Casos de cassação

Senador não consegue garantir sessões fechadas no Senado

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25 de setembro de 2007, 15h42

O senador Almeida Lima (PMDB-SE) não conseguiu garantir, no Supremo Tribunal Federal, o voto secreto em todas as fases de processos de cassação de senadores. A ministra Cármen Lúcia negou o pedido do senador por direito ao voto secreto e inviolável em todas as etapas de processos de cassação de mandato de senadores. O pedido ainda está pendente de julgamento de mérito, mas a relatora já aprofundou bastante a discussão apreciando a liminar.

De acordo com a ministra Cármen Lúcia, o regimento interno do Senado, bem como a resolução 20/1993, que criou a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, não contêm norma expressa sobre o regime de votação de parecer contra senadores por quebra de decoro parlamentar. Ainda segundo a ministra, a Constituição Federal é expressa ao definir voto secreto apenas para votação de perda de mandato de deputado ou senador, com maioria absoluta.

“Não se cuida aqui de pareceres prévios à decisão sobre a perda do mandato, que podem e são emitidos por órgãos fracionários, sem embaraço ou igualação de procedimentos com aqueles cuidados pela Constituição e que são de reserva do Plenário”, afirma a ministra.

Almeida Lima, aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), argumentava que o processo deveria ser sigiloso também no Conselho de Ética, assim como é no plenário do Senado, para proteger a posição de cada um dos parlamentares que compõem o Conselho. No Mandado de Segurança ele pedia, ainda, a notificação do presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, senador Leomar Quintanilha (PMDBA-TO), para que toda e qualquer votação referente a processo de cassação de mandato de senador fosse conduzida por votação secreta, inclusive, os pareceres de conclusão das Representações 2, 3 e 4, de 2007. As representações pedem a cassação de Renan Calheiros por falta de decoro parlamentar.

Para Cármen Lúcia, a exceção constitucional ao princípio da publicidade refere-se apenas à decisão sobre perda de mandato, o que não acontece na votação de parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. “No mais, há que se aplicar o princípio fundamental da publicidade, pelo qual se resguarda a cidadania, que exerce os seus direitos a partir do conhecimento do que decide o mandatário, no caso, o congressista”, conclui a ministra.

Leia o voto da ministra Cármen Lúcia

MANDADO DE SEGURANÇA 26.920-1 DF

RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

AUTOR: JOSÉ ALMEIDA LIMA

ADVOGADO: PAULO MAURÍCIO SIQUEIRA E OUTRO(A/S)

RÉU: CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DO SENADO FEDERAL

DECISÃO:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. MEDIDA LIMINAR. VOTAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DO SENADO FEDERAL: VOTO SECRETO; DIREITO ALEGADO DO IMPETRANTE AO VOTO ABERTO. NATUREZA DA VOTAÇÃO DA PERDA DE MANDATO PELO PLENÁRIO DA CASA CONGRESSUAL E DO PARECER DO CONSELHO DE ÉTICA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 55, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

1. Mandado de Segurança preventivo, com pedido de medida liminar, impetrado por José Almeida Lima, Senador da República, em 21.9.2007, pleiteando seja-lhe garantido o direito de proferir voto secreto na sessão do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal na qual será apreciada a Representação n. 2/2007 contra o Presidente do Senado Federal prevista para ser realizada no dia 26.9.2007, acentuando que “para que a tutela do direito líquido e certo individual seja efetiva, é imprescindível que o escrutínio secreto também seja imposto aos demais membros do Conselho de Ética, sob pena de identificação imediata do voto do ora Impetrante por uma simples regra de exclusão” (fl. 17-20).

2. Afirma o Impetrante ter sido realizada sessão no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal para apreciação da Representação n. 1/2007, no dia 30.8.2007, e que, na oportunidade, após debate entre o Presidente do digno órgão, Senador Leomar Quintanilha, e os Senadores Arthur Virgílio e Demóstenes Torres, estabeleceu o colegiado que a votação do parecer do Relator seria pelo regime de voto aberto.

Assevera haver forte possibilidade de se adotar idêntico procedimento na sessão marcada para o próximo dia 26, por não ter sido alterada a composição daquele Conselho. E argumenta que, como um de seus membros, teria o direito de proferir voto secreto em todas as etapas do processo para cassação de mandato de outros senadores, à luz do art. 55, § 2º, da Constituição.

