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Cortes mudam de posição e geram insegurança na sociedade

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23 de setembro de 2007, 0h01

Tema polêmico e que esta intrigando não só a comunidade jurídica, mas toda a sociedade brasileira é, hoje, sem dúvida, a instabilidade no posicionamento jurídico das altas cúpulas do Judiciário, já que, não raro, o STJ e o STF têm mudado radicalmente o seu entendimento em relação a determinados temas, principalmente na órbita tributária.

Em junho deste ano, após uma longa batalha judicial entre contribuintes e a Fazenda Nacional, a Seção de Direito Público do STJ, adotando posição contrária a vários precedentes da Corte, achou por bem colocar um ponto final na celeuma do crédito-prêmio do IPI. Asseverou que, de acordo com a vontade real do legislador (Decretos-leis 1.658/69 e 1.722/79), referida espécie de incentivo fiscal foi extinta em 1983, sendo indevido, por conseguinte, o aproveitamento de qualquer crédito desta natureza, quer pelas empresas produtoras, quer pelas “tradings”.

Não fosse o bastante, o STF, em março, decidiu julgar constitucional a cobrança da Cofins em relação às sociedades de profissão regulamentada. Além disso decidiu inadmitir, um mês antes, o direito do contribuinte ao aproveitamento dos créditos de IPI oriundos de insumos tributados à alíquota zero ou não-tributados, questões que, com fundamento em precedentes do próprio Colegiado, pareciam já estar sedimentadas em favor das empresas.

Sem adentrar no mérito das decisões, o fato é que muitos contribuintes, munidos de provimentos jurisdicionais favoráveis, encontram-se gozando de tais atenuantes da carga tributária. Esse fato é, no mínimo, preocupante, já que, sem prejuízo da lavratura de autos de infração contra aqueles que estejam valendo-se de liminares e outras tutelas jurisdicionais provisórias, a legislação brasileira consagra a possibilidade de, no prazo de 2 anos, ser anulada toda e qualquer decisão judicial definitiva que, dentre outras hipóteses, viole disposição de lei.

Ou seja, diante de tal perspectiva, é quase certo que a Fazenda Nacional, além das represálias administrativas acima mencionadas, adote a mesma postura que adotou entre 1993 e 1994, quando o STF, na contramão de precedentes favoráveis ao contribuinte, decidiu declarar que a cobrança da CSLL era, em verdade, constitucional, com exceção da arrecadação do imposto no primeiro ano de sua instituição, leia-se, 1988 (Lei 7.689/88, artigo 8º).

Naquela oportunidade, a Fazenda Nacional obteve a anulação de diversos julgados definitivos através do manejo de ações rescisórias e, ato contínuo, iniciou a execução fiscal de empresas que, embora tivessem vencido demandas nas quais foi reconhecido que a Lei 7.689/88 era inconstitucional como um todo, deixaram de recolher o imposto por período maior.

Como as questões relativas à isenção da Cofins e ao crédito do IPI envolvem bilhões de reais em arrecadação, muitos advogados já esperam pelo pior. E, superada a questão acerca da falta de instrumentos capazes de afastar, com algum êxito, reprimendas administrativas, iniciaram-se as discussões a respeito das linhas de defesa do contribuinte diante de eventual aforamento de ação rescisória pela Fazenda Nacional.

Relativamente ao crédito-prêmio do IPI, de salientar que, como toda a celeuma girou em torno da sobrevida, ou não, do referido incentivo fiscal, surgem opiniões no sentido de que, caso o debate encerre-se com a recente decisão do STJ (REsp 738.689), que conferiu à lei, em tese, a melhor interpretação jurídica, a rediscussão do tema em sede de ação rescisória encontraria óbice na Súmula 343 do STF, que diz ser inadmissível tal medida quando a alegada violação à disposição de lei se fundar em interpretação divergente nos Tribunais.

Em contrapartida, tratando-se de decisão definitiva baseada em lei ou interpretação de lei cuja constitucionalidade foi apreciada pelo STF, como, por exemplo, a questão dos créditos de IPI sobre insumos tributados à alíquota zero ou não-tributados, a situação é bem diferente.

Tendo em vista que o próprio Supremo entende ser cabível a rescisória nestes casos, ainda que baseada em controle difuso de constitucionalidade, a tese jurídica mais adequada diante de qualquer medida desta natureza reside na alegação de que, em relações jurídico-tributárias da espécie ora em análise, onde o contribuinte deixa de recolher o tributo ou se aproveita de algum crédito de forma continuada. Os efeitos de eventual sentença rescisória só podem produzir efeitos para o futuro, a exemplo do que acontece nas ações revisionais de alimentos.

Tal entendimento busca por a salvo não só os princípios da segurança jurídica e da boa-fé, mas também a própria natureza jurídica da relação fisco-contribuinte, que, nestes casos, por ser, repita-se, de trato sucessivo, ou seja, composta de atos contínuos e independentes entre si, somente pode ser alterada a partir do momento que o evento modificativo tenha, de fato, acorrido.

Nota-se, porém, que toda a argumentação é no sentido de impedir que a vantagem obtida pelos contribuintes seja cobrada de volta, pois, caso o Fisco tenha êxito na rescisória, será impossível manter a fruição de quaisquer créditos ou isenções obtidos mediante decisão judicial definitiva a menos de 2 anos, prazo fatal para o manejo da referida ação.

Enfim, seja qual for a linha de defesa a ser adotada, a realidade é que questões que pareciam estar encerradas, com a vitória do contribuinte em caráter excepcional, prometem assolar o Poder Judiciário por mais longos anos. Mas, desta vez, com a Fazenda Nacional na condição de demandante injustiçada e ávida pela cobrança daquilo que deixou de arrecadar, ainda que isso possa parecer incongruente, injusto e não tenha outro escopo senão o de instaurar na sociedade um clima de incerteza e insegurança jurídica, percalço que, com o devido respeito aos ministros do STF e STJ, poderia ter sido evitado caso as referidas Cortes fossem mais reticentes antes de simplesmente alterarem posicionamentos que outrora pareciam estar consolidados, sobretudo em relação a questões de enorme repercussão social e econômica.

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