Eterna vigilância

Entrevista: Cesar Asfor Rocha, corregedor nacional de Justiça

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30 de setembro de 2007, 0h00

Asfor Rocha (2) - por Spacca (www.funforbusiness.com.br)Spacca" data-GUID="asfor_rocha.png">Quando tomou posse no Conselho Nacional de Justiça, em junho deste ano, o ministro Cesar Asfor Rocha anunciou, em discurso contundente, que sua meta seria punir a corrupção no Judiciário. Hoje, ele afirma que o importante não é exatamente punir, mas mostrar que existe constante vigilância e apuração do Conselho em processos e julgamentos absolutamente isentos, e que a punição é só uma conseqüência diante de provas concretas. Segundo o corregedor nacional de Justiça, é a atitude de constante vigilância e a disposição firme de apurar todas as denúncias que contribuem para recuperar o prestígio do Judiciário.

“O importante é que o processo seja iniciado e seja concluído, com lisura, sem proteção indevida ao acusado. Nós não temos necessariamente que cobrar uma condenação. Nós temos que cobrar que haja a apuração e que haja um julgamento”, afirma o ministro em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Depois de 100 dias à frente da Corregedoria Nacional de Justiça, o ministro se mostra convencido de que o papel disciplinar do CNJ é importante – principalmente em casos graves e que envolvam mais de um juiz subordinado a tribunais diferentes. Mas ressalta que a missão de planejar estrategicamente o Judiciário é muito maior. “Hoje, a questão disciplinar é bem menor do que este papel a que o CNJ se destina, de estabelecer gestão apropriada para o Judiciário. Sem isso, nós vamos continuar sendo deficientes na prestação jurisdicional”, afirma.

Ministro do Superior Tribunal de Justiça há 15 anos, Cesar Asfor Rocha está afastado das funções nesta Corte até cumprir sua missão no CNJ, que se encerra em junho de 2009. Só comparece quinzenalmente ao STJ para integrar as reuniões da Corte Especial, que reúne os ministros mais antigos do Tribunal.

No Conselho, em gabinete montado com grande parte de sua equipe no STJ, o ministro chega pela manhã e, normalmente, encerra o expediente já tarde da noite. Recebe juízes e advogados em audiências diárias e, eventualmente, viaja em nome do Conselho substituindo a presidente, ministra Ellen Gracie.

Quatro juízes auxiliares colaboram com ele em suas funções e prioridade: conhecer a realidade dos tribunais e dos juízes do país. Depois de mapear o Judiciário – ele que saber o número de juízes, quantos moram na comarca em que atuam, quantos processos administrativos tem em cada corregedoria – Asfor Rocha vai debruçar-se sobre os dados, identificar os gargalos e traçar as políticas de gestão. A pesquisa está em andamento.

Leia a entrevista

ConJur — A presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie admitiu no início deste ano, que o Conselho se desvirtuou da sua missão maior, de planejamento do Judiciário, e se perdeu em questões menores. O senhor concorda? Existe um movimento no Conselho para reverter este quadro?

Cesar Asfor Rocha — A composição atual do CNJ está muito bem constituída e um pouco menos ocupada com a implantação do próprio Conselho. Está com uma postura mais propositiva. Na verdade é preciso ter consciência de que o principal papel do CNJ é estabelecer estratégias para o Judiciário. Ele não pode ficar nas correções de questões menores. É preciso idealizar condutas e procedimentos que possam melhorar a prestação jurisdicional. Hoje, a questão disciplinar é bem menor do que este papel a que o CNJ se destina, de estabelecer gestão apropriada para o Judiciário. Sem isso, nós vamos continuar sendo deficientes na prestação jurisdicional.

ConJur — E o CNJ já avançou na gestão do Poder Judiciário?