Após defender a sua legitimidade ativa para a impetração, alega que:

“Como demonstrado acima, resta claro que a atual posição da maioria e, portanto, do próprio Conselho de Ética, é pela imposição de votação aberta em casos de pedido de cassação de Senadores da República, a despeito do que estabelece o § 2º do art. 55 da Constituição Federal. A existência dessa coação ilegal e abusiva gera o fundado receito de que nova violação ao direito líquido e certo do Impetrante será imposta pela Autoridade Coatora.

O referido justo receito é reforçado, acima de qualquer dúvida, quando se demonstra que foi definido pelo Conselho de Ética que será levado a julgamento, já na próxima semana, dia 26 (cf. Doc. 6 – Pauta e Convocação para a 9ª Reunião), mais uma representação pela cassação do mandato de um Senador, sendo fato que há mais duas a serem julgadas em breve.

De acordo com a Convocação e a Pauta da 9ª Reunião do Colegiado, a ser realizada na próxima quarta-feira, dia 26 de setembro próximo (vide Doc. 6), o Conselho de Ética deve iniciar o julgamento da Representação nº 2, de 2007, protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), cujo objeto é a cassação do mandato de um Senador da República, em conformidade com o § 2º do art. 55 da Constituição” (fl. 7-8).

E prossegue:

“O constituinte originário, ao consagrar o § 2º do art. 55, quis que os deputados federais e os senadores, ao decidir sobre a cassação de um Par, pudessem emitir seus votos sob proteção de qualquer influência que não a de suas próprias consciências.

Ainda que não se concorde com o texto constitucional, não se pode desrespeitá-lo, ao menos antes que o poder constituinte derivado promova a devida modificação seguindo o devido processo legislativo. Por mais justa que uma causa possa parecer, ou por mais convincente que seja um argumento de lege ferenda, a Constituição da República deve ser fielmente obedecida, cabendo ao Supremo Tribunal Federal zelar pelo seu cumprimento.

Nessa linha de raciocínio, não se pode conceber como a Constituição Federal protegeria a liberdade de voto dos parlamentares apenas parcialmente, ou distinguiria os que integram o Conselho de Ética dos que se pronunciam apenas em Plenário.

Ora, se a intenção do constituinte originário foi afastar os riscos de constrangimentos que o votante pode vir a sofrer, seja por ocasião da realização da votação, seja futuramente, após o sufrágio, cabe indagar que razão justificaria o sigilo do voto no Plenário e a sua declaração no Conselho de Ética.

Registre-se que esse direito público subjetivo pode ser exercitado em qualquer órgão fracionário da Casa Legislativa em que seja levada a efeito deliberação acerca de parecer que conclua pela cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.

(…)

Deveras, assim como os senadores que somente se pronunciam na Sessão do Plenário têm o direito subjetivo de manter seu voto em sigilo, os membros do Conselho de Ética também têm idêntico direito, não podendo, ao menos sem violações à literalidade do texto constitucional, ser constrangidos a declarar seu voto, pena de quebra da isonomia: Senadores em geral são protegidos pelo texto constitucional, exceto se integrar o Conselho de Ética, hipótese na qual teria suas garantias constitucionais restringidas.

(…)

Por todo o exposto, resta incontroverso que há um direito líquido e certo do Impetrante à proteção do voto secreto em processos de cassação de mandatos de Senadores. Tal proteção se estende a todas as instâncias de sua atuação no âmbito do Senado Federal, nos termos do § 2º do art. 55 da Constituição, Conselho de Ética inclusive. Não obstante, o recente posicionamento do Conselho no sentido de impor votação aberta violou e ameaça violar o referido direito, que merece proteção judicial por este e. Supremo Tribunal.

Como observação final, é mister ressaltar que no presente caso, para que a tutela do direito líquido e certo individual seja efetiva, é imprescindível que o escrutínio secreto também seja imposto aos demais membros do Conselho de Ética, sob pena de identificação imediata do voto do ora Impetrante por uma simples regra de exclusão” (fl. 17-20, grifos no original).

Ao final, invoca o art. 7º, inc. II, da Lei n. 1.533/1951, para requerer a medida liminar.

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.

3. Dispõe o art. 55, § 2º, da Constituição da República:

“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

(…)

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado da República, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”

4. O Regimento Interno do Senado Federal bem como a Resolução n. 20/1993 – que criou a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal – não contêm norma expressa sobre o regime de votação do parecer exarado sobre representação contra um dos membros da nobre Casa por quebra de decoro parlamentar.

