Cidade Limpa

Leia o voto que declarou constitucional Lei Cidade Limpa

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2 de agosto de 2008, 16h42

Compete à União, estados e municípios, de modo concorrente, combater a poluição, inclusive, a visual. O entendimento é do desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator do Incidente de Inconstitucionalidade que questionava a Lei Cidade Limpa. Na quarta-feira (30/7), por unanimidade, o Órgão Especial acompanhou o voto do desembargador.

“Não há falar em usurpação de competência legislativa exclusiva da União, tanto mais que o artigo 23, inciso VI, da Carta Política atribui à União, estados e municípios competência concorrente para combater a poluição em qualquer de suas formas, inclusa a visual”, escreve Sartori.

Segundo o desembargador, não há elementos na lei que demonstrem ser desproporcional e sem razoabilidade. Sartori reconhece que a Lei Municipal 14.223, em vigor desde 1 de janeiro de 2007, é severa. Mas não acredita que esteja impedindo a atividade de propaganda na cidade.

“Cuida-se de avaliar possível desequilíbrio na valoração dos interesses privado e público”, destaca Sartori. Ele lembrou, ainda, que o direito de propriedade está sujeito a certas limitações referentes ao interesse público.

Com a decisão, a chance de a Justiça considerar favoráveis as mais de cem ações contra a legislação, alegando inconstitucionalidade, passou a ser remota. As Câmaras do TJ paulista não poderão declarar a inconstitucionalidade da lei.

A prefeitura tinha perdido uma ação na Vara da Fazenda Pública. Ao julgar o recurso do município, a 3ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista a considerou inconstitucional e enviou o Incidente de Inconstitucionalidade para que o Órgão Especial analisasse a questão.

A Lei Cidade Limpa pode ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2007, o STF chegou a se manifestar sobre o assunto. O ministro Gilmar Mendes suspendeu uma liminar contra a lei.

Leia a decisão

VOTO DO RELATOR

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Ausência de prejudicialidade em função do julgamento precedente, pelo Órgão Especial, de ADIn versando a mesma lei – Preliminar afastada. Arts. 9º, inciso III, X e XII; 17; 18; 21 e 44, parágrafo único, da Lei Municipal 14.223, de 26 de setembro de 2006, que regula “a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo” – Vício inexistente – Direitos à propriedade, ao exercício de atividade e à iniciativa privada preservados – Maltrato a direito adquirido e a ato jurídico perfeito descaracterizado – Limitações impostas ao particular que dizem com o interesse público – Competência legislativa do Município ocorrente – Inteligência dos arts. 23, VI; 30, I e VIII; e 182 da Carta Política – Precedentes do STF – Improcedência, rejeitada a preliminar.

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade envolvendo os arts. 9º, III, X e XII; 17; 18; 21 e 44, parágrafo único, da Lei 14.223/06, de 26 de setembro de 2006, do Município de São Paulo (Lei da Cidade Limpa), suscitado pela Eg. 3ª Câmara de Direito Público na pendência de apelo em ação de rito ordinário.

A Procuradoria Geral de Justiça é pela improcedência (fls. 701/13).

Houve sustentações orais, quando o procurador do Município argüiu prejudicialidade a refletir neste incidente, diante do julgamento, por este Órgão Especial, de ação direta de inconstitucionalidade alusiva à mesma lei versada nestes autos.

É o relatório.

Em função da prejudicial levantada na sustentação oral da Municipalidade, de ponderar-se que o julgamento precedente da ADIN 146.794-0/8, por este Colegiado, não tem o condão refletir neste incidente, que, em verdade, decorre do art. 97 da Carta da República, a propiciar o exame da inconstitucionalidade pelo método difuso e em face do Diploma Supremo, impondo reserva de plenário.

Já ações como a ADIN referida levam ao exame da inconstitucionalidade pelo método concentrado ou direto e, nesta Corte, em concerto com a Carta Bandeirante, exclusivamente.

Além disso, aquela ação foi julgada improcedente, dela não emanando, portanto, qualquer efeito positivo extra autos, mormente se sopesado inexistir ação direta de constitucionalidade no âmbito dos Tribunais de Justiça, mas só do Supremo Tribunal Federal.

Como se não bastasse, não há coincidência plena dos dispositivos legais objetivados, se cotejados um e outro feito.

Fica, então, rejeitada a preliminar.

