Sonegação geológica

Ministro quase geólogo confunde-se ao defender CPMF

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25 de setembro de 2007, 19h09

Quando Sua Excelência o senhor ministro do Planejamento declarou que são os sonegadores que desejam o fim da CPMF fiquei surpreso, pois imaginava que o ocupante de tal cargo devesse ser um profissional do mais elevado nível técnico, com formação acadêmica capaz de dotar a autoridade dos conhecimentos necessários ao bom desempenho de suas elevadas funções.

Mais surpreso fiquei ao consultar o sítio do Ministério do Planejamento, onde se dá conta de que Sua Excelência não teria sequer concluído a faculdade de GEOLOGIA, da qual foi expulso pela ditadura militar!

Não há nenhum problema para o País que um torneiro mecânico seja Presidente da República, pois ele deve ser inteligente o suficiente para assessorar-se com especialistas nas respectivas áreas. Mas para ser Ministro, o buraco é mais embaixo…

A afirmação de que a CPMF é instrumento de combate à sonegação é uma bobagem grosseira, uma estupidez sem limites.

O país já dispõe de inúmeros instrumentos de combate à sonegação. Usar a CPMF com tal finalidade é apenas incentivar a corrupção, realimentar a inflação como adiante demonstramos. Só tem um lado bom: dá trabalho e lucro para advogados tributaristas.

A DCTF (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais), embora de duvidosa legalidade, já é uma ferramenta eficiente contra a sonegação, pois ao mesmo tempo em que informa os valores a recolher, representa confissão da dívida declarada pela pessoa jurídica.

A retenção do imposto de renda na fonte, que hoje alcança não só as pessoas físicas, mas praticamente todas as empresas de prestação de serviços, é outro meio eficaz e simples de combate à sonegação.

Por exemplo: uma companhia seguradora ao pagar comissões aos corretores (mesmo pessoas jurídicas) faz a retenção do imposto e a informa à Receita pela DCTF. O corretor declara ao Fisco o que ganhou (como pessoa física ou jurídica) e com o “cruzamento” das informações qualquer divergência é detectada e eventual sonegação é combatida.

Por outro lado, Estados e Municípios já estão implantando os seus sistemas de notas fiscais eletrônicas, com o que a sonegação é fiscalizada de imediato, sem grandes possibilidades de falhas. Para isso, inclusive, vão sendo criados sistemas de “premiação” ou de “incentivos” a consumidores de mercadorias ou usuários de serviços, seja com descontos em tributos ou mesmo com restituição em espécie.

Sinto-me, neste ponto, na obrigação de reconhecer meu erro quando, no passado, critiquei severamente o projeto do então Secretário de Finanças da cidade de São Paulo, Mauro Ricardo Machado Costa que, por pertencer à carreira de Auditor da Receita Federal, pelo menos é “do ramo”.

Agora na Secretaria estadual da Fazenda paulista, Mauro Ricardo vem se revelando um técnico eficiente e já abandonou aquele discurso equivocado de que deveria “colocar na cadeia” os contribuintes que desejavam apenas defender-se judicialmente do que entendiam ser abusos do fisco paulistano…

A sonegação vem sendo combatida severamente pelo Fisco e nada tem a ver com a CPMF. Vejam-se, a propósito, os relatórios das autoridades fiscais, dando conta do enorme volume de autuações, especialmente na área de importações e combustíveis, sem que isso tenha qualquer relação com a CPMF.

Dizer que a CPMF é boa porque é impossível sonegar, é outra asneira. Quem assim o afirma não sabe a diferença entre sonegação e elisão fiscal. E a elisão, no caso, é bem simples: basta reduzir a movimentação bancária, seja transferindo aos fornecedores os cheques recebidos de clientes, seja repassando os serviços de recebíveis e pagamentos a empresas terceirizadas, seja operando cada vez mais com dinheiro em espécie.

Registre-se que esta última forma de elisão fiscal é bem conhecida de toda a sociedade brasileira, não podendo ser ignorada por deputados, mesmo por aqueles que são reconhecidamente sérios, como o nosso ilustre ministro.

Movimentação financeira não dá qualquer garantia séria de controle de sonegação, nem mesmo quando seja maior do que a renda declarada do contribuinte.

Já defendemos várias vítimas desse engano e já tivemos oportunidade de provar, em mais de uma oportunidade, a inconsistência dos autos de infração baseados em “cruzamento” da CPMF com a declaração do imposto de renda.

Um exemplo bem simples: uma pessoa vende um imóvel e empresta parte do que recebeu a um parente, recebendo como garantia um cheque pré-datado. Na data do vencimento do cheque ele é depositado e compensado normalmente e depois parte desse valor é usada para a compra de um carro.

Surgiram aí pelo menos 3 (três) movimentações financeiras. Mas, em princípio, ninguém sonegou coisa alguma. Se somar o valor da CPMF, a movimentação não vai coincidir com o imposto de renda de ninguém…

O fisco, nesses casos, apenas “presume” uma sonegação, especialmente quando o contribuinte, fiscalizado anos depois, não guardou cópia de tudo o que fez.