O Impetrante afirma que, se a perda do mandato será decidida por voto secreto pelo Senado Federal, também a votação do parecer naquele órgão – o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar – haveria de ser, sob pena de ter revelada e pública a posição de cada um dos parlamentares que o compõem.

5. A argumentação expendida pelo nobre Impetrante – sobre matéria de inegável importância constitucional e política – não cumpre, entretanto, o requisito legal de dotar-se de fundamento relevante e possibilidade de ineficácia da medida, se, ao final, a decisão proferida nesta ação vier a ser favorável à pretensão formulada, para os específicos fins de deferimento da liminar, nos termos do art. 7º, inc. II, da Lei n. 1.533/51.

6. De se enfatizar, inicialmente, que dois são os momentos e os objetivos do procedimento descrito na peça inicial da presente ação: o da votação do parecer pela Comissão de Ética e o da votação da perda de mandato de parlamentar no Plenário do Senado Federal.

A Constituição brasileira cuida, no art. 55, § 2º, expressamente, do processo decisório da perda do mandato do Deputado ou do Senador pela respectiva Casa (Câmara ou Senado). É taxativo o texto constitucional: “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado da República, por voto secreto e maioria absoluta…”.

Ao se referir à maioria absoluta da Casa processante, é certo que está a norma a se referir ao Plenário, no qual se dá a apreciação e decisão da imputação de comportamento afrontador ao decoro parlamentar ou infrator de qualquer das outras causas constitucionais tidas como ensejadoras do processo. Não se cuida, aqui, de pareceres prévios à decisão sobre a perda do mandato, que podem e são emitidos por órgãos fracionários, sem embaraço ou igualação de procedimentos com aqueles cuidados pela Constituição e que são de reserva do Plenário.

A norma constitucional excepciona, assim, a aplicação do princípio da publicidade – ínsito ao regime democrático e à forma republicana de governo e, ainda, à transparência política que domina todas as formas de atuação dos órgãos e entes do Poder Público – impondo a adoção do voto secreto pela maioria absoluta dos membros da Casa. Vê-se, assim, que as imposições contidas na norma “voto secreto” e “maioria absoluta” referem-se, exclusivamente, à decisão da perda do mandato pela Casa competente, vale dizer, pelo plenário do órgão.

Cuida-se de norma excepcional, insista-se, pois o princípio que informa o sistema constitucional vigente – democrático e republicano – é o da publicidade dos atos do Poder Público e dos comportamentos daqueles que compõem os seus órgãos.

Como afirmei em escrito sobre aquele princípio, “não basta, pois, que o interesse buscado pelo Estado seja público para se ter por cumprido o princípio em foco. Por ele se exige a não obscuridade dos comportamentos, causas e efeitos dos atos da Administração Pública, a não clandestinidade do Estado, a se esconder do povo em sua atuação. A publicidade … é que confere certeza às condutas estatais e segurança aos direitos individuais e políticos dos cidadãos. Sem ela, a ambigüidade diante das práticas (estatais) conduz à insegurança jurídica e à ruptura do elemento da confiança que o cidadão tem de depositar no Estado. A publicidade resulta, no Estado Contemporâneo, do princípio democrático. O poder é do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Brasileira), nele reside, logo, não se cogita de o titular do poder desconhecer-lhe a dinâmica. … o princípio da publicidade reforça-se mais ainda em casos como o brasileiro. Tendo sido a República a opção da sociedade brasileira sobre a sua forma de governo, a publicidade passa a fundamentar a institucionalização do Poder segundo aquele modelo. Por isso a publicidade nomeia o Estado brasileira, que é uma ‘República Federativa’. … Considerando-se que a Democracia que se põe à prática contemporânea conta com a participação direta dos cidadãos, especialmente para efeito de fiscalização e controle da juridicidade e da moralidade administrativa, há que se concluir que o princípio da publicidade adquire, então, valor superior ao quanto antes constatado na história, pois não se pode cuidar de exercerem os direitos políticos sem o conhecimento do que se passa no Estado. Não se exige que se fiscalize, se impugne o que não se conhece” (Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1993, p. 240).


O princípio informador do modelo estatal da República Democrática, constitucionalizado no Brasil em 1988, é o da publicidade e a ele se submetem todos os comportamentos estatais.

7. Daí ter-se por exceção, constitucionalmente expressa, a adoção do regime secreto de votação para a decisão da perda de mandato do parlamentar (Deputado ou Senador), o que somente se dá pelo Plenário da respectiva Casa.

