Atividade jurisdicional

A integração eletrônica entre Judiciário e serviços Notariais

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26 de setembro de 2007, 0h00

Os serviços notariais e de registro mantêm estreito relacionamento com o Poder Judiciário. Por um lado, notários e registradores estão sujeitos à fiscalização do Judiciário (artigo 236, parágrafo 1º, da Constituição Federal), o qual exerce essa atividade em caráter administrativo.

Por outro lado, constantemente são emanadas, em função da atividade jurisdicional, ordens aos notários e registradores para a prática de atos, como registros, averbações e sustações, bem como requisições de certidões e informações.

Tradicionalmente essas comunicações são feitas em papel. São mandados e ofícios, encaminhados diretamente à serventia notarial e de registro ou ao juiz incumbido da fiscalização da atividade. A resposta é feita em papel, com a expedição de ofício protocolado no fórum ou enviado pelo correio, arquivando-se cópia em pasta própria.

Informatização do Judiciário e a Lei 11.419/2006

Com o desenvolvimento de funcionalidades tecnológicas, houve nos últimos anos um processo de maciça utilização de sistemas informatizados para maior eficiência da atividade jurisdicional.

Tal processo de modernização culminou na edição da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial.

De acordo com a referida Lei, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferencialmente por meio eletrônico (artigo 7º). Definiu, ainda, que os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, priorizando-se a sua padronização (artigo 14).

Por fim, previu a regulamentação da Lei, no que couber, pelos órgãos do Poder Judiciário, no âmbito de suas respectivas competências (artigo 18).

Assim sendo, existe a necessidade de desenvolver funcionalidades tecnológicas para a integração dos órgãos do Poder Judiciário e os serviços notariais e de registro. Esse desenvolvimento deve ser acompanhado de regulamentação e definição de padrões para as comunicações eletrônicas entre esses órgãos e os serviços notariais e de registro.

A Portaria 149/2007 da Presidente do Conselho Nacional de Justiça

Foi editada pela Presidente do Conselho Nacional de Justiça a Portaria 149, de 5 de julho de 2007, que instituiu grupo de trabalho com o objetivo de, no prazo de cento e oitenta dias, desenvolver funcionalidades tecnológicas voltadas à integração das bases de dados das serventias extrajudiciais com os órgãos do Poder Judiciário.

Referido grupo de trabalho é composto de magistrados, notários, registradores, além de um representante do Ministério da Justiça e de outro da sociedade civil. Ressalte-se que a integração eletrônica entre os órgãos do Poder Judiciário e os serviços notariais e de registro deve observar aspectos constitucionais e legais.

Registros Públicos e Direito à Intimidade

De acordo com a Lei 8.935/1994, serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (artigo 1º).

A publicidade dos registros dos serviços notariais e de registro é prevista pela Constituição Federal. Segundo o inciso XXXIII do artigo 5º, todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

E, de acordo com o artigo 22, inciso XXV, compete privativamente à União legislar sobre registros públicos.

A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), editada consoante tal dispositivo, define a forma pela qual se efetiva a publicidade, obrigando os Oficiais de Registro a lavrar certidão do que lhes for requerido e fornecer às partes as informações solicitadas (artigo 16).

Por sua vez, a Lei 9.492/1997 dispõe sobre a expedição de certidões pelos Tabeliães de Protesto, que poderão ser fornecidas a qualquer interessado, salvo na hipótese de cancelamento do registro, quando se exige requerimento escrito do próprio devedor ou ordem judicial (artigo 27, § 2º, e artigo 31).

Já a certidão diária de protestos, em forma de relação, que é fornecida às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, deve conter nota de que se trata de informação reservada (artigo 29), acarretando a suspensão do fornecimento, se inobservada essa restrição (parágrafo 1º).

Ou seja, por um lado, há de se franquear acesso a informações juridicamente relevantes; por outro, contudo, existe a necessidade de preservar a intimidade das pessoas.


Nesse contexto, o legislador optou por permitir acesso aos registros por meio de certidões expedidas por notários e registradores, que são profissionais do Direito; mas estabeleceu limitações à divulgação de informações de cunho estritamente pessoal.

Além disso, restringiu o acesso às informações, pulverizando-as em diversas serventias de acordo com a competência territorial para a prática de cada ato, e inibindo a existência de um grande repositório central, contendo dados sobre todas as pessoas, com os inevitáveis riscos dele decorrentes.

