Acordo Serasa

Papel da Procuradoria da Fazenda Nacional é resguardar erário

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25 de setembro de 2007, 14h12

Em resposta ao artigo Estado Chantagista – Acordo da Serasa com Procuradoria é coercitivo, de autoria do Dr. Gesiel de Souza Rodrigues, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional presta os seguintes esclarecimentos.

A premissa adotada pelo autor, não se pode negar, seduz os olhos e mente do leitor habitualmente submetido à quase unilateral utilização do meio jurídico-acadêmico para a associação do Estado-Fisco à imagem do “leão” arrecadador, voraz e irracional em relação ao contribuinte.

Contudo, a argumentação é artificiosa e, mesmo em relação ao Poder Judiciário, encontra-se superada em questão que com ela guarda grande margem de simetria.

Convém aproveitar o ensejo para informar que aproximadamente 90% dos créditos tributários são constituídos pela modalidade denominada “autolançamento” (lançamento por homologação) – isto é, aquela em que o próprio contribuinte efetua os procedimentos de verificação da ocorrência do fato gerador e, ato contínuo, confessa a existência do crédito tributário de que é sujeito passivo. A confissão feita, segundo a legislação tributária, tem por efeito jurídico possibilitar a imediata inscrição em dívida ativa, prosseguindo-se com as medidas de cobrança do crédito tributário em aberto. Em tal hipótese, note-se, desnecessário o contraditório e a ampla defesa, posto que não há conflito entre o Fisco e o contribuinte (muito pelo contrário, relembre-se, este último confessa-se devedor). Ainda assim, e reconhecendo equívocos do passado, a Administração Tributária nos últimos anos tornou hábito a realização de prévia cobrança administrativa, dando ao contribuinte oportunidade para quitação de seu débito antes do respectivo envio para a unidade da Procuradoria da Fazenda Nacional responsável pela cobrança. Em caso de “erro da administração fazendária” (por exemplo, erros nos sistemas informatizados de gerenciamento da arrecadação), portanto, tal medida viabiliza ao contribuinte a oportunidade de apontar o erro e, simultaneamente, comprovar a situação de extinção ou suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Da mesma forma, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional igualmente adota medida de cobrança administrativa, de modo a apenas levar a situação ao Judiciário na hipótese de persistência da situação de exigibilidade do crédito tributário – agora já inscrito na Dívida Ativa da União.

De outro lado, o percentual remanescente refere-se aos casos de constituição do crédito tributário por meio do lançamento de ofício, hipótese em que há plena incidência das normas dispostas no Decreto 70.235/72 – ou seja, abertura de prazo para impugnação e recurso administrativo ao Conselho de Contribuintes, em última instância.

Com esta sintetizada explanação, pretende-se demonstrar que não é verdadeira a assertiva de que a Fazenda Pública constitui “unilateralmente” o seu título executivo, pois em ambas as hipóteses (lançamento por homologação e lançamento de ofício), há participação efetiva do sujeito passivo do crédito tributário, ainda que o grau de incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa seja, justificadamente, diferenciado. Daí a constatação pela qual a presunção relativa de liquidez e certeza, proporcionalmente em relação ao total de inscrições em Dívida Ativa da União, dificilmente seja afastada perante o Poder Judiciário.

Nesse contexto, força convir, torna-se de pouca utilidade a classificação da figura do contribuinte. Em outras palavras, se este é considerado devedor por erro da administração fazendária, ou porque não possui recursos para pagar o débito, ou porque sonega por hábito[1], de acordo com o acima exposto, foi cientificado (duplamente, cada vez por um dos dois órgãos da Administração Tributária federal) dessa situação, tendo a oportunidade de trazer elementos que afastassem essa indesejável condição. Caso não tenha obtido seu intento perante a Administração Tributária, ainda assim há a utilização do Judiciário para impedir ou suspender o prosseguimento das medidas de cobrança – naturalmente, apenas no primeiro dos três exemplos mencionados. A omissão ou inabilidade do contribuinte para convencer as instâncias administrativa e judicial acarreta, inexoravelmente e como não poderia deixar de ser, a adoção de medidas tendentes à recuperação do crédito tributário.

