a impetrante pretende provimento jurisdicional que a coloque a salvo de eventuais sanções administrativas decorrentes do descumprimento do Decreto 6.523/08.

Aduz, em apertada síntese, que referida norma tem por objetivo regulamentar as disposições do Código de Defesa do Consumidor, especificamente em relação ao Serviço de Atendimento ao Cliente — SAC, entretanto, na forma em que editada pelo Poder Executiva extrapola os limites delineados pela lei, já que cria obrigações e restrições não autorizadas pelo COC, violando os princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e razoabilidade.

Em análise sumária da questão, cabível no exame de pedido liminar, tenho por presente o requisito da relevância dos fundamentos jurídicos da impetração.

Com efeito, o ato normativo aqui questionado foi editado pelo Poder Executivo com o intuito de regulamentar o Código de Defesa do Consumidor — CDC, no que diz respeito ao direito à informação e proteção contra práticas abusivas ou ilegais no fornecimento de serviços via telefone, fixando, portanto, normas gerais relativas ao serviço de atendimento ao consumidor -SAC.

O Decreto 6.523/2008 objetiva regular o serviço de atendimento telefônico mantido pelas empresas prestadoras de serviço, destinados ao fornecimento de informações, resolução de dúvidas e reclamações, suspensão e cancelamento de contratos, especificamente quanto à amplitude e forma detalhada de acesso e contato, qualidade de atendimento, possibilidade de acompanhamento pelo consumidor, procedimentos de resolução de demandas e imediatamente no pedido de cancelamento de serviços.

O descumprimento de tais regras sujeita a empresa infratora às penalidades descritas no artigo 56, do CDC, que variam desde aplicação de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração e da condição econômica do autuado, num mínimo de 200 e máximo de 3 milhões de vezes o valor da UFIR, até a suspensão de atividades, revogação de concessão, interdição e intervenção administrativa.

A impetrante deduz pedido genérico relativamente à suspensão de qualquer sanção administrativa que decorra do descumprimento das obrigações trazidas pelo decreto, mas, especificamente se insurge quanto à necessidade de manutenção e disponibilizarão ininterrupta de serviço de atendimento telefônico.

Isso porque, segundo narra a inicial e na forma em que demonstrada nos documentos que a acompanham, a impetrante é companhia norte-americana que mantém diminuta operação comercial no Brasil, já que a maior parte de seus bilhetes aéreos são comercializados no exterior e para clientes estrangeiros e aqueles vendidos em território nacional, para o público local, em sua maior parte, o são por intermédio de agências de turismo que absorvem a demanda de atendimento e contato telefônico de que trata o decreto.

Além disso, a impetrante demonstra, dada as particularidades de sua operação comercial em nosso país, que suas estatísticas apontam o recebimento em seus telefones de atendimento da média de 2 reclamações por dia, as quais não geraram, até agora, formalização de denúncia perante qualquer órgão ou entidade de proteção e defesa do consumidor.

A Constituição Federal diz que compete privativamente ao Presidente da República, dentre outras atribuições, expedir decretos com vistas à fiel execução de lei (art. 84, IV).

Essa espécie normativa, portanto, assume a feição de legislação supletiva ou regulamentar ou instrumento de integração da norma a fim de dar maior especificidade às leis que possuem valores mais genéricos, trabalhando no campo da sua execução para concretizar e viabilizar a execução de diversos comandos legislativos.

Tendo isso em conta o decreto não pode contrariar a lei que lhe dá ensejo, criar direitos, impor obrigações ou proibições que extrapolem os limites traçados pelo ato normativo formal, sob pena de afronta aos princípios da legalidade e da separação dos poderes, já que a feitura de lei cabe, em regra, ao Poder Legislativo.

No caso vertente, entendo que o decreto criticado desbordou de seus limites, pois não se ateve a regulamentar e esclarecer a lei, impondo obrigações nela não contidas, jd que embora a redação genérica, típica das leis, dos dispositivos do CDC, notadamente o artigo 6º, verifica-se que o Decreto 6.523/2008 ultrapassa seus limites.

De fato, exigir que o atendimento telefônico de clientes se faça de modo gratuito e sem imposição de ônus ao consumidor, que seja acessível a pessoas com deficiência auditiva ou de fala, de modo preferencial, que se faça com eficiência, presteza e boa-fé e que possibilite ao consumidor alcançar, sem rodeios, o objetivo de sua ligação, são obrigações que aparentemente compatibilizam-se com os direitos assegurados pelo estatuto consumerista (artigos 4o, I, II, d e VI, 6°, II, III, IV, VII e X), entretanto, o decreto foi além, ao impor, por exemplo, a obrigação de manter serviço de atendimento telefônico ao vivo e presencial, de modo ininterrupto.

Note-se que a alegada violação aos princípios da proporcionalidade, igualdade e razoabilidade, especialmente porque equipara e impõe iguais obrigações e punições a empresas prestadoras de serviços de portes e operação comercial tão diferentes demanda um exame mais aprofundado, compatível com a sentença, quando já terão sido prestadas as informações, ausência, no entanto, que não prejudica o exame do vício material do ato normativo.

Considerando que se trata de ato normativo com efeitos concretos e que a impetrante está sujeita a imputação de sanções administrativas desde a vigência do ato, entendo caracterizado o perigo da demora.

Face o exposto, DEFIRO o pedido liminar para suspender sanções administrativas impostas pela autoridade impetrada, relativamente as obrigações disciplinadas pelo Decreto n. 6.523/2008.

Encaminhem-se os autos ao SEDI para retificação do pólo passivo.

Requisitem-se as informações. Após, ao Ministério Público Federal.

Intime-se.

São Paulo, 04 de dezembro de 2008

Mauricio Kato

Juiz Federal

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