Falha na base

Solução para crime juvenil não está na mudança da pena

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5 de abril de 2008, 0h00

O tema a redução do limite da maioridade penal há muito vem dividindo os diversos segmentos da sociedade civil, aí incluídos os próprios Poderes da República e as igrejas. Cabe, inicialmente, destacar que a questão da maioridade remete ao exame das causas de inimputabilidade penal. O Código Penal estabelece no artigo 27 uma presunção absoluta de que o agente menor de 18 anos é mentalmente imaturo e, conseqüentemente, incapaz de culpabilidade.

Tal presunção obedece a critério puramente biológico, nele não interferindo o maior ou menor grau de discernimento. Portanto, o jovem com idade inferior a 18 anos, seja casado ou emancipado, ou mesmo que se trate de um superdotado, se praticar um fato típico e ilícito, jamais poderá ser responsabilizado na esfera penal. Conforme estabelece o Código Penal, o menor ficará sujeito às normas dispostas em legislação especial, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.068/1990).

Para além do Código Penal, a Constituição Federal dispõe: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial” (artigo 228). Ainda, o direito à proteção especial de criança e adolescente obedece, segundo o artigo 227, § 3º, inciso V, aos princípios de brevidade, excepcionalidade, quando da aplicação de medida privativa da liberdade.

O Brasil, por outro lado, assumiu compromisso de tratar a questão do menor delinqüente de forma diferentemente de como se cuida a do adulto, condizente com sua idade e condição jurídica, perante o Pacto de San José de Costa Rica, do qual foi signatário. Além disso, o Brasil comprometeu-se a cumprir parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos em relação aos adolescentes.

Destaque-se, a título de exemplo a convenção sobre Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, que prevê a excepcionalidade e a brevidade das medidas privativas de liberdade aplicáveis a adolescentes, bem como a exigência de tratamento digno, pautado pela reintegração e desempenho construtivo na sociedade, quando da prática de ato infracional.

A matéria é reconhecidamente polêmica, suscitando um debate apaixonado. Dentre os questionamentos predomina a concepção constituída por setores mais conservadores da sociedade brasileira, que busca o endurecimento das leis penais, como uma panacéia para se combater a questão da violência, que hoje assume as manchetes de jornais ou os espaços de rádio e televisão. A partir da década de 70 começou a ganhar espaço em nossa sociedade uma corrente político-criminal denominada “Movimento da Lei e da Ordem”, que sustenta que os altos índices de violência e de criminalidade somente poderão ser diminuídos com a aplicação de sanções severas, tais como a pena de morte e prisão perpétua.

Assim, esses arautos do conservadorismo, que sempre se omitiram na educação dos nossos jovens (e que, por isso, são jogados à violência e à corrupção das ruas, e ainda sem maiores perspectivas, são lançados ao caminho das drogas e do tráfico), clamam pelo rigor no endurecimento do tratamento desses adolescentes abandonados, postulando pela redução do limite da responsabilidade penal, submetendo-os à pena privativa de liberdade.

Tem-se como realidade no Brasil, que os delitos cometidos possuem algumas raízes estruturais: a pobreza, a fome, o desajuste familiar, a distribuição e o consumo indiscriminado de drogas. A exclusão social é outra causa do problema. Uma juventude sem trabalho, sem esperança e futuro é presa fácil do crime organizado. Logo, a solução não pode ser simplista a ponto de considerar o cárcere, o aumento de penas ou ainda a redução do limite da maioridade penal, o caminho para se conter a delinqüência juvenil.

O tema merece uma sensata reflexão por todos nós. De que vale diminuir-se a idade para fins de responsabilidade penal, se o tratamento destinado aos menores será o mesmo a que se submete o condenado à pena privativa de liberdade, recolhido num sistema prisional seletivo e falido, no qual não se dispõe à ressocialização ou à recuperação, conforme preconiza a mens legis do Código Penal? Ao contrário, por imperar a violência e a corrupção, a prisão que é considerada uma escola de marginalidade, deseduca e estigmatiza o condenado, retirando-o do convívio da sociedade para transformá-lo num candidato prelecionado ao sistema penal.

