Falta de idoneidade

Ex-deputado é impedido de assumir no TCE de Rondônia

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21 de setembro de 2007, 0h01

O ex-deputado estadual Francisco Carvalho da Silva, vulgo Chico Paraíba, foi impedido de tomar posse como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. A decisão, em pedido liminar, é da juíza Inês Moreira da Costa, da 1ª Vara da Fazenda Pública, que suspendeu os atos de indicação e posse. Cabe recurso.

Para a juíza ficou entendido que ele não preenchia os requisitos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada para assumir o cargo. Ele responde a dois processos por crime eleitoral e a uma Ação Penal pelo crime de peculato e de desvio de dinheiro em compra de passagens aéreas.

Apesar de não ter sofrido condenação transitado em julgado, a juíza considerou que o fato de responder a processos na Justiça o impede de assumir o cargo, já que Chico Paraíba não é réu primário.

“É evidente que não se deve dar crédito a qualquer notícia/denúncia, mas também não se poderá concluir que detém reputação ilibada quem esteve envolvido em notícias mal explicadas de transações escusas que afetam diretamente a moral e o patrimônio público, ainda mais quando o cargo que se pretende ocupar tem por função justamente fiscalizar os atos de agentes públicos que dizem respeito ao erário”, afirmou a juíza. Além desses processos, Chico Paraíba é sujeito passivo em cinco ações populares que tramitam na 2ª Vara da Fazenda Pública contra a indicação.

Na indicação do deputado faltaram ainda os fundamentos para a sua escolha. “Deve ser observado que tanto a Assembléia Legislativa quanto o Governador do Estado deixaram de motivar a indicação do Sr. Francisco Carvalho da Silva para tão honroso cargo, conforme se extrai dos documentos apresentados. É princípio basilar do direito administrativo que todos os atos devem ser devidamente motivados. A Lei nº 9.784/99 também determina o cumprimento deste dever”, lembrou Inês.

Em 2005, a Justiça do estado também anulou a nomeação do ex-deputado Natanael José da Silva para o cargo de conselheiro do TCE. O juiz Glodner Luiz Pauletto, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, acatou o argumento de que ele não possui os requisitos constitucionais exigidos para exercer o cargo.

Leia decisão

Vistos etc.

Trata-se de ação popular questionando a nomeação do Sr. Francisco de Carvalho, conhecido como “Chico Paraíba” ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, sob o fundamento de que o mesmo não preenche os requisitos legais estabelecidos pelo art. 48 da Constituição do Estado de Rondônia. Para melhor analisar o pedido de liminar, requisitei ao Governo do Estado os documentos que foram apresentados pelo Sr. Francisco Carvalho da Silva para sua nomeação, os quais foram prestados pelo Procurador Geral do Estado e pela Assembléia Legislativa. Em síntese, é o relatório. Decido.

Consta dos documentos apresentados que o Sr. Francisco Carvalho da Silva foi indicado pela Assembléia Legislativa para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, no lugar do Conselheiro Hugo Parra Mota. A votação ocorreu no dia 05/09/2007, tendo o mesmo obtido 20 votos favoráveis, uma abstenção regimental e três ausências.

No dia seguinte, 06/09/2007 o Sr. Ivo Narciso Cassol assinou o decreto de sua nomeação, o qual foi publicado no Diário Oficial do Estado no dia 12/09/2007. Inicialmente, cabe observar que a não observância dos requisitos que vinculam a nomeação, enseja a qualquer do povo sujeitá-la à correção judicial, com a finalidade de desconstituir o ato lesivo à moralidade administrativa. Portanto, cabível a ação popular.

