Combate ao excesso

Gilmar Mendes defende vara especial para julgar abusos

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4 de agosto de 2008, 18h06

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, propôs nesta segunda-feira (4/8) a criação de varas de corregedoria para tratar dos casos de abusos e desvios cometidos no exercício da profissão por policiais e delegados federais.

A idéia é criar no âmbito da Justiça Federal figura semelhante à que já existe na Justiça Estadual, do juiz-corregedor da Polícia Judiciária. Excessos nas operações ou no uso de algemas, reclamações de abuso de autoridade em geral, seriam questões analisadas pelo juiz-corregedor.

A idéia foi lançada em debate promovido pelo jornal O Estado de S.Paulo. Também participaram do debate O Brasil e o Estado de Direito o ministro da Justiça, Tarso Genro, o presidente da OAB, Cezar Britto, e o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Na última sexta-feira (1/8), o advogado Alberto Zacharias Toron havia conversado com o ministro sobre a idéia — clique aqui para ler a notícia.

No debate, Gilmar Mendes disse que o Supremo Tribunal Federal concede, em média, 30% dos Habeas Corpus que são submetidos ao seu crivo. Em algumas sessões, até metade dos pedidos é acolhida. A maior parte é de pedidos de liberdade ou para trancar ações penais indevidas.

Para o presidente do STF, isso significa que, ou o Supremo é muito liberal, ou há abusos cometidos por juízes e membros do Ministério Público nas instâncias inferiores que são remediados pela Suprema Corte. A segunda alternativa é assinalada não só pelo ministro, mas pela maioria dos advogados e defensores públicos que atuam no tribunal.

“Há denúncias aventureiras. Peças que poderiam perfeitamente fazer parte do Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País) jurídico”, afirmou o ministro. Gilmar Mendes citou um caso da investigação da Anaconda como exemplo do que entende como denúncia inepta. “Um juiz foi denunciado ter conta no Afeganistão”, disse. O ministro se referiu ao episódio envolvendo o juiz Casem Mazloum.

Em um erro costumeiro, o juiz clicou o país “Afeganistão” (que fica próximo a Brasil, na declaração eletrônica) para informar que possuía cerca de US$ 9 mil. Na lista de bens que todo servidor público deve apresentar anualmente, contudo, o juiz informara que os tais dólares encontravam-se com ele. O equívoco foi apresentado pelo MPF como falsificação, mas o STF mandou trancar a ação.

“Não quero propor qualquer ação contra procuradores que agem dessa forma. Só quero que voltem à escola para estudar Direito”, disse Gilmar Mendes, arrancando gargalhadas do auditório lotado de advogados, juízes e jornalistas.

A revisão da Lei de Abuso de Autoridade também foi defendida, assim como uma nova regulamentação para as escutas telefônicas. O ministro apontou um dado para mostrar que há abuso nos grampos. “A quantidade de horas gravadas é tanta, que não se cumpre a lei porque não se consegue transcrever todas as escutas”, disse. A exceção virou a regra.

Soberania da Lei

Gilmar Mendes reforçou seu já conhecido discurso de que no Estado de Direito não há soberanos. “Todos devem se submeter à lei e é preciso combater a idéia de que quem assume a defesa dos direitos fundamentais defende a corrupção.” O ministro defendeu que o combate à criminalidade tem de ser feito dentro dos marcos legais: “Direitos fundamentais são inalienáveis e não estão à disposição”.

Citando um jurista alemão, o presidente do Supremo disse que o cidadão sabe que vive em um Estado Democrático de Direito quando quem bate à sua porta às seis horas da manhã é o leiteiro, não a Polícia. “E hoje andamos um pouco confusos em relação a isso”.

De acordo com o ministro, o processo penal é o sismógrafo da Constituição. E no ano em que se comemora 20 anos de estabilidade institucional sob a Constituição de 1988, é preciso repensar o Estado que se quer formar.

“Não há, na historio mundial, qualquer exemplo de país que tenha sólidas regras democráticas quando a polícia assume o poder”, disse. O ministro criticou, mais uma vez, o espetáculo nas operações da Polícia Federal e disse que juízes, não só de primeira instância, sofrem pressão para decretar prisões desnecessárias e garantir imagens de acusados algemados para a imprensa.

“Depois de uma prisão abusiva não há sequer pedido de desculpa.” Sem citar o caso, Gilmar Mendes afirmou que é triste ver que a decisão do Superior Tribunal de Justiça que garantiu ao banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado recentemente, o direito de não ser algemado ao chegar ao Brasil gerou frustração em diversos setores da sociedade. “Parecia até que não houve a prisão.”

O ministro rebateu mais uma vez as críticas de que o Supremo dá Habeas Corpus para ricos ao lembrar que a decisão que garantiu a progressão de regime para um condenado por crime hediondo — e derrubou a proibição da progressão — foi tomada em um pedido feito pelo próprio preso.

Gilmar Mendes ressaltou que tem mantido “um diálogo franco e constante” com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e concordou em participar de uma comissão proposta durante o encontro para discutir freios para os abusos cometidos por membros do Estado.

O debate será exibido pela TV Justiça à meia-noite e às 10h de terça-feira (5/8).

Confira a participação do ministro da Justiça, Tarso Genro, no debate.

Confira a participação do presidente da OAB, Cezar Britto, no debate.

Confira a participação do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, no debate.

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