Prerrogativa limitada

Estatal que atua no mercado não tem privilégios com Fazenda

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22 de setembro de 2007, 0h00

Empresa pública não goza de privilégios concedidos pela Fazenda Nacional, como é o caso da Administração direta das autarquias e fundações públicas. Com esse entendimento, os juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF) negaram recurso da empresa Novacap — Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil —, que tentava evitar um leilão e quitar dívidas trabalhistas através de precatórios.

Os precatórios são dívidas que União, estados ou municípios têm de pagar, por decisão judicial, após a questão ser julgada em definitivo (sem caber mais nenhum recurso). Os pagamentos são feitos em ordem cronológica.

A Novacap, uma das mais antigas empresas do Distrito Federal, recorreu ao TRT para tentar suspender decisão da 2ª Vara do Trabalho de Brasília. A vara mandou leiloar conjunto de edifícios da empresa para pagar seus funcionários. O objetivo da empresa, no entanto, era liquidar a dívida com precatórios.

No recurso, a empresa alegou que o Tribunal de Contas do Distrito Federal, ao qual é jurisdicionada, determinou que fossem tomadas as medidas judiciais possíveis para evitar a oneração de seu patrimônio.

Afirmou ser empresa pública do complexo administrativo do Distrito Federal, com finalidade de executar obras e serviços de urbanização e construção civil de interesse da Federação, prestando exclusivamente serviços públicos, não relacionados com exploração de atividade econômica.

Alegou, também, que a penhora determinada pela Vara do Trabalho deveria ser anulada porque o processo de execução da empresa teria de ser acompanhado pelos termos dos artigos 730 do Código de Processo Civil e 100 da Constituição Federal.

O artigo 730 diz que na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública a devedora deve ser citada para entrar com embargos em 10 dias e se ela não contestar, no prazo legal, aguardar 30 dias.

Os argumentos não foram aceitos. O juiz explicou que a empresa não pode se valer da prerrogativa porque não é prestadora de serviço estritamente público, muito menos de prestação exclusiva a cargo do Estado, como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios).

Para o juiz relator Grijalbo Fernandes Coutinho, não é possível conciliar atividade econômica, que a rigor pode ser exercida por qualquer empresa privada, com os privilégios conferidos à Fazenda Pública. Ele destacou, ainda, que o Tribunal de Contas do Distrito Federal não ostenta a qualidade de órgão integrante do Poder Judiciário, razão por que se mostra equivocado falar-se em jurisdição.

De acordo com ele, o pedido da empresa para afastar a penhora é juridicamente impossível. Explicou que a contestação deveria ser feita nos próprios autos da execução. “O ato que a autora pretende ver anulado é a penhora que incidiu sobre edifícios que compõem a sede da própria empresa. Ocorre que a penhora não é ato passível de invalidação em ação anulatória”, afirmou.

“Finalmente, registro que a autora sequer trouxe cópia do auto referente à penhora que pretende anular, circunstância que impede verificar se a presente ação fora de fato proposta dentro do prazo decadencial indicado no artigo 495 do CPC”, finalizou o juiz ao negar o recurso.

TRT-00009-2006-002-10.00-2-RO — ACÓRDÃO 3ª TURMA /2007

ACÓRDÃO PUBLICADO NO DJ DE 31.08.2007, PÁGINA 60

RELATOR: JUIZ GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

REVISORA: JUÍZA MÁRCIA MAZONI CÚRCIO RIBEIRO

RECORRENTE: Abadia Batista Pereira e outros

ADVOGADO: Ulisses Riedel de Resende

RECORRIDO: Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP

ADVOGADO: Antônio Marques dos Reis Filho

ORIGEM: 02ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF

(Juíza ODELIA F. NOLETO)

EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE PENHORA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Somente os atos processuais praticados pelas partes e as sentenças meramente homologatórias sujeitam-se a anulação pela via da ação prevista no art. 486 do CPC. Os atos a que se refere o mencionado dispositivo legal são apenas aqueles de disponibilidade das partes, que importem no desfecho do processo, como por exemplo a desistência de um recurso ou a outorga de poderes em procuração passada nos autos. “Não obstante lhes chame ‘judiciais’, porque realizados em juízo, quer a lei referir-se a atos das partes. Ato praticado por órgão judicial é insuscetível de ataque pela ação anulatória do art. 486″ (BARBOSA MOREIRA). Conseqüentemente, a penhora não é ato passível de invalidação em ação anulatória. Recurso conhecido e provido.

