Lições de moral

Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes se desentendem em Plenário

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27 de setembro de 2007, 20h24

Depois de declarar a inconstitucionalidade de uma lei mineira que tem 17 anos, na tarde de quarta-feira (26/9), o Supremo Tribunal Federal voltou a discutir a mesma ação para, agora, modular os efeitos do julgamento. A questão gerou discussão exaltada no Plenário entre o relator da ADI, ministro Joaquim Barbosa, e o autor da questão de ordem, ministro Gilmar Mendes. Joaquim reclamou que não foi consultado sobre a questão de ordem e afirmou que não concorda com a proposta uma vez que, no seu entendimento, o julgamento estaria encerrado.

E estava mesmo. Quanto à inconstitucionalidade da lei. Mas não quanto à sua aplicação. Como muitos servidores já se aposentaram ou foram deslocados, a simples declaração de inconstitucionalidade da lei pode gerar uma série de novos conflitos. Em casos como esse, o STF tem mitigado suas decisões — como no caso da extinção de vagas de vereadores em milhares de municípios. A inconstitucionalidade foi estabelecida a partir das eleições seguintes.

Para Joaquim Barbosa, contudo, a questão de ordem seria um atalho para se obter um resultado inverso do que foi obtido antes. “Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso”, disse Joaquim Barbosa. Gilmar retrucou: “Eu não vou responder a vossa excelência. Vossa excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui”. O ministro Marco Aurélio concordou com o relator. A discussão foi interrompida com um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.

Por unanimidade, o Plenário declarou na quarta-feira (26/9) a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 7º da Lei 10.254/1990, do estado de Minas Gerais, que instituiu o estatuto dos servidores da administração estadual.

A modulação da decisão ficou prejudicada por não atingir o número de votos necessários. Para isso são necessários oito votos. Houve sete. Davam efeitos prospectivos (ex-nunc) à decisão os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Contra os votos de Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Marco Aurélio.

Segundo o ministro Gilmar Mendes, a votação da modulação ficou prejudicada com a ausência do ministro Eros Grau, que está de licença médica. De acordo com o disposto no artigo 27 da Lei 9.868/99 (que regula o julgamento de ADI), a modulação dos efeitos nas declarações de inconstitucionalidade prescinde de dois terços dos votos. Gilmar Mendes propôs a proclamação da declaração de inconstitucionalidade da lei e também que o Plenário aguardasse o voto do ministro Eros Grau quanto à modulação dos efeitos.

A lei mineira previa a efetivação de servidor cujo emprego ou outro vínculo tenha sido transformado em função pública. Se o servidor fosse estável, deveria ser aprovado em concurso para fins de efetivação, se não estável, deveria ser classificado em concurso público para o cargo correspondente à função de que fosse titular. O parágrafo 1º da lei previa, na hipótese da não estabilidade, a exigência de que os servidores de autarquia e fundação pública apenas de aprovação em concurso público para cargo correspondente à função de que seja titular.

Destemor

Não foi a primeira vez que Joaquim Barbosa mostrou seu destemor. Ele já acusou o ministro Marco Aurélio de fraude na distribuição de processos; imputou tráfico de influência ao ministro aposentado Maurício Corrêa; e insinuou que seus colegas praticariam promiscuidade ao receber advogados para despachar sobre processos a seu encargo.

No conflito com Marco Aurélio, o caso envolvia um pedido de habeas corpus distribuído no início da noite de uma sexta-feira. Barbosa era o relator e Sepúlveda Pertence o decano. Ao receber o recurso, Marco Aurélio pediu à Secretaria do Supremo que certificasse a ausência dos colegas a quem caberia a distribuição, por preferência. Os funcionários dos respectivos gabinetes atestaram, por escrito, que os ministros não se encontravam em Brasília. Na semana seguinte, Joaquim atacou o colega afirmando que estava na Capital. Marco Aurélio representou contra Joaquim à Presidência da Corte. Mas Nelson Jobim, então na direção da Casa, decidiu colocar panos quentes no caso, declarando apenas que não houvera irregularidade na distribuição.

