Expectativa proporcional

Aplauso a Obama é unânime, mas diferenças serão cobradas

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30 de novembro de 2008, 23h00

É famosa a frase de Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. Certamente, a frase não é para ser interpretada literalmente, mas constitui uma provocação salutar, provocação tão ao gosto do grande teatrólogo. Diante de muitos abusos seria desejável uma reprovação unânime, como também seria animadora uma aprovação sem discrepância a certos atos meritórios. Há unanimidades que, se alcançadas, representam conquista ética numa sociedade.

O que incomoda é a unanimidade sem discussão, a unanimidade sem aprofundamento, a unanimidade que se contenta com uma análise parcial dos fatos e despreza o desdobramento que os fatos podem ter. O que repugna é a unanimidade obtida através da manipulação das consciências e da pretendida cassação da inteligência de que todas as pessoas são dotadas. O que repugna é a unanimidade que a propaganda bem feita pode alcançar. Há fatos importantes que devem ser discutidos em toda a sua extensão. É lamentável quando esses fatos são enclausurados numa manchete de efeito ou numa frase sonora e colorida. Perde-se a oportunidade de um avanço na visão crítica do povo.

A meu ver, a desconfiança é uma virtude. Quando todos aprovam, quando todos falam exatamente a mesma coisa é prudente desconfiar, ir fundo, analisar. Talvez depois do primeiro momento de desconfiança, e da análise que a desconfiança provoca, acabemos concordando também. Mas então não estaremos concordando como autômatos.

Justamente por causa do desejo de nunca aceitar um fato, sem antes desconfiar e analisar, é que prefiro o jornal à televisão. No jornal eu posso interromper a leitura e pensar.

A propósito de unanimidades, agradaram-me as declarações do Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, sobre a eleição do novo presidente americano. Rejubilou-se com entusiasmo o escritor português porque um negro foi eleito presidente dos Estados Unidos. Nesse aplauso enfileirou-se com muita razão na trilha da unanimidade. Fugiu, entretanto, da unanimidade quando não se contentou com esse ângulo da questão. Situou o fato político no contexto: essa eleição impõe um recuo ao racismo, naquele país.

Além disso, à palavra de aplauso emocionado acrescentou Saramago que espera desse presidente, como sua primeira decisão, o desmantelamento da base militar de Guantánamo, campo de concentração dos Estados Unidos dentro do território cubano.

Na perspectiva da história norte-americana, a eleição de um presidente negro é algo revolucionário. Na perspectiva do mundo, o que terá relevo é uma mudança na política exterior americana: nada de invadir países, nada de recusar obediência às decisões da ONU, nada de querer tutelar o Universo.

Se a quebra do racismo trouxer consigo a quebra de outros dogmas de superioridade, não serão apenas os americanos que terão motivo para celebrar. Todos celebraremos.

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