Comércio de dívidas

Venda de precatórios enche a pauta do TJ paulista

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24 de agosto de 2008, 0h00

O Tribunal de Justiça de São Paulo anda preocupado com o aumento do número de processos abertos por quem vendeu o precatório que tinha para receber e se arrependeu. Esse nicho do mercado de investimentos, de compra e venda dos títulos judiciais, cresceu graças à omissão do Estado em honrar suas dívidas. Mas começa a dar problemas.

Em comunicado de alerta emitido na quinta-feira (21/8), o TJ paulista recomenda que, antes de assinar a transferência de crédito, a pessoa se informe sobre o valor que tem a receber, em que ordem da fila encontra-se o precatório e saiba a quem está vendendo. “Diante da grande quantidade de ações anulatórias de contrato de cessão de créditos, comunicadas nos processos de execução, o TJ-SP tomou conhecimento de que alguns escritórios de advocacia estão comprando os créditos por um valor bem abaixo do real”, diz o comunicado.

O próprio tribunal esclarece que a cessão do crédito é legal e está prevista no artigo 42, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil. Mas o TJ alerta para a existência de muitos “aproveitadores”, com atuação principalmente no interior, que se dizem servidores e que oferecem seus serviços para agilizar o andamento do precatório mediante o pagamento de “taxas processuais”. Nesses casos, o TJ orienta os credores a procurarem a polícia.

Mercado aquecido

Hoje, o precatório pode ser usado para pagar ICMS. Há cerca de dois anos, o Superior Tribunal de Justiça entende que o contribuinte pode compensar o imposto com precatórios. Com isso, empresas em dívida com o Fisco e credores que já perderam as esperanças de receber do Estado encontraram um modo de fazer um bom negócio. Em média, os títulos são vendidos por 30% de seu valor.

O advogado Nelson Lacerda trabalha há 15 anos com compensação de precatórios. Em recente entrevista à revista Consultor Jurídico, contou que só no estado de São Paulo 80 mil servidores já morreram sem receber seus direitos. Por isso, esse mercado de crédito é muito útil para quem precisa do dinheiro. E está dentro da lei.

Lacerda explicou que a empresa dá o precatório como garantia na fase de execução. “A parte que deve ICMS dá o precatório como garantia do débito, discute se deve o imposto e, no final, ele vai à sub-rogação. É a chamada compensação convexa. A empresa diz ao governo: eu tenho um cheque sem fundo seu e quero quitar esse cheque sem fundo com aquela dívida que eu tenho com você”.

Estado-problema

Durante as sessões de julgamento, muitos desembargadores de Câmaras da Seção de Direito Público debatem o problema. A dívida do Estado com os cidadãos gerou indignação entre os integrantes da 8ª Câmara. “O governo é cara-de-pau”, disse o presidente, desembargador Paulo Dimas Mascaretti, em uma recente sessão. Na perspectiva da 8ª Câmara, a tendência é aumentar o número de ações anulatórias de venda de precatórios.

A Câmara discutiu informalmente a possibilidade de terceiros retirarem certidões que informam a data prevista para o pagamento do precatório. Paulo Travain é contra. Diz que apenas o credor e o seu advogado podem ter esse direito para evitar o comércio mal intencionado.

“Muitas vezes a pessoa está precisando do dinheiro, não sabe que está próxima a data de receber o precatório, e vende por pouco”, explica Travain. O presidente Paulo Dimas Mascaretti é a favor da possibilidade de terceiros terem acesso à certidão, desde que comprovem o interesse.

No mesmo comunicado, o Tribunal de Justiça paulista informa que existem representações no Tribunal de Ética da OAB-SP contra advogados que teriam agido com má-fé para conseguir a transferência de créditos para os seus nomes.

O presidente do Tribunal de Ética, Fábio Canton Filho, confirmou a existência de representações contra advogados que tratam desse assunto. Não quis comentar o andamento, porque “os procedimentos disciplinares são cobertos por sigilo”. No entanto, disse que o advogado pode ser punido com advertência ou até expulsão dos quadros da Ordem se ficar comprovado que ludibriou o cliente, deixando de informar a quantia, a expectativa de prazo de pagamento ou se receber o valor e não repassá-lo.

O julgamento no Tribunal de Ética é colegiado. Apresentada a representação, o advogado faz a defesa prévia, em juízo de admissibilidade. Analisada a viabilidade, em tese, instaura-se o processo disciplinar. Passada a fase de instrução, com direito a ampla defesa e contraditório, é feito o julgamento.

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