I – RELATÓRIO

A Exma. Juíza do Trabalho ODÉLIA FRANÇA NOLETO, Titular da MMª 2ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, proferiu a r. sentença de fls. 377/380, complementada às fls. 391/392, julgando procedente o pedido deduzido por Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP em face de Abadia Batista Pereira e outros.


Inconformados, recorrem ordinariamente os réus às fls. 394/403, pretendendo a extinção do processo sem resolução do mérito ou, sucessivamente, o indeferimento do pedido inicial.

Contra-razões apresentadas às fls. 407/412.

Custas processuais comprovadas à fl. 404.

Sem parecer ministerial.

É, em resumo, o relatório.

II – V O T O

1. ADMISSIBILIDADE

Em decisão monocrática, neguei seguimento ao recurso ordinário interposto pelos réus, com fulcro no art. 557, caput, do CPC, entendendo irregular a representação processual dos recorrentes (fl. 417).

Pela decisão de fls. 421/422, reconsiderei a decisão antes exarada, concluindo cuidar o caso concreto de mandato tácito.

Portanto, regular a representação dos recorrentes e presentes os demais pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

2. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO (AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO)

Argúem os réus a impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que a ação ajuizada encontra óbice na falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, além de o pedido ser juridicamente impossível.

A preliminar não merece acolhida.

Não se vislumbra a ausência de qualquer pressuposto de existência ou desenvolvimento válido e regular da relação processual, tanto que os recorrentes não especificam qual seria o requisito faltante.

Outrossim, inexiste impossibilidade jurídica do pedido, condição esta que deve ser pesquisada em caráter abstrato pelo julgador.

Com efeito, requereu a autora a anulação de ato praticado na execução que lhe foi movida pelos réus.

Tenho, pois, que está presente a mencionada condição da ação, eis que a pretensão deduzida na petição inicial, em tese, encontra agasalhamento legal, com previsão no art. 486 do CPC.

Na precisa definição do processualista Moacyr Amaral Santos, “Possibilidade jurídica do pedido é a condição que diz respeito à pretensão. Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão, em abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo. Ou, mais precisamente, o pedido deverá consistir numa pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor” (in, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Página 166 1º Volume, Editora Saraiva, 14ª Edição, São Paulo SP).

Inviável, portanto, a extinção do processo sem resolução do mérito, com amparo no art. 267, IV e VI, do CPC.

Rejeito a prefacial.

3. MÉRITO

A autora ajuizou a presente ação, pretendendo a anulação da penhora realizada nos autos do processo nº 191-1988, que recaiu sobre o conjunto de edifícios de sua sede, com leilão designado para o dia 30/01/2006.

Alegou que o Tribunal de Contas do Distrito Federal, ao qual é jurisdicionada, determinou que fossem tomadas as medidas judiciais possíveis para evitar a oneração de seu patrimônio.

Afirmou ser empresa pública do complexo administrativo do Distrito Federal, com finalidade de executar obras e serviços de urbanização e construção civil de interesse deste ente da Federação, prestando exclusivamente serviços públicos, não relacionados com exploração de atividade econômica.

Ao final, disse que a penhora deve ser anulada, pois o processo executório deveria ser ultimado nos termos dos arts. 730 do CPC e 100 da CF.

Às fls. 277/278, o Juízo a quo antecipou os efeitos da tutela, suspendendo o leilão antes designado no processo nº 191-1988, em trâmite naquela mesma Vara do Trabalho.

Após a defesa ofertada pelos réus (fls. 281/292) e a impugnação apresentada pela autora (fl. 360/362), proferiu a d. magistrada sentenciante a r. decisão de fls. 377/380, julgando procedente o pedido inicial.

