Doutrina da desobstrução

Estado de Direito sofre no governo Bush, diz Carl Bernstein

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26 de setembro de 2007, 17h58

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Carl Bernstein - por DivulgaçãoO fato de o governo George W. Bush vir conseguindo impor aos Estados Unidos leis que ferem direitos individuais — que até o ataque às Torres Gêmeas nova-iorquinas, em 2001, eram considerados intocáveis — é uma das provas de que as instituições que dão base ao sistema democrático americano não têm cumprido a contento seu papel.

A análise foi feita pelo jornalista Carl Bernstein, nesta quarta-feira (26/9), em palestra sobre Ética e Política organizada pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo. Em parceria com o jornalista Bob Woodward, Bernstein foi responsável pela série de reportagens sobre o escândalo Watergate, publicadas de 1972 a 1974 no jornal Washington Post, que levou o presidente americano Richard Nixon à renúncia.

Para Bernstein, o Patriot Act (Ato Patriota) e outras leis, que permitem ao governo Bush ter acesso a dados pessoais de cidadãos sem autorização judicial e cerceiam o devido processo legal para suspeitos de terrorismo não americanos, demonstram que o Congresso dos Estados Unidos está omisso. De acordo com o jornalista, quando defendeu que “o presidente deve ter seus deveres constitucionais desobstruídos para poder responder às questões de segurança nacional”, o vice-presidente, Dick Cheney, revelou desprezo às regras do jogo. “É a doutrina da desobstrução.”

A maior parte das leis aprovadas com a justificativa de combate ao terrorismo “são desculpas usadas para aumentar a concentração de poder do governo”, afirmou na entrevista coletiva, em resposta a pergunta da revista Consultor Jurídico. Recentemente, por exemplo, a Câmara dos Deputados aprovou lei que permite a agentes de inteligência do governo fazer interceptação de comunicações telefônicas e eletrônicas de estrangeiros, sem aval da Justiça, desde que sejam detectadas por equipamentos eletrônicos baseados nos Estados Unidos. “A diferença entre os governos Bush e Nixon é que o sistema funcionou naquela ocasião e o Estado de Direito prevaleceu”, disse.

O jornalista defendeu o fechamento de Guantanamo e que os Estados Unidos dêem aos prisioneiros lá confinados o tratamento previsto nas convenções de Genebra, que tratam de direitos humanos e da proteção de civis em tempos de guerra. “Os direitos civis sob o governo Bush foram enfraquecidos. E o respeito a esses direitos é que define que tipo de nação se quer construir.”

Bernstein ainda afirmou que a imprensa vem fazendo seu trabalho, apesar do atraso com que agiu. “É graças à imprensa que hoje se sabe que não havia armas de destruição no Iraque e que mentiras sustentaram a invasão”, disse. Para o jornalista, faltou iniciativa ao Congresso para levar em frente as constatações da imprensa. “Não se trata de defender o impeachment, mas sim a investigação sobre os motivos que levaram o presidente Bush a declarar guerra. Mas a investigação não veio, nem mesmo com a maioria democrata”.

Corrupção eleitoral

Carl Bernstein lembrou que esteve no Brasil pela primeira vez em 1984, em pleno processo de redemocratização do país. Afirmou não conhecer suficientemente a cultura e a realidade brasileiras para opinar com propriedade sobre a corrupção no país.

Mas sua análise sobre o processo eleitoral e político americano mostra mais semelhanças do que diferenças entre os dois maiores países das Américas. Para o jornalista, a corrupção não está necessariamente ligada a dinheiro. “Corrupção é qualquer forma de ataque aos princípios democráticos.”

O financiamento das campanhas eleitorais foi colocado por Bernstein como o principal obstáculo no combate à corrupção. Ele contou que uma campanha para o Senado por um estado grande, como Nova York, custa cerca de US$ 100 milhões. “Como tem um mandato de seis anos, isso significa que o senador tem de arrecadar US$ 50 mil por dia se quiser disputar a reeleição”, calcula.

O jornalista coloca que diante dessas cifras, fica difícil ao político resistir à tentação de atender aos interesses daqueles que financiaram sua campanha. “Isso provoca a corrupção sistêmica.” E cobrou das empresas seu papel em denunciar a corrupção em concorrências e licitações das quais participam.

Caso Watergate

Em junho de 1972, os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein noticiaram a invasão do Comitê Nacional Democrata por cinco pessoas, no edifício Watergate, em pleno período eleitoral. A intenção dos invasores era a de espionar e instalar escutas no comitê. Uma série de reportagens se seguiu à primeira revelando ligações entre a Casa Branca e a invasão ao comitê Democrata.

Eleito em 1968 e reeleito em 1972 — apesar das reportagens do Washington Post — Richard Nixon se viu obrigado a renunciar, em agosto de 1974, depois que ficou provado que estava envolvido na operação de espionagem ilegal. O xeque-mate se deu quando a Suprema Corte americana, por nove votos a zero, obrigou Nixon a entregar ao processo gravações em que ficava provada sua participação no escândalo.

O trabalho dos jornalistas que levou Nixon à renúncia foi retratado no livro Todos os Homens do Presidente, que serviu de base ao filme com o mesmo nome, em que Robert Redford interpreta Woodward e Dustin Hoffman faz o papel de Bernstein.

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