Não se vislumbra, realmente, disparate constitucional a decorrer dos dispositivos legais em tela e mesmo do próprio diploma de que aqueles fazem parte, a ponto de concluir-se pela ausência de proporcionalidade e de razoabilidade.

Assim é que não impressiona o argumento de que seria exacerbada a restrição ou de que teria havido até vedação à modalidade publicitária por parte dessa normatização, considerados os alvos excluídos.

Em verdade, cuida-se de avaliar possível desequilíbrio na valoração dos interesses privado e público.

E, embora severa a lei hostilizada, dela não se extrai proibição da atividade que está a reger, tanto que o inciso VIII de seu art. 6º prevê a implantação direta ou indireta do mobiliário urbano, enquanto o art. 22 oferece diversas outras opções de espaços publicitários, resultando que o legislador não foi tão inflexível como se apregoa.

Vão pela mesma senda, por seu turno, questões relativas à fiscalização no lugar da proibição e ao desenvolvimento sustentável, as quais deságuam até em assunto de ordem eminentemente administrativa ou, mais especificamente, na seara da opção administrativa.

Não colhe, ademais, a ponderação de que proprietários de imóveis particulares se vêem restringidos em seu direito pleno à propriedade, sem o devido processo legal ou justa indenização (art. 5º, XXII e XXIV e LIV, da CF), sabido que é estar esse direito sujeito a limitações inerentes ao interesse público, aí inclusas as posturas municipais.

No entendimento do Supremo Tribunal Federal, essas restrições são ônus do proprietário de imóvel urbano, como assentado em julgado afeto a caso análogo:

“(…) ÔNUS DO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL URBANO. Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no artigo 182 da Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade [art. 170, III da CB]. 4. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido.” (RE 387.047/SC, Pleno, Min. Eros Grau, DJ 02.05.08; Ement. Vol. 02317-04, pp. 00799).

Por conseguinte, agiu e age o Município em consonância com os arts. 30, incisos I e VIII, e 182 da Constituição Federal, não se cogitando, pois, de ofensa à iniciativa privada (art. 1º, IV, e 170 da CF) ou ao direito de propriedade, máxime porque, por força de regra básica de hermenêutica, lei nenhuma, inclusive a Suprema, pode ser interpretada de modo a concluir-se pela colidência de suas disposições, mas sim pela harmonia e consonância entre elas.

E, na espécie, reforça a concreção dessa harmonia o disposto no parágrafo único e no inciso VI do art. 170 da Lei Maior, os quais ressalvam o meio ambiente e disposição legal.

Por isso mesmo que não há falar em usurpação de competência legislativa exclusiva da União, tanto mais que o art. 23, inciso VI, da Carta Política atribui à União, Estados e Municípios competência concorrente para combater a poluição em qualquer de suas formas, inclusa a visual.

Como corolário de tudo, não vinga, ainda, a tese de que feridos direito adquirido e ato jurídico perfeito, quando o interesse público autoriza a alteração de situação privada delineada, sobejando ao prejudicado perseguir indenização pelas vias próprias, mesmo porque não se pode conceber, no direito pátrio, que o interesse particular seja privilegiado em detrimento do público.

Nesse sentir, a lição de Hely Lopes Meirelles:

“Quid juris se um ato operante e irrevogável torna-se inconveniente ao interesse público? A nosso ver, a situação só poderá ser solucionada pela supressão do ato mediante indenização completa dos prejuízos suportados pelo seu beneficiário. Isto porque, se, de um lado, não pode o particular manter situações prejudiciais ao interesse público, de outro, não é lícito ao Poder Público suprimir direitos e vantagens individuais, adquiridos legitimamente pelo particular.” (Direito Administrativo Brasileiro, 30ª. Ed, Malheiros Editores, 02-2005, p. 201).

Oportuno lembrar, passo outro, que, acerca do tema, já há pronunciamento, ainda que provisório, do Pretório Excelso pela regularidade da lei em questão (Suspensão de Liminar [SL] 161-2, Min. Gilmar Mendes – fls. 565/6).

Aliás, também este Colegiado já se pronunciou por sua constitucionalidade, em face da ação direta de inconstitucionalidade suso mencionada, em que analisada, inclusive, inconstitucionalidade reflexa à luz do art. 144 da Carta Bandeirante (ADIN 146.794-0/8, relator o signatário).

Destarte, afasta-se a matéria prejudicial e julga-se improcedente o incidente.

IVAN SARTORI

Desembargador Relator

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