Os autores das três ações populares que ingressaram perante este juízo comprovaram que são cidadãos e preenchem o requisito subjetivo previsto no art. 5º LXXIII, da Constituição Federal. A democracia se faz efetiva com os três poderes do Estado -o Executivo, o Judiciário e o Legislativo- organizados seguindo os princípios da legalidade, probidade e da moralidade, dentre outros. Se houve algum desrespeito aos princípios em sua amplitude (constitucionais, gerais de direito, etc.), o Poder Judiciário pode e deve anular os atos administrativos que denotem desvio de finalidade ou “erro manifesto de apreciação dos fatos”, coibindo as arbitrariedades. Na concepção tradicional, o ato administrativo é visto sob dois aspectos – o mérito e a legalidade – para efeito de só permitir o controle judicial sobre a legalidade. Mas mesmo na teoria tradicional é aceito o controle da existência e adequação dos motivos, em relação ao objeto (conteúdo) do ato, matéria que, para esse fim, é transportada para o campo da legalidade. Assim, essa teoria clássica do mérito administrativo está sendo revisada pela doutrina e pela jurisprudência pátrias face aos ditames da moralidade, proporcionalidade e razoabilidade incorporados à nova ordem constitucional, de modo que já se admite o controle judicial sobre o mérito administrativo. Neste caso, o Juiz não irá avaliar se o administrador, como é de seu dever, fez o melhor uso da competência administrativa, mas cabe-lhe ponderar se o ato conteve-se dentro de padrões médios, de limites aceitáveis, fora dos quais considera-se erro e, como tal, sujeito à anulação. Este entendimento já foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça . Na doutrina, Celso Antônio Bandeira de Mello também defende que o controle dos atos administrativos se estende, inevitavelmente, ao exame dos motivos .


Feitas estas considerações, passo à análise do pedido de liminar. A nomeação dos membros do Tribunal de Contas não é ato discricionário, mas vinculado a determinados critérios, estabelecidos pelo art. 73, § 1º, da Constituição Federal. Os mesmos requisitos foram repetidos pelo art. 48 da Constituição do Estado de Rondônia, quais sejam: § 1º – Os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I – mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade; II – idoneidade moral e reputação ilibada; III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV – mais de dez anos de exercício de função pública ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no artigo anterior.

A nomeação da maioria dos membros dos Tribunais de Contas dos Estados resulta de indicação eminentemente política, sendo que no caso de Rondônia, três são indicados pelo Governador do Estado, com aprovação da Assembléia Legislativa, sendo dois, alternadamente, dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento, e quatro pela Assembléia Legislativa (Redação dada ao §2º do art. 48 da Constituição Estadual pela EC nº 030/2003, de 25/02/03).

No caso em exame, os autores questionam a “idoneidade moral e reputação ilibada” do nomeado, tendo em vista que o mesmo responde a ação penal por crime eleitoral e é indiciado em inquérito policial da chamada “Operação Dominó”, no qual se apuram diversas irregularidades cometidas pelos Deputados Estaduais e outros perante a Assembléia Legislativa, e que resultaram no prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Embora tais conceitos sejam, em princípio, indeterminados, cabe ao aplicador da lei preencher-lhe o significado por meio do exame do caso concreto, tornando esta análise o mais objetiva possível.

No julgamento da Apelação Cível 103.001.2003.013126-9, ocorrido em janeiro deste ano, o ilustre Relator, Des. Rowilson Teixeira, mencionou em seu voto o conceito dado por Maria Helena Diniz, para quem reputação, na linguagem jurídica em geral, tem o sentido de a) fama; b) renome; c) opinião d) bom ou mau nome”. E, prossegue a doutrinadora: “ILIBADO. Sem mancha ou culpa”.

No mesmo voto também cita entendimento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Conselheiro do Tribunal de contas do Distrito Federal, para quem idoneidade moral diz respeito à aptidão do indivíduo para situar-se no padrão de comportamento consagrado pelos costumes da sociedade. Reputação ilibada, por sua vez, diz respeito à visão que tem a sociedade de ser o indivíduo em análise “sem mancha, puro” ou não, de modo que não pode ser considerada ilibada a reputação de alguém envolvido em escândalos mal-resolvidos, sendo irrelevante tratar-se de assunto transitado em julgado ou não. Fábio Medina Osório, ao abordar o tema: virtudes e pecados profissionais dos agentes públicos no marco da moralidade administrativa , assevera: (…) Uma precisão esclarecedora é que a honra tem muitos conteúdos ambíguos e outros tantos dependentes de valores culturais de singular impacto e relevância. De qualquer modo, ser um homem honrado não é ser apenas honesto, é mais do que isso. Honra é mais do que honestidade.