Ao mencionar a existência de decisões judiciais sobre assunto de grande simetria com o cadastro da Serasa, esta Procuradoria quis se reportar ao CADIN. Instituído originalmente pelo Decreto 1006/93, e atualmente em vigor nos termos da Lei 10522/02, foi objeto de discussão travada no âmbito do STF[2]. O CADIN, como se sabe, é Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, cuja finalidade é tornar disponíveis à Administração Pública Federal e entidades por ela controladas as informações sobre créditos em atraso para com o setor público. Não se verifica, no caso, qualquer restrição ao contribuinte cujo nome esteja incluído no referido cadastro. O entendimento firmado no STF foi no sentido de que a simples consulta ao referido cadastro é ato de cunho exclusivamente informativo, de responsabilidade dos órgãos que requisitam as informações do contribuinte, não implicando em real impedimento à prática de atos administrativos ou comerciais.

A mesma situação ocorre, portanto, em relação ao cadastro da Serasa: trata-se de um cadastro meramente informativo. Não está previsto qualquer ato de restrição ao contribuinte cujo nome nele estiver constante.

Ao contrário do quanto vislumbrado pelo autor, a medida, a par de não ferir o ordenamento jurídico, antes confere mais robustez ao mesmo. À guisa de exemplo, no que tange à Constituição Federal de 1988, prestigia o direito à informação, os princípios da publicidade e da eficiência em relação à Administração Pública. Em relação à legislação infraconstitucional, verifica-se a possibilidade jurídica que fundamente a adoção da medida tanto no artigo 198, § 3º, inciso II, do Código Tributário Nacional, quanto no artigo 46 da Lei 11.457/2007.

Conceito que não mais encontra respaldo na moderna sociedade, isso sim, diz respeito a um suposto (já que nunca existente) direito subjetivo ao sigilo concernente à condição de devedor. Fosse assim, as demandas relacionadas à cobrança de qualquer débito deveriam tramitar em segredo de justiça. Da mesma forma, note-se que a legislação processual em vigor sofreu profundas alterações no que tange ao processo de execução, ensejando a adoção de medidas paralelas à tramitação do processo judicial – medidas extrajudiciais, como, por exemplo, a obtenção de certidão de ajuizamento para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto – artigo 615-A do CPC, com a redação dada pela Lei 11382/06. A existência do direito subjetivo de ação, portanto, não constitui óbice à adoção de outras medidas. Certamente, o autor não faz aqui a defesa de um processo de execução do credor privado mais efetivo que o processo de execução da dívida ativa da Fazenda Pública.

Finalmente, a premissa de que se vale a Procuradoria da Fazenda Nacional é a de ampliar o seu relevante papel de resguardar o erário, prestando o relevante serviço de tornar acessível ao mercado e ao sistema financeiro informações que poderão ser aproveitadas conforme as suas peculiares regras de uso, colaborando com a higidez de tais micro-sistemas. Ganha com isso, a sociedade em geral. Haverá, por certo, critérios para o envio de dados à Serasa (por exemplo, os contribuintes com débitos devidamente garantidos e em discussão judicial ou cuja exigibilidade se encontrar suspensa por hipótese prevista em lei não constarão da Serasa, tal qual já ocorre em relação ao CADIN). Sem prejuízo, vale lembrar que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional está propondo medidas de racionalização na cobrança da Dívida Ativa da União, prevendo inclusive a possibilidade de transação, trazendo ínsita uma nova concepção para a Administração Tributária, onde prevalece o respeito ao contribuinte que deseja acertar[3] sua relação para com o Fisco, ao contribuinte consciente da relevância da função social contida no pagamento do tributo.


[1] Note-se que as figuras do “contribuinte inadimplente” já recebem tratamento diferenciado na cobrança do crédito tributário, pois o contribuinte que sonega por hábito possui inclusive a aplicação de multas punitivas majoradas, sem prejuízo de eventual enquadramento na prática de ilícito penal.

[2] Conferir as ADIN 1.155-3, 1178-2 e 1454-4.

[3] “Acertar”, entenda-se, no sentido de agir para efetivamente quitar o débito (inclusive parcelando, se for o caso) ou mesmo demonstrar a sua inexigibilidade.

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