Como exceção a interpretação e aplicação haverá de ser restrita, como é próprio dessa condição. É a lição de Carlos Maxilimiliano, segundo o qual: “Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção, numa particular; aquela baseia-se mais na justiça, esta, na utilidade social, local ou particular exceptiones sunt strictissimoe interpretationis (‘interpretam-se as exceções estritissimamente’)… O princípio entronca nos institutos jurídicos de Roma, que proibiam estender disposições excepcionais, e assim denominavam as de direito exorbitante…isto é, os preceitos estabelecidos contra a razão de Direito; limitava-lhes o alcance, por serem um mal, embora mal necessário. … As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente”(MAXILIMINANO, Carlos – Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, os. 225 e segs.- grifos nossos).

8. Na espécie em pauta, o que se postula é que se tenha como regra constitucional intangível o que na regra invocada (§ 2º do art. 55) não se contém.

O que põe a regra do § 2º do art. 55 da Constituição é que a decisão pela maioria da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal sobre perda de mandato de um de seus membros se dará por voto secreto.

A votação do parecer exarado no Conselho de Ética de uma das Casas do Congresso Nacional sobre pedido de apreciação de comportamento de um de seus membros, para os fins de encaminhamento à Comissão de Constituição e Justiça e, posteriormente, ao Plenário, no qual se dará a decisão sobre a perda do mandato do parlamentar, não pode ser confundido com o próprio procedimento deliberatório, único a ser cuidado pela norma do § 2º do art. 55 da Constituição.

9. O parecer exarado no Conselho de Ética de uma das Casas do Congresso Nacional sobre pedido de perda de mandato de um dos seus membros tem natureza jurídica de ato administrativo prévio e não vinculante para os fins de processamento do pleito no Plenário da Casa Congressual sobre a decisão a ser proferida quanto ao pedido formulado.

Diversamente, a decisão sobre a perda do mandato de parlamentar é exclusiva do Plenário da Casa de que ele faça parte e tem natureza constitutiva terminativa para os fins específicos de absolvição ou de punição política do congressista. Reveste-se essa decisão de natureza quase jurisdicional, porque, no processo de deliberação sobre a conduta de um de seus Pares, a Casa Congressual aprecia e afirma se terá sido, ou não, praticado ato de infração constitucional infirmador do mandato, a saber, desobediência a qualquer das proibições estabelecidas no art. 54, da Constituição, procedimento incompatível com o decoro parlamentar ou perda ou suspensão dos direitos políticos do processado.

A distinção é tão mais nítida quando se verifica o número de vezes em que o pronunciamento do Conselho de Ética de qualquer das Casas é encaminhada ao respectivo Plenário e ali não é acatado, tendo-se decisão em sentido oposto ao que ponderado pelo órgão ético aconselhador.

10. A exceção constitucional ao princípio da publicidade – no caso, pela adoção do voto aberto e, portanto, público -, constante do § 2º do art. 55 da Constituição brasileira, refere-se à decisão sobre a perda do mandato, o que não é o que se dá na votação do parecer emitido no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da respectiva Casa Congressual.

Aquela exceção é obrigatória, nos termos constitucionalmente postos. Como bem leciona José Afonso da Silva sobre a norma, “… a perda do mandato será decidida pela Casa do imputado, por voto secreto e maioria absoluta. O voto tem que ser secreto. A casa não pode mudar isso. O voto aberto está fora de cogitação legítima, por mais que isso possa ser tido como desejável. Só emenda constitucional pode mudar esse critério. A resolução de perda de mandato, no caso, requer aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa. Maioria absoluta se constitui a partir do primeiro número inteiro acima da metade dos membros da Casa” (SILVA, José Afonso – Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 424).

Entretanto, como asseverado antes, a exceção atém-se ao que a norma constitucional estabelece, sob pena de comprometimento do sistema democrático positivado. No mais, há que se aplicar o princípio fundamental da publicidade, pelo qual se resguarda a cidadania, que exerce os seus direitos a partir do conhecimento do que decide o mandatário, no caso, o congressista.


Aplicar a regra excepcional, ao que na exceção não se contém, seria inverter os termos de interpretação constitucional a ser adotada, a saber, o que foge ao ordinário interpreta-se e aplica-se restritivamente, circunscrevendo-se à situação constitucionalmente descrita. No caso, a exceção atém-se à decisão sobre a perda de mandato pelo Plenário na Casa do Congressual Nacional de cujos quadros faça parte o congressista ao qual se impute um dos comportamentos previstos nos incisos do art. 55 da Constituição.