Em relação a Maurício Corrêa, que hoje atua como advogado em Brasília, Joaquim estranhou que ele o procurara antes para falar do processo e, no dia do julgamento, um outro advogado comparecera para a sustentação oral. Ao microfone, Barbosa fez a acusação de tráfico de influência do ex-colega. Informado da imputação, Corrêa foi ao plenário. Nas mãos, tinha a cópia da procuração — também presente nos autos — confirmando que ele atuava no processo. Corrêa interpelou Joaquim judicialmente, a quem só restou retratar-se.

A “promiscuidade” divisada pelo ministro no recebimento de advogados e a prevista na Lei 8.906/94 — o Estatuto da Advocacia. Joaquim considera que há excesso de proximidade dos ministros com advogados. Segundo ele, é necessário certo distanciamento, principalmente quando apenas uma das partes é representada perante o tribunal. Posteriormente, Joaquim Barbosa parece ter relativizado esse entendimento.

Direito de defesa

O ministro Gilmar Mendes também já deixou claro que não leva para casa o que acha que deve ser dito em Plenário. Em março deste ano ele comprou uma briga com o Ministério Público ao acusar procuradores e promotores de mover ações de improbidade por interesses políticos ou pessoais.

Meses depois, no auge do clamor suscitado pela Operação Navalha, que investiga fraudes em licitações de obras públicas em vários estados, criticou a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, lançando em dúvida a fundamentação das prisões poreventivas em massa por ela decretadas.

Sua última investida, foi contra a Polícia Federal, por ele comparada à Gestapo, a polícia da Alemanha nazista. Como, no caso de seu colega, os supostos destemperos de Gilmar Mendes são sempre resultado de boa intenção: a defesa intransigente dos direitos fundamentais que ele faz.

ADI 2.949

Leia trechos da discussão

Joaquim: Senhora presidente, eu sou o relator do caso e acho que deveria até ter sido consultado sobre a questão de ordem. Me encaminho no sentido contrário. Não vejo como um ministro ausente de um julgamento, que não participou, não compôs o quorum — atingido um determinado resultado, vamos suspender para que ele participe apenas de um aspecto do julgamento exatamente para dar um sentido contrário a aquilo que foi decidido. É isso que nós estamos fazendo e eu voto contra.

Gilmar: Senhora presidente, em primeiro lugar, não temos que consultar colega algum para solicitar questão de ordem.

Joaquim: Nem que fosse por cortesia.

Gilmar: Não me sinto obrigado a consultar vossa excelência.

Joaquim: Eu fui o relator do caso ontem e nem fui consultado sobre absolutamente nada.

Gilmar: Não há necessidade de consultar vossa excelência sobre questão de ordem.

Joaquim: Eu deveria ter sido consultado, nem que fosse na sala de lanche.

Gilmar: Em outro aspecto é comum, havendo oito ministros na Corte o tribunal delibera sobre ADI se houver cinco votos num sentido e três em outro suspender o julgamento (…).

Joaquim: Estou há quatro anos e três meses nesta corte e jamais presenciei procedimento desta natureza. Obtido o resultado de um julgamento, acabou o julgamento. Não se suspende para se obter o voto de quem não participou.

Gilmar: Neste caso não houve conclusão do julgamento quanto aos efeitos ex-tunc.

Joaquim: Houve a conclusão do julgamento. Se houve quorum para o julgamento da ação houve para a modulação.

Joaquim: Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso.

Gilmar: Eu não vou responder a vossa excelência. Vossa excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui.

Joaquim: Eu não quero dar lição de moral.

Gilmar: Vossa excelência não tem condições.

Joaquim: E vossa excelência tem?

Joaquim: O julgamento está encerrado.

Gilmar: Não está encerrado. Está pendente a questão de ordem. O tribunal que se pronuncie.

Joaquim: A questão de ordem é apenas um atalho para se obter um resultado inverso do que foi obtido ontem. Declarou-se a inconstitucionalidade de uma lei e agora quer tornar-se sem efeito.

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