Cesar Asfor Rocha — Ele tem avançado e feito um trabalho que ainda não está aparecendo muito. Primeiro é um trabalho de coleta de dados, porque nós só podemos estabelecer estratégias e um planejamento para o Judiciário, depois que coletarmos dados sobre o Judiciário. Saberemos precisamente quantos juízes nós temos, quantos residem em suas comarcas, quantos tem uma outra ocupação, como o magistério, por exemplo, que é permitido constitucionalmente. Precisamos saber dos processos disciplinares e penais que existem contra magistrados. Estamos coletando esses dados para, a partir daí, estabelecer um planejamento estratégico mais eficiente. O CNJ também tem implementado a informatização em todos os tribunais brasileiros. Até mesmo naqueles tribunais que são renitentes em aceitar esse tipo de colaboração. Hoje temos muitos estados brasileiros já bem informatizados, graças à atuação do CNJ, que tem cedido equipamentos e treinamentos com propósito de dar mais celeridade à tramitação dos processos.

ConJur — Mas a sociedade também espera o amplo desenvolvimento da função correcional do CNJ e a exemplar punição de desvios de conduta na magistratura, não é verdade?


Cesar Asfor Rocha — Muitas representações aqui no Conselho nada mais são do que o inconformismo com os julgamentos. As pessoas não se conformam por ter perdido uma ação e recorrem ao Conselho mais como um desabafo do seu inconformismo. E o CNJ não pode se transformar em um muro de lamentações para receber essas queixas. Outros reclamos decorrem de demora na apreciação jurisdicional. E a demora muitas vezes não decorre, quase na totalidade das vezes, da leniência do magistrado, e sim do volume muito grande de processos que cada juiz recebe. Todos nós sabemos hoje que a demanda pelo Judiciário é alucinante e cada vez mais crescente. Há também aqueles que importam em desvios gravíssimos de conduta. Realmente há.

ConJur — O que seria um desvio gravíssimo de conduta?

Cesar Asfor Rocha — A venda de sentenças é o mais grave de todos os desvios de conduta que um magistrado possa ter. E a esses processos de maior gravidade, que tem tramitação no campo administrativo, a corregedoria tem voltado as suas principais atenções.

ConJur — Seu antecessor, o ministro Pádua Ribeiro conduziu a Corregedoria preocupado em fortalecer as corregedorias originais do país atuando apenas nos casos onde as corregedorias eram ineficientes ou inexistentes. O senhor pretende manter esta linha?

Cesar Asfor Rocha — Os casos que estão sendo apurados com presteza e que envolvem desvios individualizados de conduta vou deixar que sejam apurados onde estão, nas corregedorias originais. Se o processo tem uma relevância muito maior ou se envolve em um só procedimento juízes subordinados a tribunais diferentes, eu trago para cá.

ConJur — Foi o que o senhor fez no caso do ministro Paulo Medina, do STJ, e de outros juízes envolvidos no mesmo caso (Operação Furacão), certo?

Cesar Asfor Rocha — Exatamente. Já recolhemos os processos que estavam em curso nos outros tribunais.

ConJur — Esse é o caso mais grave da Corregedoria Nacional?

Cesar Asfor Rocha — É. Porque envolve um ministro de tribunal superior e três juízes de Tribunal Regional Federal e Tribunal Regional do Trabalho.

ConJur — Este processo tem prazo para terminar?

Cesar Asfor Rocha — Não. O procedimento pode importar em sanções gravíssimas para os magistrados então, temos que obedecer certos princípios, temos que garantir a ampla defesa, para que amanhã não seja apontada nenhuma nulidade que possa desconstituir todo o trabalho feito na Corregedoria.

ConJur — Esse caso mancha a imagem do Judiciário?

Cesar Asfor Rocha — É claro que abala o prestígio do Judiciário. Mas não é por isso que nós já devemos condená-lo. Não é assim. Nós vamos apurar, assegurando a mais ampla defesa a ele e aos demais acusados. E vamos julgar serenamente.

ConJur — Como recuperar esse prestígio?