11. De se anotar que o voto proferido pelo Impetrante ou qualquer dos seus Pares no Conselho de Ética do Senado Federal, seja ele pela aprovação seja pelo arquivamento do requerimento de processamento de um dos Senadores para os fins de apenar-lhe com a perda do mandato, não o vincula a favor ou contra o requerimento quando da decisão em Plenário, tanto que ali proferirá voto autônomo e secreto, sem se prender ao modo como antes atuou, se for um dos membros que tenha tido participação no Conselho de Ética.

12. Diferentemente do que observa o nobre Impetrante, não se tem configurado, na espécie, o justo receio de serem os membros do Conselho de Ética da Casa Congressual tratados de forma diferenciada – ou supostamente discriminada – em relação aos demais Senadores.

Todos os congressistas são preservados pelo sigilo de seu voto no Plenário. Como estão atuando em momentos e procedimentos diferenciados, cuidando-se de práticas políticas de natureza diversa, com efeitos distintos, não há qualquer ruptura ao princípio da igualdade entre os que compõem o Conselho de Ética e os que o integram. A uma, porque a atuação do Senador, no momento da apreciação do pedido para fins de se decidir sobre a perda, ou não, do mandato de um de seus pares se dará no Plenário e, ali, o voto é secreto, conforme posto na norma constitucional que tanto assegura. A duas, porque com tal resguardo, garante-se a não vinculação ou garantia de identidade do comportamento do Parlamentar nos dois momentos em que tenha atuado, podendo ele votar de uma forma no Conselho de Ética e de outra, se a tanto se convencer posteriormente, no Plenário da Casa Congressual. A três, porque apenas alguns congressistas compõem o Conselho de Ética, pelo que se se fosse adotar tal entendimento poder-se-ia concluir que os que não integram o Conselho teriam situação diferenciada perante os cidadãos brasileiros, porque a eles poderiam ser imputados, exclusivamente, os resultados num ou noutro sentido quando da tomada de decisão sobre a perda do mandato. É que, mesmo não havendo a vinculação do voto proferido no Conselho de Ética e, posteriormente, no Plenário, haveria uma tendência a se acreditar que o voto dado naquele órgão fracionário tenha se repetido no colegiado total, o que pode não ter ocorrido. Logo, descontados os votos dos membros do Conselho de Ética, estariam em situação politicamente menos confortável os congressistas que, não compondo o órgão aconselhador, não pudessem ter pública a sua manifestação.

A votação secreta realizada no Plenário da Casa Congressual – no caso em foco, o Senado Federal – protege a manifestação de todos os senadores, incluídos aqueles que tenham participado da votação aberta tomada no Conselho de Ética, pois não seria possível afirmar ter havido a confirmação do quanto se dera em sua anterior manifestação.

14. Distintas a votação na Comissão de Ética e a realizada no Plenário do Senado Federal e, ainda, pela circunstância de ser o princípio informador do sistema constitucional o da publicidade dos atos estatais, não há como se ter como juridicamente relevante o fundamento apresentado pelo nobre Impetrante para os fins precípuos de deferimento da medida liminar requerida, no sentido de se impor seja secreto o voto a ser dado por todos os senadores integrantes do Conselho de Ética do Senado Federal nas próximas assentadas do digno órgão.

Insista-se ser não apenas relevante como de incontestável qualidade fundamental a matéria posta à apreciação na presente ação constitucional, por se cuidar de tema nuclear no sistema a aplicação do princípio da publicidade aos atos estatais. Porém, o relevo do fundamento que o art. 7º, inc. II, da Lei n. 1533/51 estatui como requisito para o deferimento da liminar é, na preleção de Sérgio Ferraz, “como fundamento a relação de adequação lógico-jurídica entre os fatos descritos e as conseqüências postuladas. E como relevância a plausibilidade imediatamente aparente de que, em tese, os fatos descritos possam confluir para as conseqüências pleiteadas na impetração … Como adequadamente lecionou Adhemar Ferreira Maciel… o juiz concederá a liminar não porque o direito subjetivo invocado lhe pareça provável, mas também apenas porque possível. … Não se configura, por exemplo, o caso quando o argumento é de suposta incompatibilidade entre a lei que contrarie a pretensão e a Constituição, eis que vigora em nosso sistema jurídico a presunção de constitucionalidade das leis…” (FERRAZ, Sérgio – Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 254).