Para começar, ser honrado, no setor público, é também o parecer honesto. Existe toda uma tutela das aparências que se fundamenta na honra institucional, repercutindo no regime de proibição de conflitos de interesse in abstracto e noutros segmentos não menos relevantes. Além disso, ser honrado pode exigir a obediência a outros deveres de não causar danos aos demais ou de realizar ações positivas obrigatórias. Como se percebe, o feixe de deveres pode ser extremamente amplo, daí a importância de uma conceituação aberta de honra pessoal ou institucional dos homens públicos. O honesto é o probo, reto, honrado, decente. O conceito de honra tem a ver com a virtude da honestidade, mas não isto somente. O honrado é o que goza de demonstrações de avaliação por suas virtudes e méritos. A pessoa tem honra, é honrada, quando goza de boa fama, adquirida pela virtude e pelo mérito próprios. A esta altura, pode ver-se que a honra é uma qualidade moral que nos leva ao cumprimento de nossos deveres em relação aos próximos e a nós mesmos.

Embora o Sr. Francisco Carvalho da Silva não tenha nenhuma ação penal transitada em julgado, nem ação civil por improbidade administrativa, o mesmo registra antecedentes penais.

Vejamos:

1ª) ação por crime eleitoral nº 34, proposta em razão da prática, em tese, do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, combinado com o art. 29 do Código Penal, consistente no oferecimento de passagens de ônibus intermunicipais e dinheiro a eleitores do Município de Presidente Médici, em troca de votos. A ação ainda está em fase de instrução, conforme se verifica no site do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Rondônia;


2ª) ação por crime eleitoral nº 40, proposta em razão da prática, em tese, do crime previsto no art. 301 do Código Eleitoral, consistente no uso de grave ameaça para coagir eleitores da cidade de Presidente Médice nas eleições de 2002. Processo com vista ao Ministério Público para alegações finais em 05/09/2007. Conforme documentos juntados aos autos (fl. 77 e seguintes), responde perante o Tribunal de Justiça no processo 200.000.2005.3236-4 (processo de busca e apreensão instaurado para apurar supostos crimes revelados a partir de reportagens veiculadas pela Rede Globo de Televisão, as quais retratavam parlamentares estaduais exigindo do Governador consideráveis somas em dinheiro para apoiar e votar projetos de interesse do governo).

Também é sujeito passivo na ação penal 202.000.2005.4770-1 (informação obtida no site do Tribunal de Justiça), que está em fase de defesa preliminar (ainda não houve recebimento de denúncia), onde se apura possível crime de peculato, pelo desvio de dinheiro na compra de passagens aéreas. Em outras investigações, conforme relatório da Polícia Federal juntado aos autos, consta que o Sr. Chico Paraíba foi apontado por participar do “esquema” da folha paralela de pagamentos de salários de servidores comissionados, fato que causou grande prejuízo ao erário público. Ressalte-se, no entanto, que inexiste ação penal instaurada para apurar este fato, pelo menos isto não foi trazido pelos autores.

É evidente que não se deve dar crédito a qualquer notícia/denúncia, mas também não se poderá concluir que detém reputação ilibada quem esteve envolvido em notícias mal explicadas de transações escusas que afetam diretamente a moral e o patrimônio público, ainda mais quando o cargo que se pretende ocupar tem por função justamente fiscalizar os atos de agentes públicos que dizem respeito ao erário. Além destes processos, o Sr. Francisco Carvalho da Silva é sujeito passivo em cinco ações populares que tramitam neste juízo e também perante o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública, conforme certidão cível extraída em 17/09/2007, e que consta dos documentos apresentados pelo Procurador do Estado.

Nenhum destes processos ainda foi julgado, conforme referido documento. Da análise dos documentos apresentados para a nomeação, e que comprovariam sua idoneidade moral e reputação ilibada, merece registro o seguinte: As certidões de antecedentes criminais perante a Justiça Estadual e Federal, a certidão negativa de débitos perante o Tribunal de Contas, a certidão negativa de débitos da Receita Federal e a de quitação com a Justiça Eleitoral foram expedidas em 06/09/2007; Já a certidão negativa de débitos estaduais foi expedida em 13/09/2007, a certidão negativa de tributos municipais de Presidente Médice foi expedida em 10/09/2007 e a certidão do cartório distribuidor cível somente foi expedida em 17/09/2007. Isto quer dizer que a Assembléia Legislativa, ao fazer a indicação, não observou se o indicado preenchia os requisitos constitucionais, já que todos os documentos acima foram apresentados posteriormente à indicação.

