Holofotes federais

Prisão de advogado reacende críticas a ação-espetáculo

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25 de abril de 2008, 19h38

Na ditadura, as forças policiais torturavam, mas tinham vergonha de admitir. Hoje, a tortura é feita às claras, com a cumplicidade dos holofotes da mídia. É o que afirma o advogado Márcio Kayatt, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, ao comentar a prisão do colega Ricardo Tosto. “Está se torturando o cidadão sob o manto da legalidade. É mais grave do que na ditadura, porque na ditadura as torturas eram feitas às escondidas. Hoje, se convoca a imprensa para torturar o cidadão, com a suposta legalidade da ordem judicial a amparar esse ato abominável”, afirmou Kayatt ao Consultor Jurídico.

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Advogados de São Paulo divulgaram notas nesta sexta-feira (25/4) nas quais criticam duramente a expedição de mandados de prisão sem critério e os excessos cometidos pela Polícia no cumprimento das ordens. As notas foram divulgadas depois da prisão do advogado Ricardo Tosto pela Polícia Federal. Tosto foi preso na quinta-feira em operação que investiga desvio de verbas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e um suposto esquema de exploração de prostituição.

A OAB paulista repudiou a expedição de ordens judiciais “que atentam contra primados constitucionais, revestindo-se de ilegalidade”. E atirou contra a banalização das prisões temporárias, “as quais não atendam a imprescindibilidade para produção de prova, contrariando o que determina a lei”. De acordo com a Ordem, também é inadmissível “a busca e apreensão em escritórios de advocacia com o fim de se buscar nos arquivos, documentos de clientes”.

Na mesma linha, a Aasp criticou a decretação de “prisões temporárias desnecessárias para efeito de pressão e intimidação”. De acordo com a nota da associação, “é inconcebível que as autoridades policiais se façam acompanhar de membros da imprensa durante a execução de tais medidas (que, por sua natureza, deveriam ser totalmente sigilosas)”.

Alberto Zacharias Toron, presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB, afirmou que a advocacia tem de enfrentar o método de trabalho intimidador da Polícia Federal: “Há um método de trabalho da Polícia, que o Judiciário chancela e estimula, que é o de deflagrar as operações sempre com prisões que não atendem os pressupostos cautelares, mas que servem pra degradar, para colocar a pessoa aquém do rodapé na dignidade humana”.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, visitou o advogado Ricardo Tosto na carceragem da Polícia Federal nesta sexta-feira. Segundo D’Urso, a visita teve caráter oficial no sentido de que fossem observadas as prerrogativas profissionais do advogado. “Estes são direitos que o advogado Ricardo Tosto detém, a exemplo dos demais 600 mil advogados do país. Também registrei o repúdio pela utilização excessiva de algemas no cumprimento do mandado de prisão temporária, cuja necessidade também questiono”, afirmou.

De acordo com o presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, Sergei Cobra Arbex, existe uma recomendação da Superintendência da Polícia Federal para que a viatura entre no local onde será efetuada a prisão, para que o acusado não sofra exposição. Nesse caso, o delegado responsável não cumpriu a ordem. “Essa já é uma ilegalidade”, defende Arbex.

“Ricardo Tosto sofreu execração pública. O advogado é essencial para a administração da Justiça e manutenção do Estado Democrático de Direito. Qual a imagem que a população terá de alguém que é visto algemado na televisão e estampada na capa de jornais? A Polícia não poderia algemar ele, nem qualquer outra pessoa naquela situação.”

Leia a nota da OAB-SP e, em seguida, da Aasp

NOTA OFICIAL

A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo vem a público REPUDIAR VEEMENTEMENTE os excessos cometidos durante a operação realizada pela Polícia Federal, na última quinta-feira (24/4), no cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão em escritório de advocacia, bem com no cumprimento de mandado de prisão temporária contra ADVOGADO, titular desse escritório.

Repudia a própria expedição dessas ordens, que embora judiciais, atentam contra primados constitucionais, revestindo-se de ilegalidades. Não se admite a banalização de prisões temporárias, às quais não estejam ligadas à imprescindibilidade para produção de prova, porque contrariam o quê determina a lei. Não se admite a busca e apreensão em escritórios de advocacia com o fim de se buscar nos arquivos documentos de clientes, ferindo a inviolabilidade desses escritórios e seus arquivos, prevista em lei.

Repudia o desnecessário e abusivo uso de algemas em prisões, quando não ocorre resistência. A utilização desses instrumentos de contenção só se justifica quando há necessidade de se conter o preso face à eventual resistência oferecida para cumprimento da ordem judicial. Em não havendo resistência, a utilização de algemas é abusiva, viola a dignidade humana, humilha, estigmatiza e se presta exclusivamente para emoldurar o fato que perpetua a imagem largamente divulgada, a provocar um verdadeiro linchamento moral daquele que deve ser tratado como inocente, face ao que determina nossa LEI MAIOR, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Repudia a dificuldade de acesso aos autos de inquéritos ou de processos pelos advogados que legalmente têm assegurado o direito de examiná-los, processos estes que surpreendentemente, são expostos pela mídia mesmo quando é decretado o segredo de justiça. Nesses casos têm-se o SEGREDO DE JUSTIÇA destinado somente à defesa, uma vez que ao grande público tudo é dado conhecer, desvirtuando essa medida legal.