Na espécie vertente, as alegações do nobre Impetrante centram-se no que seria, segundo afirma, incompatibilidade entre a decisão vislumbrada a partir do cuidado sobre a forma de votação adotada pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, do Senado Federal, e a Constituição do Brasil.

Todavia, como antes realçado, a argumentação apresentada na peça inicial da presente ação constrói-se no sentido de ser inconstitucional a decisão do Conselho de Ética daquela Casa Congressual ao adotar o princípio constitucionalmente consagrado como determinante – o da publicidade dos comportamentos estatais e dos agentes que compõem os seus órgãos incluídos os políticos -, reservando a aplicação da exceção a esse princípio aos estreitos limites que a ele se ateve a norma constitucional contida no art. 55, § 2º.

De se concluir, portanto, não se ter comprovado o requisito do relevante fundamento estampado no art. 7º, inc. II, da Lei n. 1.533/51, para os fins liminares buscados pelo nobre Impetrante.

15. Acrescente-se não se demonstrar, também, o alegado perigo de ineficácia da segurança eventualmente concedida quando do julgamento do mérito da presente impetração, uma vez que o pedido formulado firma-se no sentido de que se determine “ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal que toda e qualquer votação referente a processo de cassação de mandato de Senador seja conduzida por escrutínio secreto, nos termos do § 2º do art. 55 da Constituição da República, e, em especial, os pareceres de conclusão das Representações nº 2, 3 e 4, de 2007” (fl. 21).

16. Mais ainda, enfatiza o Impetrante ser “mister ressaltar que no presente caso, para que a tutela do direito líquido e certo individual seja efetiva, é imprescindível que o escrutínio secreto também seja imposto aos demais membros do Conselho de Ética, sob pena de identificação imediata do voto do ora Impetrante por uma simples regra de exclusão” (fl. 17-20, grifos no original).

Pretende-se, assim, que se tenham estendidos os efeitos da medida pleiteada aos demais Parlamentares que compõem o Conselho de Ética do Senado Federal, pelo que estar-se-ia dirigindo a ordem contra aqueles que passam a figurar, na relação processual ora afirmada, como litisconsortes necessários, porque estariam sendo, direta e imediatamente, atingidos pela decisão judicial.

Como assentado na jurisprudência dos tribunais brasileiros e ensinado pela melhor doutrina, configura-se situação de litisconsórcio necessário na causa em que o seu objeto atinge, processualmente, mais de uma pessoa em conjunto e a nenhum isoladamente, “pelo que” – ensina, dentre outros, Hely Lopes Meirelles – “a ação não pode prosseguir sem a presença de todos no feito, sob pena de nulidade do julgamento… nas impetrações em que há beneficiários do ato… impugnado, esses beneficiários são litisconsortes necessários, que devem integrar a lide, sob pena de nulidade do processo” (MEIRELLES, Hely Lopes – Mandado de segurança… . São Paulo: Malheiros, 2006, p. 70).

A situação litisconsorcial vislumbrada na espécie mais ainda se acentua pela descrição feita pelo próprio Impetrante, ao relatar ter havido debate entre os membros do Conselho de Ética do Senado Federal sobre a adoção do princípio constitucional em detrimento de prática que parecia a ele contrária (a do voto secreto) e que fora antes adotado, por interpretação da extensão, ao procedimento ali cursivo, do quanto se acatava para as votações havidas no Plenário da Casa Congressual na apreciação e decisão sobre perda de mandato de Parlamentar.

17. Não seria possível, juridicamente, adotar-se medida em detrimento daquela decisão, em sede de liminar, quando o provimento do Conselho de Ética, quanto à matéria relativa ao modo de tomada de votação do parecer exarado no processamento de um dos Pares, foi objeto de debate e decisão pelos membros do próprio órgão, tendo em vista exatamente a melhor forma de dar aplicação ao princípio constitucional da publicidade.

18. Carentes dos requisitos estabelecidos no art. 7º, inc. II, da Lei n. 1.533/51 e art. 203, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, indefiro a medida liminar pleiteada pelo Impetrante.

19. Notifique-se a autoridade tida como coatora, para prestar as informações no prazo improrrogável de dez dias (art. 7º, inc. I, da Lei n. 1.533/51 c/c art. 203 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

20. Notifiquem-se os membros do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal para integrar a ação na condição de litisconsortes necessários e, querendo, apresentando as suas alegações no prazo legal.

21. Na seqüência, dê-se vista à Procuradoria-Geral da República (art. 205 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 25 de setembro de 2007.

MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, Relatora

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