Assim, a publicidade dos registros deve observar sempre as restrições legais, evitando riscos ao direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (Constituição Federal, artigo 5º, inciso X), mas assegurando o direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (artigo 5º, inciso XXXIII).

Enfim, o notário e o registrador devem observar os parâmetros definidos em lei. E, caso seja revelado fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilite a sua revelação, estará incurso no crime de violação de sigilo funcional (Código Penal, artigo 325), já que por ser delegado de serviço público está sujeito à legislação dos crimes contra a administração pública (Lei 8.935/1994, artigo 24).

Informações ao Poder Público

A Lei de Registros Públicos prevê a remessa ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de um mapa dos registros dos nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos no trimestre anterior, pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais (Lei 6.015/1973, artigo 49).

Outras leis regulamentam a obrigação de envio de informações de óbitos ao Instituto Nacional do Seguro Social, de casamentos e óbitos de estrangeiros ao Ministério da Justiça, bem como óbitos de cidadãos alistáveis à Justiça Eleitoral.

Essas informações são relativas a dados restritos e de uso meramente institucional, servindo apenas para fins estatísticos ou de atualização de bancos de dados dos órgãos públicos destinatários. Por se tratar de informação reservada, não podem ser utilizados para outras finalidades.

Restrição Legal à Centralização de Dados

De acordo com o artigo 236, parágrafo 1º, da Constituição Federal, lei regulará as atividades dos notários e oficiais de registro e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

A Lei 8.935/1994 definiu como deveres dos notários e oficiais de registro manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros; atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias; e facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas (artigo 30, incisos I, III e XII).

Já o artigo 37 dispõe que a fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

O artigo 38, por sua vez, estabelece que o juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços.

Assim, eventual criação de um repositório central de registros, com a centralização de dados, depende de lei, com a modificação das normas atualmente vigentes, as quais prevêem a necessidade de guarda em locais seguros dos livros e documentos da serventia, além da facilitação do acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas.

Existindo necessidade de acesso às informações por autoridade judiciária, prevê a lei a forma de requisição, cujo atendimento deve ser prioritário. Não há previsão de acesso direto à base de dados ou de integração de bases de dados de serventias.

Conforme a Constituição Federal, ao Poder Judiciário compete a fiscalização dos atos dos notários e registradores, na forma da lei (artigo 236, § 1º).

E ao Conselho Nacional de Justiça, órgão integrante desse Poder, compete tão-somente receber e conhecer das reclamações contra serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos e determinar sanções administrativas (artigo 103-B, § 4º, inciso III).


Não há, portanto, previsão constitucional ou legal para que o Conselho Nacional de Justiça desenvolva a integração das bases de dados das serventias extrajudiciais com os órgãos do Poder Judiciário.

Eventual instituição desse modelo depende de lei, discutida no foro adequado que é o Poder Legislativo, com amplo debate, e não por singela norma de órgão administrativo.

7. Proposta de Integração baseada no Portal Eletrônico do Extrajudicial (PEX) do Tribunal de Justiça de São Paulo

O Tribunal de Justiça de São Paulo apresentou recentemente projeto piloto de informatização dos procedimentos administrativos dos serviços notariais e de registro, possibilitando uma interface dinâmica entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as serventias.

Com isso, o intercâmbio de informações passa a ser feito eletronicamente e não mais em papel. As comunicações à Corregedoria, como as aquisições de imóveis rurais por estrangeiros, o envio de certidões de freqüência e o controle de selos de autenticidade, serão feitas pelo Portal. E os ofícios de indisponibilidade serão dirigidos eletronicamente aos registradores imobiliários.

Trata-se de um modelo adequado que aperfeiçoa os procedimentos existentes, dispensando o papel e conferindo maior agilidade nas comunicações entre a Corregedoria e as serventias.

Com a implantação do modelo em todo o Estado, o PEX passará a ser uma extensão das serventias, um balcão virtual onde ofícios e requisições poderão ser recebidos, incluindo os provenientes de outros órgãos judiciários, como a Justiça Federal, do Trabalho e de outros Estados.

É o que ora se propõe

O atendimento às requisições poderá ser feito da mesma forma, com o envio de ofício eletrônico acompanhado eventualmente de certidão eletrônica, expedida com base na Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

Para a implantação em todo o território nacional, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal credenciarão os notários e registradores. Estes, por sua vez, ficarão responsáveis pelo eventual credenciamento de seus prepostos autorizados.

