Licença-remunerada

Procuradores defendem abertura de ação contra Mendroni

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5 de dezembro de 2008, 15h46

O Conselho Superior do Ministério Público vai decidir se abre ou não uma ação de improbidade administrativa contra o promotor criminal Marcelo Mendroni. Por enquanto, há três votos a favor da abertura da ação. Apenas o procurador-geral, Fernando Grella, decidiu pelo arquivamento do caso. Ao todo, dez votos serão proferidos.

Tudo começou porque o promotor foi liberado para fazer uma pós-graduação, na Itália, mas desistiu posteriormente sem avisar seus superiores e ficou naquele país. Ele havia pedido seis meses de licença remunerada para fazer pós-doutorado na Universidade de Bologna. O Conselho Superior do Ministério Público aprovou o pedido. Quando chegou lá, desistiu de se matricular porque o curso inteiro só acabaria em 14 meses e ele só tinha seis meses para estudar. Ninguém foi informado da sua decisão e, assim, continuou recebendo o seu salário de R$ 22 mil.

Quando voltou da Itália, Mendroni apresentou um relatório que foi considerado insuficiente pelo Conselho. Ele participou como ouvinte de algumas aulas do curso, viu palestras, seminários e fez muitas pesquisas. O objetivo, na verdade, era escrever um livro que pretende publicar em breve.

Para o procurador-geral, Fernando Grella, não há qualquer indício de que houve irregularidade, improbidade administrativa ou enriquecimento ilícito. A relatora do inquérito civil aberto, procuradora Marisa Dissinger, discorda. “Não tenho dificuldade em classificar sua conduta como ímproba, nos exatos limites dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, pois à evidência sua omissão derivou de má-fé que consiste no dolo exigido pela legislação de regência, e produziu enriquecimento ilícito (a obtenção de remuneração a que, nas circunstâncias, não tinha direito)”, escreveu ela em seu voto.

Além da relatora, votaram pela abertura da ação os procuradores João Francisco Moreira Viegas e Nelson Gonzaga de Oliveira. Este propôs ao procurador-geral que reexamine o processo, com o argumento de que há novos documentos não analisados.

Fernando Grella vai avaliar novamente o caso. Sem data marcada para colocar novamente em pauta. A próxima sessão do Conselho acontece na terça-feira (9/12). Para defender o arquivamento, o procurador-geral se baseou em parecer escrito pelo seu assessor Márcio Fernando Elias Rosa, em que entendeu que, se há a tese de que faltou lealdade à instituição por parte do promotor, o Conselho tinha pleno conhecimento do trabalho que ele faria quando autorizou a licença.

O procurador João Francisco Moreira Viegas diz que não há motivos para a demora na solução do caso. Segundo ele, seria lamentável para a instituição deixar de abrir um processo contra o promotor e, nesse caso, qualquer cidadão poderia entrar com uma ação contra Mendroni. Segundo Viegas, o dolo na conduta do promotor é inequívoco porque tinha plena consciência de que estava se aproveitando do cargo público em benefício próprio.

“Limitou-se a desenvolver pesquisa informal em acervo de bibliotecas estrangeiras, para a elaboração de um livro que almeja publicar (e, por óbvio, comercializar), sem nenhuma orientação ou fiscalização de responsável acadêmico; acervo, registre-se logo, na maior parte acessível por meio da rede mundial de computadores”, disse em seu voto-vista.

Para a relatora, Marisa Dissinger, a questão não é de cifras, mas de princípios. Portanto, na sua opinião, a instituição deve agir com vigor e rapidez na apuração das eventuais faltas cometidas pelo promotor.

Leia o voto-vista do procurador João Viegas

Protocolado nº 132.059/07 – CSMP

VOTO VISTA

Solicitei vista para melhor exame. A questão está em saber se a inviabilidade de freqüência no pós-doutorado da Universidade de Bologna cessa a causa que ensejou a autorização dada por este Conselho Superior, cumprindo ao beneficiado, doutor Marcelo Batlouni Mendroni, comunicar o fato para cessação do afastamento e imediato retorno a suas funções.

A relatora acertadamente entende que sim.