Considerou a d. julgadora ser a demandante prestadora de serviço público relevante, devendo seus bens receberem tratamento diferenciado, razão por que ilegal a penhora questionada.

Concluiu, ao final, que “a dívida em execução deve ser cobrada por meio da regular expedição de precatório-requisitório, decorrência necessária da impenhorabilidade e da inalienabilidade que os cerca” (fl. 379).

Em suas razões recursais, insistem os réus na declaração de improcedência do pedido inicial, asseverando que a impugnação à penhora teria que ser efetuada nos próprios autos da execução.

Com toda razão os réus.

O art. 486 do CPC, que fundamentou o ajuizamento da presente ação, dispõe, verbis:

Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.


Segundo o relato inicial, o ato que a autora pretende ver anulado é a penhora que incidiu sobre edifícios que compõem a sede da própria empresa.

Ocorre que a penhora não é ato passível de invalidação em ação anulatória. Os atos a que se refere o art. 486 do CPC são apenas aqueles de disponibilidade das partes, que importem no desfecho do processo, como por exemplo a desistência de um recurso ou a outorga de poderes em procuração passada nos autos.

Nesse sentido a autorizada doutrina de José Carlos Barbosa Moreira:

Não obstante lhes chame “judiciais”, porque realizados em juízo, quer a lei referir-se a atos das partes. Ato praticado por órgão judicial é insuscetível de ataque pela ação anulatória do art. 486. Em primeiro lugar, aponta nesse sentido a própria redação do dispositivo. De um ato do juiz pode dizer-se com propriedade que não consiste em sentença, que não constitui sentença; nunca, porém, que “não depende” de sentença. E, se interpretássemos o “não dependem de “ como equivalente a “não consistem em” ou “não constituem”, chegaríamos ao resultado, manifestamente absurdo, de que o texto autoriza a impugnação, pela via agora examinada, de todos os atos do órgão judicial não consistentes em sentenças: decisões interlocutórias, despachos e atos sem natureza de pronunciamentos (instrutórios, por exemplo). Qualquer deles seria passível de desconstituição “nos termos da lei civil”. (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 12ª ed., vol. V, p. 156-157)

Na mesma direção, a incensurável lição de Pontes de Miranda:

Atos “judiciais”, diga-se “atos das partes em juízo”, isto é, nele insertos, ou nele praticados. A alusão à rescisão, se não houve homologação, apenas frisa que a invalidade alcança o ato de inserção ou de prática no processo. Houve o reflexo da processualidade.

O art. 486 não se refere aos atos jurídicos praticados fora do processo, salvo os que vêm a ele para homologação. Os atos têm de sr atos das partes, e não do juiz, a despeito do adjetivo “judiciais” … (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 3ª ed., vol. VI, p. 258)

Como se observa, na linha das abalizadas doutrinas supratranscritas, os atos suscetíveis de nulificação são aqueles em que existem, de alguma forma, vícios ou inadequações nas manifestações de vontade dos litigantes.

O que não se revela possível, tampouco razoável, é admitir que o conteúdo de uma constrição judicial, cuja discussão há muito restou soterrada pela preclusão, possa ser objeto de questionamento em uma ação anulatória.

Definitivamente, somente os atos processuais praticados pelas partes e as sentenças meramente homologatórias sujeitam-se a anulação pela via da ação prevista no art. 486 do CPC.

Contrariamente ao que restou decidido, o caso concreto reclama, sim, a incidência de preclusão em relação ao debate proposto pela empresa autora. Ainda que a questão afeta à invalidade da penhora – como assentado no julgado impugnado – não tenha sido antes enfrentada, quer em embargos à execução, quer em sede recursal, certo é que a polêmica não escapa aos efeitos da preclusão temporal.

A preclusão, como por todos sabido, não é somente lógica ou consumativa, podendo também sobrevir quando a parte perde a faculdade de praticar um ato processual em virtude do transcurso do prazo para tal.

A segurança das relações jurídicas ficaria severamente comprometida se, a todo e qualquer instante, pudessem as partes se insurgir contra os atos judiciais praticados ao longo do curso do procedimento.