No que tange à nomeação, considerando que alguns documentos foram apresentados posteriormente, o Sr. Governador também não analisou estes documentos para aferir a qualificação moral do nomeado. Também deve ser levado em consideração que o nomeado não apresentou certidão do Tribunal Regional Eleitoral, onde já tramitavam ações penais contra sua pessoa. Limitou-se a exibir uma certidão de quitação eleitoral, documento que não indica eventual ação penal contra o eleitor, apenas se o mesmo votou nas últimas eleições. Assim, analisando todos estes fatos, verifico que o nomeado não preenche os requisitos da “idoneidade moral e reputação ilibada”. Apesar de nenhum destes processos ter ainda julgamento definitivo, e haver independência entre as esferas civil e penal, o mais importante é o interesse público, ou seja, a verificação de atos contrários à dignidade da profissão ou que denotem uma incompatibilidade com a natureza do cargo a ser ocupado devem se sobrepor ao princípio constitucional da presunção de inocência. Além disso, se a Constituição exigisse como fato impeditivo uma condenação com trânsito em julgado, aí sim haveríamos de recorrer ao princípio da presunção de inocência, o que não é o caso.

O outro requisito questionado pelos autores diz respeito à qualificação técnica do Requerido para o exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas deste Estado. A estrutura do Tribunal de Contas segue a mesma estrutura do Poder Judiciário, com as mesmas garantias, impedimentos e responsabilidades a seus membros. O Tribunal de Contas é responsável pelas funções de auxiliar o parlamento na atividade de controle externo, apresentando relatório e parecer prévio sobre as contas do Chefe do Executivo, julgando a regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, através de levantamentos contábeis, relatórios e certificados de auditoria. Portanto, a natureza das funções desempenhadas por membros deste Tribunal, exige que seus membros tenham qualificação jurídica, econômica, contábil, financeira ou administrativa.


Conforme decidido pelo STF, há necessidade de um mínimo de pertinência entre as qualidades intelectuais dos nomeados e o ofício a desempenhar. Nos documentos apresentados, o Sr. Francisco Carvalho comprovou ter diploma de nível superior em Zootecnia, expedido pela Universidade Federal da Paraíba, exerceu o cargo de Prefeito do Município de Presidente Médice entre os anos de 1993 a 1996, além de alguns cargos de confiança perante a Emater (foi Coordenador e Secretário Executivo deste órgão entre os anos de 1984 a 1991). Além disso, vem exercendo o cargo de Deputado Estadual desde 1999. Nesta análise sumária, não se pode dizer que o Sr. Francisco Carvalho da Silva não detenha conhecimentos, ao menos na área de administração pública, tendo em vista os cargos por ele desempenhados. Somente uma análise mais profunda das provas poderia afastar tal requisito, o que não pode ser feito nesta fase processual.

Finalmente, deve ser observado que tanto a Assembléia Legislativa quanto o Governador do Estado deixaram de motivar a indicação do Sr. Francisco Carvalho da Silva para tão honroso cargo, conforme se extrai dos documentos apresentados. É princípio basilar do direito administrativo que todos os atos devem ser devidamente motivados. A Lei nº 9.784/99 também determina o cumprimento deste dever.

A motivação dos atos administrativos também é um princípio constitucional implícito, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, resultando do disposto no art. 93, X, da Constituição (pois não é razoável a obrigatoriedade de motivação apenas das decisões administrativas dos Tribunais), do princípio democrático, uma vez que indispensável ao convencimento do cidadão e ao consenso em torno da atividade administrativa, e da regra do devido processo legal. Portanto, pela análise dos fatos e documentos apresentados, a liminar deve ser concedida, por faltar ao nomeado os requisitos da “idoneidade moral e reputação ilibadas”, ficando a análise do conhecimento técnico do mesmo a ser feita em outra oportunidade. Também deve ser concedida em razão da falta de motivação da indicação e nomeação pelas autoridades competentes.

ANTE O EXPOSTO, CONCEDO A LIMINAR para suspender o ato de nomeação e posse do Sr. Francisco Carvalho da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Considerando que foram ajuizadas três ações populares com o mesmo objetivo, para fins de celeridade e economia processual, determino que todas as ações sejam reunidas no processo ora analisado, devendo os autores das duas outras ações populares ser incluídos no pólo ativo desta demanda. Citem-se os Requeridos, na forma da lei. Notifique-se o Ministério Público. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se, notificando-se o Presidente do Tribunal de Contas do Estado de que a posse do Sr. Francisco Carvalho da Silva está sobrestada até ulterior determinação judicial.

Porto Velho/RO, 19 de setembro de 2007.

Inês Moreira da Costa

Juíza de Direito

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