Cesar Asfor Rocha — Esse prestígio pode ser recuperado mostrando que a apuração está se dando e vai ser assim até o final, por um processo e um julgamento absolutamente isentos, seja qual for o resultado, pela absolvição ou pela condenação. Em última análise, as pessoas percebem quando está sendo feito um trabalho sério e isento. E hoje em dia, só há uma maneira de algo não ser descoberto, é se esse algo não for realizado. Não tem como esconder.

ConJur — Em 100 dias de Corregedoria pode dizer que algum caso o assustou ou causou perplexidade?

Cesar Asfor Rocha — Estamos recebendo em média quase sete processos por dia. Do início do ano até junho, a corregedoria recebeu em média dois processos por dia. Atualmente há 1.509 processos em tramitação na corregedoria. Tem alguns casos que na verdade causam espanto e que estão sendo acompanhados bem de perto, seja aqui no CNJ, ou mesmo nas corregedorias estaduais ou federais. O CNJ não tem exclusividade na apuração desses ilícitos administrativos.

ConJur — Podemos falar de demanda represada?

Cesar Asfor Rocha — A demanda aumentou três vezes em dois anos. Talvez seja porque em sua primeira composição, o CNJ cuidou muito da própria implantação. É um órgão que não tem, pelos seus contornos atuais, precedentes na história do Brasil. Agora implantado, ainda que deficientemente, o CNJ abriu mais a sua atuação para a questão disciplinar, além da questão de gestão propriamente dita. E evidentemente que isso chama a atenção junto à coletividade para a existência de um órgão que pode ser utilizado como receptáculo de inconformismos. Além do que, estamos divulgando a atuação do CNJ, temos o informativo interno que é dirigido a mais de 11 mil magistrados dando ciência da nossa atuação e isso, evidentemente, gera uma demanda cada vez mais crescente.

ConJur — Ao assumir o cargo, em junho deste ano, o senhor adiantou que pediria um levantamento de todas as corregedorias. Qual a finalidade da pesquisa?


Cesar Asfor Rocha — Nós precisamos saber, até mesmo por uma questão de mostrar o domínio sobre tudo isso. Se você me perguntar daqui a dois meses quantos processos administrativos existem no Brasil, e eu disser que não sei, você vai pensar: ele não está trabalhando. Então precisamos saber qual é o Tribunal, por exemplo, que possui mais procedimentos administrativos, e nos debruçar mais sobre ele. E depois, é bom também que esses tribunais saibam que nós estamos acompanhando todos esses procedimentos administrativos. Primeiro, quero o número de processos disciplinares. No mesmo instante, vou saber também se esses processos disciplinares estão tendo andamento ou se os tribunais estão sendo lenientes. Na hipótese de haver leniência por parte dos tribunais com relação a determinado processo, o CNJ vai atuar.

ConJur — As Corregedorias originais são geralmente acusadas de corporativismo.

Cesar Asfor Rocha — Não pode haver cumplicidade com as pessoas que praticam desvios. Mas, de certa maneira, é compreensível que haja isso. A convivência entre os magistrados pode desanimar o combater contra um determinado magistrado. Mas isso não justifica e não é essa a imagem que eu tenho da magistratura, de maneira nenhuma. De qualquer sorte, é importante que a gente saiba quais são os processos para que nós façamos aqui um acompanhamento. Uma vez concluído esse levantamento e cruzamento de dados vai ser possível provar se há ou não esse corporativismo, com base no número de processos instaurados e resolvidos ou arquivados. E não significa que toda absolvição importa em corporativismo. Sempre se fala: “O Tribunal abriu tantos processos e nunca condenou ninguém.” Mas não é obrigado a condenar. Só pode condenar se tiver comprovação do ilícito praticado. O importante é que o processo seja iniciado e seja concluído, com lisura, sem proteção indevida ao acusado. Não temos necessariamente que cobrar uma condenação. Temos que cobrar que haja a apuração e julgamento.

ConJur — O CNJ acabou de destinar R$ 69 milhões para projeto de modernização e informatização dos tribunais estaduais. Isso é uma função do Conselho?

