Estado chantagista

Acordo da Serasa com Procuradoria é coercitivo ao contribuinte

Autor

  • Gesiel de Souza Rodrigues

    é advogado Tributarista titular da Souza Rodrigues e Lisboa Advogados pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet)/IBDT professor e ex-presidente da Comissão de Estudos Tributário – OAB – 5ª Subsecção.

24 de setembro de 2007, 0h00

Conforme amplamente divulgado pela imprensa, a Procuradoria da Fazenda Nacional está por firmar convênio com Serasa que o permitirá lançar em seus cadastros os contribuintes considerados inadimplentes junto ao fisco federal.

Ainda que os argumentos utilizados pela PGFN tenham um colorido de moralização e pretensa defesa do interesse público consistente na aplicação de meio eficaz de arrecadação, na realidade o que se revela claramente é a adoção de meio coercitivo em face do contribuinte.

Inicialmente é fundamental ter sempre em mente que qualquer meio de restrição deve sempre ser empregado como medida de exceção e jamais como regra. Assim, é importante destacar que o fato do contribuinte estar sendo considerado inadimplente junto ao fisco não importa afirmar que este pretenso débito exista concretamente em sua extensão e profundidade.

Ademais, torna-se necessário classificar a figura do “contribuinte inadimplente” e para tanto traz a colação excerto do elucidativo artigo da lavra de Aires Fernandino Barreto e Gilberto Gonçalves Rodrigues (RDDT 116). Veja-se a propósito a classificação apresentada pelos autores:

A. Aqueles que são declarados devedores por erro da administração fazendária;

B. Aqueles que são devedores sem saber em razão de furtos de seus documentos fiscais;

C. Aqueles que são surpreendidos por Auto de Infração na certeza de que adotavam a postura legal sendo a) aqueles que estavam enganados e b) aqueles que foram vítimas;

D. Aqueles que não pagam porque não podem, não por uma opção consciente e desejada (alta carga tributária);

E. Aqueles que não pagam ou deixam de pagar compelidos por uma lei de sobrevivência;

F. Aqueles que praticam a sonegação por hábito e de forma regular e por deformação de caráter.

Diante dessa poliformia de possíveis ocorrências não se pode admitir que condutas várias sejam colocadas na mesma situação e tenham o mesmo tratamento por parte da legislação. Novamente se faz necessário o alerta de que medidas restritivas devem apenas ser aplicadas em casos excepcionais.

Diante desse quadro indaga-se: A Procuradoria da Fazenda Nacional tem como promover a separação das hipóteses acima elencadas, de modo a evitar a negativação indevida junto ao Serasa? A negativa se impõe.

A presunção relativa de que goza a inscrição do crédito é suficiente para autorizar a negativação? Novamente a negativa se impõe.

Ora, se não é possível separar de forma ideal tais ocorrências, tal qual o joio do trigo, como aceitar a sistemática de negativação feito tabula rasa, que imporá inúmeras dificuldades para as pessoas físicas e jurídicas no seu cotidiano?

A nítida impressão que fica ao contribuinte é a de se sentir chantageado pelo poder estatal, que o ameaça a promover o recolhimento antes mesmo de permitir o exercício, por parte do contribuinte, do seu legítimo direito a mais ampla apreciação da matéria pelo Poder Judiciário, sob pena de não o fazendo encaminhar seus dados ao Serasa e via de conseqüência dificultar sua vida negocial.

O que resta patente é que o possível convênio que será firmado entre a PGFN e o Serasa terá como único objetivo promover pressão junto aos contribuintes, a fim de compeli-los ao pagamento. Surge dessa ocorrência a indesejável figura do Estado Chantagista, ou seja, aquele que adota medidas coercitivos com o único objetivo de arrecadar, a desprezar direitos e garantias dispostas a favor dos contribuintes, especialmente na Carta Maior.

Contudo, o poder de tributar não pode ser o poder de destruir (inverte-se aqui o axioma de Marshall). Portanto a adoção de meios coercitivos vem sendo reiteradamente afastada pelo Judiciário. A propósito o Supremo Tribunal Federal já se manifestou contrário a adoção de meios de coerção estatal:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO – INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF)

É pacífica a jurisprudência no sentido de que não se deve admitir a suspensão de inscrição de funcionamento de estabelecimento com fins de cobrança de tributo. O Poder Público deve utilizar o meio legal adequado. Firma-se o entendimento esposado nas Súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal que não modificou o seu entendimento. (TJES – AgRg-AI 011059000841 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Ronaldo Gonçalves De Sousa – J. 29.11.2005)” REMESSA EX OFFICIO – 1) PAGAMENTO DE TRIBUTO – MEIO COERCITIVO – SUSPENSÃO DE INSCRIÇÃO ESTADUAL – VEDAÇÃO – OFENSA AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 170, DA CF/88 – 2) RECUSA AO RESTABELECIMENTO DA INSCRIÇÃO ESTADUAL – ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL – OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – ENTENDIMENTO – VIOLAÇÃO Á LEGALIDADE – INOCORRÊNCIA – APELO VOLUNTÁRIO IMPROVIDO – REMESSA PREJUDICADA

Diante de tal quadro, em sede administrativa, torna-se inconcebível a remessa de dados para negativação junto ao Serasa, quer em razão da impossibilidade de promover separação ideal entre as figuras (contribuintes) tidas como inadimplentes ou ainda pelo fato de que aludida sistemática se revela forma de coerção estatal vedado em um Estado Democrático de Direito.

Portanto, esse convênio é inoportuno, equivocado e gravoso para os contribuintes, que se vêem a mercê de uma postura exagerada e punitiva, que por sua vez restringe direitos e garantias constitucionais dispostas a favor das pessoas físicas e jurídicas desse país.

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