Uma vez credenciados os notários e registradores do Estado, o Tribunal de Justiça estará apto a receber requisições dos órgãos do Poder Judiciário de todo o país.

Essas requisições deverão atender aos padrões definidos em âmbito nacional pelo Conselho Nacional de Justiça. E cada órgão do Poder Judiciário desenvolverá a atualização de seus sistemas informatizados para a integração com os serviços notariais e de registro.

Atualmente, sempre que existe a necessidade de expedição de um ofício ou mandado, o Escrivão prepara o documento e envia ao Juiz para subscrição, encaminhando-o à serventia por meio postal.

No meio eletrônico o processo será bem mais rápido, visto que o arquivo eletrônico (ofício ou mandado) utilizará os dados constantes da base de dados do Judiciário, sendo apenas revisto pelo escrivão e encaminhado para caixa de ofícios pendentes do magistrado. Aberta a caixa de pendências, o magistrado pode assinar todos os ofícios em lote, apondo sua assinatura digital uma única vez.

A requisição segue pela rede mundial de computadores até o servidor do Tribunal de Justiça incumbido da fiscalização do serviço notarial e de registro competente e é colocado à disposição do notário ou registrador.

Este, por sua vez, pode recepcionar o lote de arquivos eletrônicos disponíveis e, com o desenvolvimento do sistema informatizado da serventia, o processamento desses arquivos poderá ser feito automaticamente, com operações simultâneas, gerando em seguida um arquivo de resposta. Remetido o arquivo de resposta na página disponibilizada pelo Tribunal de Justiça do Estado ou do Distrito Federal, o órgão de onde emanou a ordem ou solicitação recebe a resposta eletrônica e, se já desenvolvido o sistema para tanto, essa resposta é juntada ao processo judicial.

Caso o notário ou registrador não esteja apto a receber e enviar os arquivos eletrônicos, poderá receber do juízo local incumbido da fiscalização a solicitação impressa, sendo que o documento físico de resposta será digitalizado, nos moldes do artigo 9, § 2º, da Lei 11.419/2006.

O processo de integração será gradativo, dependendo do desenvolvimento dos sistemas informatizados dos Tribunais de Justiça.

Por fim, sugere-se que as requisições de informações sobre a existência de registros sejam classificadas quanto à prioridade de acordo com o âmbito de abrangência da pesquisa. Assim, uma requisição de busca de registro em apenas uma serventia teria prioridade sobre aquela feita para todas as unidades da Comarca ou do Estado que, por sua vez, teriam prioridade sobre a busca solicitada para todas as serventias do país.

Esse é o sistema proposto para a integração eletrônica entre o Judiciário e os serviços notariais e de registro.

Conclusão

A integração eletrônica entre os diversos órgãos do Poder Judiciário e os serviços notariais e de registro do país é extremamente relevante e visa a atender os princípios constitucionais de eficiência dos serviços públicos (artigo 37), da razoável duração do processo e de meios que garantam a celeridade da sua tramitação (artigo 5º, inciso LXXVIII).

Deve-se destacar, ainda, que a fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Judiciário deve assegurar que eles sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente (Constituição Federal, artigo 236, § 1º, e Lei 8.935/1994, artigo 38).

No entanto, toda e qualquer providência visando à integração eletrônica deve considerar as normas constitucionais que asseguram o direito à intimidade e definem a necessidade de lei para regulamentação dos registros públicos.

Há de se ter em vista, ainda, a rígida disciplina legal sobre a forma pela qual se opera a publicidade dos registros, o sistema de pulverização dos atos de acordo com as regras de competência e o caráter reservado das informações remetidas pelos serviços notariais e de registro quanto aos atos praticados, de uso estritamente institucional.

Assim, eventual proposta de centralização de bases de dados, ainda que com informações mínimas e caráter de mero índice, deve ser discutida no âmbito legislativo e não pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão meramente administrativo.

Propõe-se modelo de integração a partir daquele instituído recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o Portal Eletrônico do Extrajudicial (PEX), com o cadastramento dos notários e registradores para que possam receber e atender requisições judiciais, dos diversos órgãos do Poder Judiciário, em meio eletrônico.

A integração eletrônica tem por base legal a Lei 11.419/2006, que trata da informatização do processo judicial e como fundamento constitucional a disposição contida no artigo 5º, inciso LXXVIII.

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