Call center

Empresa consegue liminar para descumprir regras de call center

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2 de dezembro de 2008, 19h43

A Continental Airlines livrou-se liminarmente de cumprir parte das novas regras dos call centers. A empresa norte-americana não precisará manter o atendimento 24 horas por dia, dar opção de atendimento pessoal em todos os menus, resolver as reclamações em cinco dias e a gerar um número de protocolo para cada ligação.

A decisão é juíza Silvia Figueiredo Marques, da 26ª Vara Cível Federal de São Paulo. Esta é a primeira liminar contra o Decreto 6.523/08, que entrou em vigor na segunda-feira (1º/12).

A empresa, que faz apenas dois vôos diários para o Brasil, afirma que o Decreto viola o princípio da legalidade porque não se limita a regulamentar uma lei ao criar obrigações. Para a Continental Airlines, o decreto ainda é inconstitucional por violar os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da razoabilidade. Por isso, ela entrou na Justiça pedindo que não seja obrigada a cumprir seis artigos do decreto.

A empresa foi representada pelos advogados Carlos Miguel Castex Aidar, Joel Luís Thomas Bastos e Guilherme Lopes do Amaral, do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar.

Para a juíza, não há no decreto ofensa ao princípio da legalidade. “A lei tem que ser genérica, não pode trazer detalhes como os aqui presentes. Trata-se, efetivamente, de regulamentação do Código de Defesa do Consumidor”, afirma.

Parte do argumento sobre o princípio da proporcionalidade foi aceito pela juíza. Segundo ela, o parágrafo 1º do artigo 4º não deve ser imposto à empresa. Ele obriga o call center a oferecer em todos os menus a opção de o cliente ser atendido por uma pessoa. A juíza entendeu que, como o atendimento da empresa sempre é feito por um funcionário, o efeito do parágrafo é nulo.

Já o parágrafo 2º do artigo 4º — que diz que a ligação não pode ser finalizada antes da conclusão do atendimento — parece disciplinar o óbvio para a juíza.

Sobre a obrigação de manter atendimento 24 horas por dia, a juíza entendeu que ele ofende a razoabilidade. “Esta regra [artigo 5º] deveria valer apenas para determinados tipos de serviço e não para todos. No caso da impetrante, que, conforme afirma, possui apenas dois vôos diários partindo deste país, a exigência é exagerada”, argumenta Silvia. Segundo a Continental Airlines, a média diária é de uma ligação.

Pela decisão, a empresa não precisará fazer um número de protocolo para ligação, bastando apenas que faça o registro pelo nome do consumidor. Mas, a companhia terá que continuar a gravar as ligações.

A última norma derrubada foi o artigo 17. A norma diz que “as informações solicitadas pelo consumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro”.

Para a juíza, as informações devem ser prestadas imediatamente e as reclamações devem ser resolvidas de forma mais rápida possível. No entanto, alguns problemas como extravio de bagagem podem demorar mais do que cinco dias para serem resolvidos. “O estabelecimento de um único prazo para a solução das reclamações não se afigura razoável”, afirma.

Processo 2008.61.00.028857-3

Vistos etc.

CONTINENTAL AIRLINES INC. impetrou o presente Mandado de Segurança contra ato a ser praticado pelo Diretor da ANAC — Agência Nacional de Aviação Civil e outros, pelas razões a seguir expostas;

Afirma, a impetrante, que o Decreto n. 6.523/08, a pretexto de regulamentar a Lei n. 8,078/90, fixou normas gerais sobre o serviço de atendimento ao consumidor — SAC por telefone. Entre elas, foi estabelecida a obrigação de que o serviço esteja disponível ininterruptamente, vinte e quatro horas, sete dias por semana. As ligações deverão ser gravadas e as informações solicitadas pelo consumidor deverão ser prestadas imediatamente. As reclamações deverão ser resolvidas no prazo máximo de cinco dias e, quando a demanda versar sobre serviço não solicitado, o fornecedor é obrigado a suspender a cobrança.

Sustenta, a impetrante, que estes dispositivos violam o princípio da legalidade, já que não se limitam a regulamentar a Lei, mas criam obrigações.

Alega, ainda a impetrante, que as obrigações impostas pelo Decreto são inconstitucionais por ofenderem o princípio da proporcionalidade, da igualdade e da razoabilidade.

Pede, por fim, a concessão da liminar para suspender a possibilidade de sanção administrativa em razão de eventual descumprimento das obrigações criadas pelo Decreto n. 6.523/08, impedindo-se que qualquer punição seja aplicada pelos impetrados à impetrante, em decorrência dos comandos do referido diploma legal E pede que seja concedida a segurança para tornar definitiva a liminar.

