Terceiro tempo

MPF erra na fundamentação de pedido de prisão de Dantas

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26 de agosto de 2008, 21h23

A tentativa do Ministério Público Federal de levar pela terceira vez o banqueiro Daniel Dantas à cadeia tem um furo. No pedido de prisão feito ao Supremo Tribunal Federal, o subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, apontou que a decisão de Gilmar Mendes de soltar o banqueiro foi tomada com base no despacho incompleto do juiz Fausto Martin De Sanctis.

“Vale ressaltar aqui um fato curioso: os advogados, no afã de obterem, rapidamente, a cassação da preventiva, ao fazerem o pedido, juntaram o despacho do juiz singular, que decretou a preventiva, de forma incompleta, ou seja, faltando as quatro últimas folhas”, escreveu o subprocurador.

No início da noite desta terça-feira (26/8), o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, desmentiu a imputação: “Basta ler meu despacho para verificar que cito a decisão até a última página”. Mendes referiu que a própria Justiça Federal lhe havia remetido, por e-mail e em papel, a decisão citada. O decreto da prisão provisória, aliás, foi sonegado à defesa. “Só tive acesso ao documento depois de pedir à Justiça Federal”, lembrou o ministro.

O parecer em que o MPF pede a prisão de Dantas foi anexado na segunda-feira (25/8) ao pedido de Habeas Corpus do banqueiro, cujo mérito será julgado pela 2ª Turma do STF. O relator é o ministro Eros Grau. Gonçalves disse que, na decisão de soltar o banqueiro, houve supressão de instâncias e ofensa à jurisprudência do próprio Supremo. E afirmou que o decreto de prisão do banqueiro não estava completo quando o ministro Gilmar Mendes analisou o caso.

Na tarde desta terça, a procuradora-regional da República Janice Ascari disse à revista Consultor Jurídico que considerava “inadmissível que, num caso como o de Daniel Dantas, com tantos advogados envolvidos, eles deixem de juntar ao pedido as quatro últimas folhas do despacho do juiz que fundamentava a prisão do banqueiro”.

Janice ressaltou, no entanto, que o pedido de Habeas Corpus não exige tantas formalidades e pode ser ajuizado em papel de pão, de cigarro e escrito à mão. Mas, para ela, causa certa estranheza “a defesa pedir a reforma de uma decisão incompleta", o que é temerário e gera certa insegurança jurídica, disse.

A análise dos autos, contudo, mostra que o subprocurador Wagner Gonçalves se precipitou. Na página 856 dos autos do Habeas Corpus do banqueiro Daniel Dantas (HC 95.009), o ministro Gilmar Mendes cita o último parágrafo do decreto de prisão do juiz De Sanctis, o que mostra que tomou ciência do despacho completo do magistrado.

A referência que Mendes faz ao final do decreto de De Sanctis está nesse trecho: "Nesse sentido, observe-se, pontualmente, a menção ao fato de o crime imputado ao paciente ser de natureza grave e a necessidade de que a ordem pública seja mantida, porque [trecho do decreto de prisão]‘… não é possível olvidar que o requerido detém significativo poder econômico e possui contatos com o exterior, ampliando a possibilidade de evasão do território nacional, bem ainda porque poderia ocultar vestígios criminosos que ainda se esperam poder apurar, autorizando, desta feita, a decretação da Prisão Preventiva também para garantir a aplicação da lei penal. Ficou claro que coragem e condições para tumultuar a persecução penal não falta ao representado’".

O advogado do banqueiro, Nélio Machado, afirmou que mandou cópia completa da decisão e de tudo que estava no pedido principal ao Supremo. “O gabinete do ministro recebeu por inteiro a decisão. Se faltasse algum documento, o pedido seria negado”, disse o advogado.

Nélio afirmou, ainda, que existe uma obsessão do Ministério Público em prender Daniel Dantas. Segundo ele, a decisão do ministro Gilmar Mendes é sólida e se baseou no descabimento de uma prisão preventiva. “O MP, surpreendentemente, não se importa com abusos. A impressão que tenho é que querem dar efeito espetaculoso ao caso”, disse o advogado.

De acordo com ele, o Supremo vai prestigiar a autoridade da própria corte e a tradição de que as pessoas têm o direito de se defender em liberdade. “No STF, os ministros têm voto e eu tenho certeza da falta de razão do MPF. Estou tranqüilo quanto a isso.”

O parecer

Para o subprocurador, a 2ª Turma do STF deve referendar a decisão do presidente da corte que garantiu à defesa de Dantas o acesso ao processo que tramita na 6ª Vara Federal de São Paulo, mas deve revogar a liminar que garantiu a liberdade do banqueiro. Para ele, houve supressão de instâncias.

Daniel Dantas e sua irmã, Verônica Dantas, haviam entrado com pedido de Habeas Corpus preventivo contra uma possível prisão e pedido direito de acesso ao inquérito, já que a Folha de S.Paulo publicara, em abril, que eles eram objeto de investigação criminal por parte da Polícia Federal. Os pedidos foram feitos ao TRF da 3ª Região e ao Superior Tribunal de Justiça, que o negaram. O pedido de HC foi, então, para o STF, e teve pedido de liminar julgado por Gilmar Mendes depois da operação Satiagraha, na qual Daniel Dantas foi preso.

Segundo o subprocurador Gonçalves, Gilmar Mendes tinha que ter considerado prejudicado o HC por ter havido fato novo — prisão temporária —, que não foi apreciado pelo TRF da 3ª Região ou pelo STJ. “A não ser assim, o Supremo Tribunal Federal estará julgando HC diretamente contra juiz singular, o que é inconstitucional, porque viola o ordenamento jurídico em termos de competência”, afirma o subprocurador.

O subprocurador sustenta também que a prisão temporária de Dantas foi fundamentada. “Fazia-se necessária a prisão temporária, sob pena de os pacientes interferirem na colheita de provas, comunicando-se entre si, tão logo realizada uma das buscas, escondendo numerários, papéis ou outros elementos de provas”, diz.

Para Gonçalves, o mérito da prisão temporária está prejudicado, mas o da prisão preventiva não, pois houve elementos novos, como a tentativa de suborno de delegados federais. “Assim, da mesma maneira que não podia o presidente, ministro Gilmar Mendes, apreciar diretamente o decreto de prisão temporária, não pode Sua Excelência revogar diretamente a preventiva, sem que, antes, tal revogação seja pleiteada no Tribunal Regional Federal da 3ª Região e no Superior Tribunal de Justiça”, argumenta.

O subprocurador concluiu: “Não se nega que houve espetacularização na prisão dos pacientes, com holofotes, mídia acompanhando, etc., como é público e notório, de todo inconveniente e injustificável. Contudo, tais acontecimentos, por si só, não apagam os indícios e a materialidade dos crimes, principalmente o de corrupção ativa, diante das provas já apuradas”.

Clique aqui pra ler o parecer.

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