De nada valeriam os princípios da coisa julgada e do devido processo legal, inscritos nos incisos XXXVI e LIV do art. 5º da Lei Maior, caso se tolerasse tamanha complacência.

É, pois, pertinente a advertência feita por Luiz Fux, com as seguintes palavras:

É preciso, contudo, atentar-se para que não se promiscua o instituto da ação anulatória, como ocorre em alguns casos da prática judiciária em que se provem ações anulatórias de atos processuais passíveis de desconstituição no próprio bojo do processo em que foram praticados, como, v.g., ação de anulação de citação, ação de anulação de penhora etc. Somente os atos que encerram o processo, decorrentes da vontade das partes, é que são anuláveis, como os atos jurídicos volitivos em geral. Do contrário, a ação anulatória transmuda-se em meio de superação de preclusões, camuflando expedientes capazes de eternizar os processos. (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 2001, p. 774)

Não fossem bastantes tais fundamentos, vejo que a parte pretende tornar regra algo que a jurisprudência consagra como situação excepcional.

Quando os tribunais decidem que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT goza da prerrogativa de ser executada em conformidade com as normas estatuídas nos arts. 100 da Carta Magna e 730 do CPC, fazem-no com apoio na tese de que o Decreto-Lei nº 509/69 foi recepcionado pela Constituição de 1988.


A referida empresa – ECT – efetivamente não explora atividade econômica, exercendo competência administrativa atribuída à União, concernente à manutenção do serviço postal, de caráter público e prestado exclusivamente pelo Estado, consoante expressa previsão constitucional (art. 21, X, da CF).

A empresa autora não é prestadora de serviço estritamente público, muito menos de prestação exclusiva a cargo do Estado.

Veja-se, por exemplo, que a autora foi contratada pela Fundação Universidade de Brasília – FUB para executar obra de terraplanagem, galeria de águas pluviais, calçamento, meio-fio etc, conforme contrato de fls. 350/354.

Não é a autora detentora das prerrogativas que pleiteia, pois não é prestadora – na acepção estrita da expressão – de serviço público. Nem mesmo poderia, porquanto as atividades que desenvolve são incompatíveis com os privilégios que espera obter, à luz das normas dos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 173 da CF.

Realmente, não se revela possível conciliar atividade econômica, que a rigor pode ser exercida por qualquer empresa privada, com os privilégios conferidos à Fazenda Pública.

Destaco, ainda, que o Tribunal de Contas do Distrito Federal não ostenta a qualidade de órgão integrante do Poder Judiciário, razão por que se mostra equivocado falar-se em jurisdição.

Finalmente, registro que a autora sequer trouxe cópia do auto referente à penhora que pretende anular, circunstância que impede verificar se a presente ação fora de fato proposta dentro do prazo decadencial indicado no art. 495 do CPC.

Não obstante este dispositivo legal faça referência apenas ao prazo para ajuizamento da ação rescisória, há de se levar em conta que o próprio título do Capítulo IV do CPC recebeu o nome de ação rescisória, nele estando inserido também o preceito que trata da ação anulatória (art. 486).

Por essas razões, dou provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido inicial.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço do recurso, rejeito a preliminar argüida e, no mérito, dou-lhe provimento, julgando improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação.

Invertido o ônus da sucumbência, fixo as custas processuais em R$ 200,00, calculadas sobre R$ 10.000,00, valor atribuído à causa.

É o meu voto.

ACÓRDÃO

Por tais fundamentos, ACORDAM os juízes da Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, à vista do contido na certidão de julgamento, em aprovar o relatório, conhecer do recurso, rejeitar a preliminar argüida e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar improcedente o pedido deduzido na inicial. Inverte-se o ônus da sucumbência, fixando-se as custas processuais em R$ 200,00, calculadas sobre R$ 10.000,00, valor atribuído à causa. Ementa aprovada.

Brasília(DF), 22 de agosto de 2007.(data do julgamento)

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz Relator (convocado)

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO

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