Pede, ainda, que seja decretado o segredo de justiça no autos, em razão dos documentos anexados à inicial.


Às fls. 141/143, foi determinada a exclusão da lide das autoridades dos PROCONs, foi indeferido o segredo de justiça e foi determinado à impetrante que emendasse a inicial.

A impetrante apresentou a petição de fls. 147/154, na qual especifica seu pedido. Pede que se decrete a impossibilidade de sanção administrativa a ela, por descumprimento dos artigos 4o, 5o, 10°, 15°, 16° e 17° do Decreto n. 6.523/08.

É o relatório. Decido.

Para a concessão da liminar, é necessária a presença de seus dois requisitos: fumus boni iuris epericulum in mora, Passo a analisá-los.

Transcrevo, inicialmente, os artigos contra os quais se insurge a impetrante;

“Art. 4º — O SAC garantirá ao consumidor, no primeiro menu eletrônico, as opções de contanto com o atendente, de reclamação e de cancelamento de contratos e serviços,

§ 1º — A opção de contatar o atendimento pessoal constará de todas as subdivisões do menu eletrônico.

§ 2º — O consumidor não terá a sua ligação finalizada pelo fornecedor antes da conclusão do atendimento.

§ 3º — O acesso inicial ao atendente não será condicionado ao prévio fornecimento de dados pelo consumidor. § 4o – Regulamentação específica tratará do tempo máximo necessário para o contato direto com o atendente, quando essa opção for selecionada, “

“Art. 5º — O SAC estará disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, ressalvado o disposto em normas específicas, “

“Art. 10 — Ressalvados os casos de reclamação e de cancelamento de serviços’, o SAC garantirá a transferência imediata ao setor competente para atendimento definitivo da demanda, caso o primeiro atendente não tenha essa atribuição.

§1º — A transferência dessa ligação será efetivada em taté sessenta segundos.

§2º — Nos casos de reclamação e cancelamento de serviço, não será admitida a transferência da ligação, devendo todos os atendentes possuir atribuições para executar essas funções.

§3º — O sistema informatizado garantirá ao atendente o acesso ao histórico do consumidor. “

“Art. 15 — Será permitido o acompanhamento pelo consumidor de todas as suas demandas por meio de registro numérico, que lhe será informado no início do atendimento.

§ 1º — Para fins do disposto no caput, será utilizada seqüência numérica única para identificar todos os atendimentos.

§2º — O registro numérico, com data, hora e objeto da demanda, será informado ao consumidor e, se por este solicitado, enviado por correspondência ou meio eletrônico, a critério do consumidor.

§ 3º — É obrigatória a manutenção da gravação das chamadas efetuadas para o SAC, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual o consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo.

§4º — O registro eletrônico do atendimento será mantido ã disposição do consumidor e do órgão ou entidade fiscalizador por um período mínimo de dois anos após a solução da demanda.”

“Art 16 — O consumidor terá direito de acesso ao conteúdo do histórico de suas demandas que lhe será enviado, quando solicitado, no prazo máximo de setenta e duas horas, por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério, “

“Art. 17 — As informações solicitadas pelo consumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro.

§1º — O consumidor será informado sobre a resolução de sua demanda e, sempre que solicitar, ser-lhe-á enviada a comprovação pertinente por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério.

§2º — A resposta do fornecedor será clara e objetiva e deverá abordar todos os pontos da demanda do consumidor.

§3º — Quando a demanda versar sobre serviço não solicitado ou cobrança indevida, a cobrança será suspensa imediatamente, salvo se o fornecedor indicar o instrumento por meio do qual o serviço foi contratado e comprovar que o valor é efetivamente devido. “

Em um primeiro juízo, não verifico ofensa ao princípio da legalidade nos referidos dispositivos. A lei tem que ser genérica, não pode trazer detalhes como os aqui presentes. Trata-se, efetivamente, de regulamentação do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, algumas regras estabelecidas pelo referido Decreto desrespeitaram o princípio da razoabilidade, ao menos para casos como o da impetrante.

A respeito deste princípio, LUÍS ROBERTO BARROSO ensina, socorrendo-se de Bielsa e Linares Quintana:

“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. E razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. ” (in INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO, editora Saraiva, 2a ed., 1998, págs. 204/205)


Com efeito, a exigência de um menu eletrônico, quando o atendimento é feito por uma pessoa, funcionário da empresa, não tem razão de ser. Aliás, o próprio § 1º do art. 4º prevê sempre a existência da opção de atendimento pessoal. E a impetrante afirma que, no seu caso, o consumidor é atendido diretamente por um funcionário da companhia.