De fato, mesmo que pesquisa informal tenha sido desenvolvida, a aleatória mudança de rumo no projeto acadêmico que prometeu realizar, implicou no desaparecimento da causa legal de seu afastamento do cargo, tornando ilícita a licença remunerada que usufruiu.

A remuneração recebida durante o período de afastamento do cargo (algo em torno de RS 132.000,00), sem a correspondente freqüência no pós-doutorado, foi sim um ganho indevido, pois, nesse período, não deu contraprestação de trabalho na função de promotor de justiça, nem se dedicou ao pós-doutorado que havia se obrigado a cursar.

Limitou-se a desenvolver pesquisa informal em acervo de bibliotecas estrangeiras, para a elaboração de um livro que almeja publicar (e, por óbvio, comercializar), sem nenhuma orientação ou fiscalização de responsável acadêmico; acervo, registre-se logo, na maior parte acessível por meio da rede mundial de computadores.

Sabido pelo promotor, desde o início, ou a partir do momento em que se apresentou à Universidade de Bologna, que na Itália o pós-doutorado se faz, com inscrição prévia, ao longo de dois anos, sob a orientação de um docente e adstrito a um pré-aprovado programa de pesquisa. Não se tratando, como equivocadamente acreditou o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, de atividade desregulamentada, mas, sim, submetida a regras imperativas, traçadas, em boa parte, pela Lei italiana nº 398, de 30 de novembro de 1989 e pelo Decreto Retoralle nº 726, de 2007 (documentos disponíveis nos autos).

Houve dolo inequívoco, pois tinha plena consciência de que estava aproveitando o afastamento remunerado para realizar trabalho diverso daquele para o qual autorizado a desenvolver em terras estrangeiras.

A incompatibilidade entre a aquisição dos valores e a receita do agente (art. 1º da Lei 8.429/92) está na percepção da remuneração sem causa lícita (o exercício da função ou a freqüência ao pós-doutorado).

O nexo causal está evidente, pois, no período de afastamento, recebeu remuneração que aumentou seu patrimônio, com o uso indevido de sua qualidade de servidor público para obter licença remunerada, sem a contraprestação de seu trabalho de promotor de justiça e sem a prometida freqüência no curso de pós-doutorado.

Embora profissional respeitado na classe e na comunidade jurídica do país, utilizou-se de artifício para desenvolver estudos de interesse particular, recebendo do erário público a remuneração pelo cargo de promotor de justiça da Capital.

Presentes o dolo, o prejuízo ao erário e a quebra dos deveres de lealdade e honestidade para com à instituição, a improbidade administrativa mostra-se caracterizada nas figuras dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429, de 1992.

Desnecessário mesmo dizer, por fato notório, que situações semelhantes a aqui examinada, sempre levaram o Ministério Público a desencadear e sustentar ações de improbidade administrativa, pouco importando, fossem os réus deputados, prefeitos, vereadores, secretários de governo, diretores de empresas públicas, simples servidores ou mesmo ex-governadores, como bem demonstrou a ilustre Relatora no judicioso voto que proferiu. Aos vários precedentes por ela destacados, acrescento outro mais recente e, por várias vezes, noticiado na página eletrônica da Procuradoria Geral de Justiça, qual seja: aquele ensejou a propositura de ação de improbidade administrativa e também denúncia por crime de peculato e pedido de prisão preventiva contra o ex-reitor e o auditor da Fundação Santo André.

Não podendo ser desprezada a nada remota possibilidade de qualquer do povo, a pretexto do Ministério Público paulista estar se omitindo na busca da reparação do dano injustamente causado ao erário, vir a ajuizar ação popular.

Com esses argumentos, rejeito o arquivamento e determino que ação de improbidade administrativa seja proposta contra o doutor Marcelo Batlouni Mendroni, por um dos Promotores de Justiça da Cidadania da Capital, não pelo Procurador-Geral substituto, como antes aventado pela Relatora, ex vi, do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 1285-1-SP. Em atenção ao princípio da proporcionalidade, deve o pedido ficar limitado ao ressarcimento integral do dano e ao pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial auferido (LIA, 12). É como voto.

São Paulo, 25 de novembro de 2008

João Francisco Moreira Viegas

Procurador de Justiça – Conselheiro

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