Fonte de litígios

Seguradora não pode negar recurso com base no perfil, diz juiz

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29 de setembro de 2007, 0h00

Seguradora não pode negar pagamento de indenização porque cliente deixou de indicar informações no perfil. Com base neste entendimento, o juiz Edmundo Lellis Filho, da 1ª Vara Cível de Santana, na capital paulista, condenou a seguradora Indiana Seguros a indenizar uma consumidora que teve o seu carro roubado. Para o juiz, a chamada cláusula de perfil é uma verdadeira cilada, porque vem redigida de forma obscura e os corretores de seguro não têm informado os consumidores dos seus reais efeitos.

Lellis Filho destacou também que já virou praxe as seguradoras negarem, arbitrariamente, o pagamento da indenização por se sentirem “enganadas” por “má fé” do consumidor, quando, na maioria dos casos, os conflitos são provocados pela redação capciosa das cláusulas (que as próprias seguradoras redigem) nas apólices.

A Indiana Seguros negou o pedido de indenização porque o filho da autora usava o veículo algumas vezes por semana. A empresa, para se defender, alegou descumprimento de cláusula porque a segurada não informou as pessoas que utilizariam o veículo, ao fornecer os dados para compor seu “perfil” no momento da negociação do contrato. Os argumentos não foram aceitos.

Na decisão, o juiz destacou que a cláusula de perfil não é conhecida com clareza e tem se mostrado como uma forma de restringir o direito de propriedade, criar vantagens exageradas para as seguradoras em prejuízo do consumidor. “É uma fonte de litígios, uma Tabela Price dos contratos de seguro”, disse.

Segundo ele, “avaliando a situação da seguradora de um lado e da autora de outro, é evidente a fragilidade da autora, são grandes os efeitos pela perda para ela. É claro que, nos dias de hoje, a posse de um carro é mais que uma conveniência, é uma necessidade da família”, concluiu o juiz ao condenar a empresa a pagar o valor da apólice em 24 horas com juros e correção monetária.

Para o presidente dos Sindicados dos Corretores de Seguros de São Paulo, Leoncio Arruda, a prática de conduzir o seguro baseado em perfil não é obscura. “Ela é realizada no mundo inteiro. É um meio de tratar os iguais e os desiguais. Cada segurado se enquadra num preço”, disse.

Explicou que o problema é que a Justiça, vez ou outra, dá decisão diferente daquilo que o segurado contratou. “Eu faço um contrato. Você diz que guarda o carro na garagem, mas mente só para baratear o seguro isso é descumprir com o contrato também”, destacou.

Leoncio Arruda afirmou, ainda, que a Justiça deveria conhecer um pouco mais sobre o princípio do perfil para não dar decisão contrária, favorecendo quase que sempre o segurado. “A Justiça deveria conhecer para fazer com que as partes cumpram o que foi acordado”.

Para ele, o segurado não pode alegar falta de conhecimento na cláusula de perfil. Isso porque, ele tem contato direto com o corretor de seguro, que tem obrigação de saber sobre todas as cláusulas do contrato para informar ao segurado.

Já para o especialista em Direito Securitário, Mauricio Luis Pinheiro Silveira, do escritório Ernesto Tzirulnik, as seguradoras não podem simplesmente negar o pagamento de indenização com base em perfil. Afirmou que as empresas de seguro devem comprovar o nexo da casualidade, no caso o roubo, com a implicação disso no perfil do segurado.

Ressaltou, também, que o perfil montado pelas seguradoras não pode ser usado como forma de restringir o uso do carro. “É um absurdo se utilizar de uma formalidade do contrato para esta finalidade”, afirmou.

Veja a decisão

1ª Vara Cível Foro de Santana Capital de São Paulo

Processo: 2007.136467-6/0

Vistos.

Trata-se de ação ordinária pela qual a autora pretende obter a condenação da instituição seguradora no pagamento de indenização decorrente de sinistro do veículo segurado, o qual foi objeto de roubo.

Encontra-se provada a negativa da segurada, Indiana Seguros S/A, em indenizar a autora, o que seria motivado por descumprimento de cláusula de informação quanto às pessoas que utilizariam o veículo sinistrado, já que se trata de apólice que foi ajustada com base em perfil.

A tutela antecipada de mérito requerida deve ser deferida.

Já faz parte das máximas das experiências os problemas que as seguradoras causam aos consumidores, negando-lhes, arbitrariamente, quase como uma regra geral, o pagamento da indenização por se sentirem “enganadas” por “má fé” do consumidor, quando, na maioria dos casos, os conflitos são provocados pela redação capciosa das cláusulas (que as próprias seguradoras redigem) nas apólices.

No caso vertente, verifica-se que a indenização foi negada porque a autora tem um filho que usava o veículo roubado algumas vezes por semana.

Ora, a chamada cláusula de PERFIL é uma verdadeira cilada, porque vem redigida de forma obscura, com conseqüências apenas veladas e os corretores de seguro não têm informado os consumidores dos seus reais efeitos.

Essa cláusula de PERFIL, cuja necessidade e influência, para efeito de cálculo atuarial, não é conhecida com clareza, tem se mostrado como uma forma de restringir o direito de propriedade, criar vantagens exageradas para as empresas seguradoras em detrimento do consumidor e uma fonte de litígios.

É uma espécie de “TABELA PRICE” dos contratos de seguro.

Verifica-se, dessa maneira, que estão preenchidos os pressupostos de verossimilhança do direito da autora.

De outra banda, nota-se que a autora está jungida à canga de um longo financiamento e despojada da posse do veículo. É claro que, nos dias de hoje, a posse de um carro é mais do que uma conveniência, é uma necessidade da família.

Sopesando a situação da seguradora de um lado e da autora de outro, é evidente a fragilidade dessa, são grandes os efeitos pela perda para ela, pessoalmente, em contraste para a seguradora que, no evento, tem apenas mais um de seus casos comerciais.

Então, é concreta a existência de danos de difícil reparação para a autora.

Por isso, defiro a tutela antecipada de mérito e determino que a SEGURADORA INDIANA deposite à disposição deste Juízo o valor segurado na apólice “sub iudice”, com juros e correção monetária a contar do dia em que, contratualmente, expirava o seu prazo para pagar a indenização securitária.

A indenização deve ser depositada em 24 horas a contar dessa intimação a qualquer de seus prepostos, sob pena de BLOQUEIO “ON LINE” imediato.

Cumprida a liminar, expeça-se mandado de citação e intimação.

Int.

São Paulo, 24 de Setembro de 2007.

Edmundo Lellis Filho

Juiz de Direito

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