Cesar Asfor Rocha — É uma questão de gestão. Tem muitos estados que têm deficiências, não têm condições de implantar um sistema de informática bem feito. Geralmente é um sistema caro, os equipamentos, os programas, a formação técnica, tudo importa em custos elevados. E o CNJ tem se aproveitado de boas experiências de alguns tribunais e levado para aqueles que queiram se ajustar às linhas passadas pelo Conselho. Isso inclui fornecimento de equipamentos, de programas, de orientação técnica para aqueles tribunais que demonstrem aptidão e que dão contrapartida. Eles não recebem isso graciosamente. Cada vez que um tribunal recebe equipamentos do CNJ, ele dá uma contrapartida. E isso tem sido muito proveitoso. Já temos 13 estados brasileiros quase totalmente informatizados.

ConJur — Mas a questão dos custos não deveria ficar a cargo do Executivo?

Cesar Asfor Rocha — Não necessariamente. Há previsão constitucional que seja da competência do CNJ o gerenciamento de tudo isso. E nem poderia ser de outra forma, porque como eu disse muitas vezes os estados têm deficiências. Nós temos, por exemplo, o estado de Roraima, que é um estado reconhecidamente pobre. E temos o Rio de Janeiro, que é um estado que já tem uma gestão muito boa, e com uma boa estrutura financeira, decorrente de um fundo que foi criado que supre muitas deficiências. A um ponto tal que o Rio de Janeiro dispensa qualquer ajuda do CNJ.

ConJur — O CNJ vai ditar as diretrizes administrativas dos tribunais?

Cesar Asfor Rocha — Nós temos que romper certos paradigmas. O magistrado é formado para julgar, ele não recebe nenhuma formação para administrar, e hoje cada vez mais sentimos a necessidade de profissionalizar a gestão dos tribunais. Antes havia uma preocupação muito pequena com relação a isso. Não havia planejamento de longo prazo. Cada tribunal agia como uma ilha isolada, sem relacionar-se com outros tribunais. Por isso o Conselho foi criado, para uniformizar certos procedimentos dando sugestões aos tribunais para a adoção daqueles que sejam mais exitosos e também traçando essas linhas de atuação que poderão contribuir para uma administração mais profissionalizada dos tribunais.

ConJur —Mas os problemas se resumem à gestão e estruturação física e material do Judiciário?

Cesar Asfor Rocha — Além da administração, há também que se ater agora à gestão processual. É preciso adotar certos instrumentos, sem os quais hoje não será mais possível juiz dar vencimento a tantos processos que recebe. Eu falo, por exemplo, na necessidade de nós implantarmos a súmula vinculante, que já existe para o Supremo, também para o Superior Tribunal de Justiça e para o Tribunal Superior do Trabalho. O TST foi agora contemplado com a utilização da transcendência. Nós poderíamos também aceitar a possibilidade de alguns tipos específicos de ações, terem seu término ou na primeira ou na segunda instância com a impossibilidade de haver os chamados recursos excepcionais. Sem a utilização desses instrumentos, as varas judiciais vão ficar sobrecarregadas, os tribunais vão ficar abarrotados, como já estão, e com isso a demora na tramitação do processo continuará existindo.

ConJur — E o Conselho deve e pode propor esses projetos?

Cesar Asfor Rocha — O Conselho pode. Mas isso tudo deve ser precedido de amplo debate com os segmentos envolvidos. É preciso que todos nós tenhamos consciência de que só assim nós poderemos dar celeridade aos processos, de que isso será proveitoso para o Poder Judiciário, para os advogados e para todos os órgãos que atuam no processo jurisdicional como o Ministério Público, a Defensoria Pública, e também, sobretudo, para os jurisdicionados. Como eu disse, muitas vezes isso importa em quebra de paradigma, mas que vai trazer um prestigio para a própria Justiça, para a classe dos advogados, do Ministério Público, atendendo sobretudo essa aspiração nacional que é a de dar celeridade ao processo.

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