Ademais, a redução do limite da imputabilidade penal afigura-se como uma matéria inconstitucional. O artigo 228 da Constituição Federal que dispõe sobre a idade mínima de responsabilidade penal é na verdade um direito individual e, como tal, não pode ser modificado ou abolido, ex-vi do artigo 60 § 4º, IV da Magna Carta. Segundo Ives Gandra Martins: “Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são eles apenas os que estão no artigo 5º, mas como determina o parágrafo 2º do mesmo artigo incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e outros que decorrem de implicitude inequívoca”.

Por outro lado, também, tem-se que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os tratados internacionais de que o Brasil tenha pactuado. Como já exposto, repita-se, o Brasil firmou e ratificou tratado internacional, no sentido de dar um tratamento diferenciado ao menor infrator, estando a matéria inserida no âmbito constitucional. Nesse sentido, verifica-se o tema tratado na Convenção Americana de Direitos Humanos (o Pacto de São José) e também nas convenções sobre os Direitos da Criança e do Adolescente de âmbito regional e internacional.

Destarte, qualquer proposta de emenda constitucional encaminhada ao Congresso Nacional com o propósito de diminuição da idade da responsabilidade criminal de 18 para 16 anos além de violar cláusula pétrea (maioridade penal) e afrontar parâmetros internacionais de proteção aos direitos humanos que o Brasil se comprometeu a cumprir, na prática, só pode ser sustentada caso se admita a revogação da Constituição Federal, por uma nova Assembléia Constituinte.

Ademais, a questão do menor foi regulada no Estatuto da Criança do Adolescente, o ECA, encontrando-se ali delineadas as situações pertinentes, inclusive no que concerne às medidas sócio-educativas. Entretanto, as normas constantes do Estatuto sequer chegaram a ser implementadas pelo governo federal, estadual ou municipal, como o atendimento médico e psicológico a criança e adolescentes envolvidos em atos infracionais, ocorrendo reiteradas violações à legislação que ampara o menor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente representa uma legislação moderna, apresentando uma estrutura bem delineada no que se refere às medidas sócio-educativas a serem aplicadas aos adolescentes. Assim, para as infrações de menor gravidades estão previstas medidas simples, como advertência (artigo 112, I) e encaminhamento aos pais (artigo 101, I, artigo 112, VII), enquanto para infrações cometida com violência ou grave ameaça, bem como para hipóteses de reiteração de infrações graves, são previstas medidas que restringem à liberdade do adolescente (artigos 121 e 122, I, II), mantendo-o internado até 18 anos, ou quando completar 21 anos de idade.

Na atual conjectura, o que se verifica é a total omissão do Estado e de sua atuação, de se colocar em prática a lei existente, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não se pode admitir que se critique uma lei, ou mesmo que se pretenda alterá-la, exclusivamente na parte punitiva, quando ela sequer se encontra aplicada por parte dos dirigentes e responsáveis pela sua aplicação.

A solução para a delinqüência juvenil não se reduz à modificação de leis penais. É preciso enfrentar o problema, combatendo as causas profundas sobre o tema, não se procurando apontar apenas os efeitos. A má distribuição de renda e a impunidade aumentam na proporção inversa à atenção aos menores desfavorecidos. É necessário investir na base, caso contrário: os filhos dos ricos ficarão mais tempo na escola e os filhos dos pobres irão mais cedo para a cadeia. A solução mágica não está na redução da idade da responsabilidade penal, mas sim na redistribuição de investimentos para formar o jovem decentemente.

É preciso que haja vontade política em se concretizar as conquistas sociais instituídas na Constituição Federal, como educação, saúde e trabalho para os jovens, promovendo-se ainda os investimentos impostos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

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