Presumir sonegação não é admitido pela jurisprudência e essa posição é muito antiga. Veja-se a respeito:

“Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário.”

( 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841,in “Revista Fiscal” de 1970 , decisão nº 69).

“Provas somente indiciárias não são base suficiente para a tributação…”

(Primeiro Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Acórdão 68.574).

“Processo Fiscal – Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida.” (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in “Resenha Tributária” nº 8)

“Qualquer lançamento ou multa, com fundamento apenas em dúvida ou suspeição é nulo, pois não se pode presumir a fraude que, necessariamente, deverá ser demonstrada” (Tribunal Federal de Recursos, Apelação Civil nº 24.955 em Diário da Justiça da União,9/5/69)..

“Tributário- IR-Lançamento de ofício-Presunção- Depósito Bancário – Sinais exteriores de riqueza.- I-É ilegítimo o lançamento de ofício do Imposto de Renda, tomando-se como renda simples existência de depósito bancário (EAC 72.975-RJ, 4.11.82) – II – A presunção hominis adotada pela autoridade lançadora pode ser elidida mediante a demonstração de que os indícios utilizados pela administração são insuficientes para evidenciar a ocorrência do fato gerador, pois mera presunção não permite instauração de processo fiscal. (AMS 72.745-SP, 1ª Turma, 25/8/75) – III- Os depósitos bancários, embora possam refletir sinais exteriores de riqueza, não caracterizam por si só rendimentos tributáveis.” (Acórdão unânime da 5ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, REO 83.606-SP, Relator Ministro Pedro Acioli, julgado em 25/3/85.”

“Depósitos bancários-Omissão de Receita-No particular do debate, a jurisprudência se mostra casuística, dominando o princípio geral de que os cheques ou depósitos bancários, enquanto tais, em si e por si mesmos não configuram renda …o critério de base de cálculo adotado pelo órgão lançador se mostra precário e distorsivo, não podendo assim , ser erigido em método válido para fins de tributação. (Acórdão Unânime. Tribunal Federal de Recursos – Apelação Civel 60.977-SP, em 2/5/83)

“Os depósitos bancários…não caracterizam, por si só, rendimentos tributáveis…..Insustentabilidade do procedimento fiscal que se esteia em mera presunção resultante da comparação entre a soma dos depósitos e o montante dos rendimentos declarados.” (Tribunal Federal de Recursos, AC 156.230-CE, Diário da Justiça da União de 10/4/89, página 5.131).

Numa determinada autuação o fiscal exigia explicações sobre um cheque de pequeno valor. O contribuinte, perdendo a paciência, sugeriu que talvez aquele valor tivesse sido usado num prostíbulo, em benefício de uma senhora que mantinha com o fiscal certo parentesco… A coisa só não virou caso de policia porque o fiscal era quase um santo e achou melhor ignorar a injustificável grosseria do contribuinte que, por sinal, estava sob tratamento psiquiátrico…

A CPMF, por outro lado, viabiliza ou estimula a corrupção. Se houver algum fiscal corrupto, ele pode tentar extorquir o contribuinte, sob ameaça de vasculhar suas contas, de apreender seus extratos, etc. e tal. Infelizmente há contribuintes que gostam de corromper agentes do fisco.

Todos nós criticamos eventuais servidores públicos que se desviam de seus deveres e chegam a receber propinas. Lamentavelmente, também há pessoas sem caráter que acham “normal” alguém subornar o servidor, esquecendo-se que corrupção é uma via de duas mãos, com bandidos em ambos os lados.

Além de tudo isso, a CPMF é um tributo injusto pois, sendo cumulativo, onera toda a cadeia produtiva, influindo negativamente na formação dos preços finais, especialmente daquelas mercadorias consumidas pelas pessoas de menor poder aquisitivo. Eis aí a explicação para a inflação que ainda nos persegue e que está mais presente nos alimentos e nos produtos básicos consumidos pelos mais pobres.

Talvez se o nosso ministro do Planejamento tivesse estudado contabilidade e não geologia saberia disso, mesmo que tivesse sido expulso no último ano da faculdade…

Mas Sua. Excelência, depois de expulso da escola de geologia, fez concurso para o Banco do Brasil (ao que parece de escriturário) e virou sindicalista, essa maravilhosa atividade que transforma as pessoas em gênios.

Depois elegeu-se deputado, tornando-se secretário de Fazenda numa cidade do Paraná e também no Estado do Mato Grosso do Sul. Tudo obra de sua atuação sindical, sua filiação partidária e os votos que recebeu para ser deputado.

Qualquer um pode ser deputado. Para isso basta ter votos. Votos merecem respeito, mas não transformam os eleitos em sábios. Presume-se, todavia, que para ser Ministro de Planejamento num país que se pretende sério e numa economia em crescimento, votos não bastem. E nem vale ser geólogo, médico anestesista ou veterinário. Precisa ser “do ramo”. Como diz a música cantada por outro ministro, “cada macaco no seu galho…”

Quem afirma que são “sonegadores” os que combatem a CPMF, não apenas está a fazer uma calúnia, mas revela-se notório apedeuta…

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