Esses repúdios não se limitam à manifestação OFICIAL DA ORDEM, mas ensejam iniciativas e providências que visem apurar responsabilidades pelos abusos de quem quer que seja.

Até quando, na plenitude da DEMOCRACIA assistiremos práticas odiosas revestidas de ilegalidade que mutilam o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?

É preciso dar um basta em tudo isso, especialmente quando violam prerrogativas da defesa, porque violam o cidadão.

Basta de prisões desnecessárias, basta de invasões de escritórios de advocacia, basta da utilização generalizada de algemas, basta de violações das prerrogativas profissionais dos advogados.

A OAB SP defende que fatos supostamente criminosos sejam investigados com serenidade, sem escândalos, sem pré-julgamentos, sem cobertura pirotécnica da mídia e dentro do balizamento legal e constitucional.

A prisão é exceção, pois a liberdade é a regra, à luz do princípio constitucional da presunção de inocência; a utilização de algemas é exceção, pois só deve ser empregada quando houver necessidade; a busca e apreensão em escritórios de advocacia não é admitida, nem a apreensão de documentos de clientes que estão em seus arquivos, os quais são invioláveis; salvo nos casos excepcionais em que o alvo da investigação seja o próprio advogado; não se admite também a interceptação telefônica entre advogado e cliente, por ser ilegal.

Ou estamos no ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, a se evitar tudo isso, ou estamos num estado POLICIAL. Ou estamos numa DEMOCRACIA e vemos respeitada a CONSTITUIÇÃO FEDERAL e a própria LEI ou estamos numa anarquia própria DE REGIME DE EXCEÇÃO.

Por fim, a OAB SP reitera sua crença na justiça a propiciar punição a culpados, observando a legislação pátria e o cuidado que se deve ter com o cidadão, a preservar alguém que, mesmo acusado, seja apurado, no futuro, tratar-se de inocente. Para tanto, tomaremos todas as providências para a garantir o império da LEI no Brasil.

São Paulo 25 de abril de 2008

Luiz Flávio Borges D’Urso

Leia a nota da Aasp

A Constituição Federal garante a todos o direito de não ser considerados culpados até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Trata-se de preceito decorrente do senso comum de justiça que impera em um Estado Democrático de Direito.

Não obstante, tornou-se freqüente a exposição pública de cidadãos investigados pela Polícia, sem as cautelas que a Lei Maior lhes reserva.

Tal fato tem origem, indiscutivelmente, na utilização desvirtuada dos instrumentos de investigação atualmente à disposição das autoridades.

A Associação dos Advogados de São Paulo já denunciou o uso reiterado da interceptação telefônica de forma pouco criteriosa e ao arrepio das condições e exigências da lei.

No entanto, ainda mais preocupante tem sido a decretação sistemática, e com ampla cobertura da mídia, de prisões temporárias desnecessárias para efeito de pressão e intimidação também porque, muitas vezes, tais prisões são alicerçadas nessas escutas ilegais.

Com efeito, esta modalidade de prisão cautelar, prevista para possibilitar as investigações é medida totalmente excepcional, que deve ser decretada apenas quando imprescindível (e não para facilitar a obtenção de confissões ou para desmoralizar o investigado).

É inconcebível, ainda, que as autoridades policiais se façam acompanhar de membros da imprensa durante a execução de tais medidas (que, por sua natureza, deveriam ser totalmente sigilosas).

A utilização de algemas em indivíduos de nenhuma periculosidade, investigados por crimes que não envolvem violência ou grave ameaça, e que se dispõem a colaborar com as autoridades, não oferecendo qualquer resistência, é outra aberração que causa espécie ao observador isento e consciente.

O resultado disso, como não poderia deixar de ser, é a injustificável humilhação pública seguida da condenação antecipada do investigado pela sociedade, como se o processo fosse simples ato burocrático, mera formalidade, o que não apenas contraria o preceito constitucional acima referido, como demonstra, cabalmente, o despreparo de alguns policiais (que requerem e cumprem tais medidas) e Magistrados (que as autorizam) para lidar com questões de extrema seriedade e que afetam não apenas as vítimas dessas arbitrariedades, mas toda a sociedade.

Em razão disso, a Associação dos Advogados de São Paulo, em nome de seus mais de 83 mil associados, vem a público pleitear às autoridades mencionadas respeito à lei, à Constituição Federal e, acima de tudo, bom senso.

Associação dos Advogados de São Paulo — AASP

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