Já a disposição do § 2º do art. 4º de que a ligação não seja finalizada antes da conclusão do atendimento, é bastante razoável, embora pareça disciplinar o óbvio.

O § 3º do art. 4º, de acordo com o narrado na inicial, já é cumprido pela impetrante, uma vez que o atendimento inicial é feito por uma pessoa. O mesmo se diga com relação ao § 4º.

Assim, no que diz respeito ao art. 4º, apenas o caput e o § 1º, no caso da impetrante, atentam contra a razoabilidade. Isto desde que o atendimento inicial, de fato, seja feito de forma pessoal.

O art. 5º também ofende a razoabilidade ao exigir que o atendimento seja feito durante as vinte e quatro horas do dia. Esta regra deveria valer apenas para determinados tipos de serviço e não para todos. No caso da impetrante, que, conforme afirma, possui apenas dois vôos diários partindo deste país, a exigência é exagerada.

Quanto ao art. 10, que prevê a imediata transferência da ligação ao setor competente para atendimento definitivo da chamada, não me parece que seu cumprimento trará problemas para a impetrante, uma vez que a mesma afirma que recebe, em média, uma única ligação por dia (fls. 20). O mesmo se diga quanto à hipótese de transferência da ligação e da proibição de transferência em caso de cancelamento e reclamação. Se a demanda da impetrante aumentar, caberá a ela aumentar, também, seu número de atendentes. O § 3º deste artigo não foi mencionado pela impetrante, razão por que deixo de analisá-lo.

No que diz respeito ao artigo 15, no caso da impetrante, também parece desarrazoada a exigência de registro numérico das ligações. Contudo, a obrigatoriedade da manutenção da gravação, prevista no parágrafo 3º, tem razão de ser. E que a gravação constitui uma garantia para o consumidor e possibilita a fiscalização do cumprimento das determinações do Decreto.

Ainda que não haja registro numérico das ligações, e que as demandas dos passageiros sejam resolvidas por nome, como afirma a impetrante, as demandas devem ser registradas e o consumidor, bem como o órgão fiscalizador têm que ter acesso ao registro, como previsto no § 4º do artigo 15.

Também deverá o consumidor, ter acesso ao histórico das demandas, ainda que o registro seja feito pelo nome, como previsto no artigo 16.

Por fim, quanto ao artigo 17, as informações devem mesmo ser prestadas imediatamente e as reclamações devem ser resolvidas com a maior brevidade. Contudo, é verdade que determinados problemas, como o de extravio de bagagem, mencionado pela impetrante, podem demandar um tempo maior para serem solucionados. Assim, o estabelecimento de um único prazo para a solução das reclamações não se afigura razoável. Quanto aos parágrafos deste artigo, não vejo exagero nos mesmos, que tratam, principalmente, de informações ao consumidor.

Saliento, ainda, que eventual ofensa ao princípio da igualdade, perpetrada pela Portaria n, 2.014/08, que trouxe algumas exceções ao disposto no Decreto, não se resolveria com a extensão das regras de exceção à impetrante, já que não é dado ao Poder Judiciário agir como legislador positivo.

Diante do exposto, concedo em parte a liminar para, no que diz respeito à impetrante afastar a aplicação das seguintes regras do Decreto n. 6.523/08: do caput e § 1º do art. 4º, desde que o atendimento inicial seja feito por um funcionário da impetrante; do art. 5º; do caput e § 1º do artigo 15, desde que o acompanhamento das demandas seja feito pelo nome do consumidor.

No caso do § 2º e do § 4º, do mesmo artigo 15, em lugar do registro numérico, pode ser feito o registro pelo nome do consumidor, mas a determinação deve ser cumprida.

Por fim, afasto, com relação à impetrante, a aplicação do disposto no caput do artigo 17 do Decreto n. 6.523/08, na parte em que determina que as reclamações têm que ser resolvidas em cinco dias.

Determino, ainda, à autoridade impetrada que se abstenha de sancionar a impetrante pelo descumprimento dos dispositivos afastados, com relação a ela, desde que atendidas as condições acima especificadas.

Comunique-se a autoridade impetrada, solicitando-se as informações, bem como intime-se, por mandado, seu procurador judicial, nos termos do artigo 19 da Lei n. 10.910/04.

Publique-se.

SÍLVIA FIGUEIREDO MARQUES

JUÍZA FEDERAL

São Paulo, 2 de dezembro de 2008.

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