Crimes hediondos

Condenado por crime hediondo progride se cumpriu 1/6 da pena

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19 de setembro de 2007, 13h49

Depois de considerar inconstitucional a proibição da progressão de regime para condenados por crime hediondo, o Supremo Tribunal Federal vem agora construindo a jurisprudência para orientar os tribunais inferiores a decidir quando o condenado tem direito de passar para regime mais brando de cumprimento de pena.

Na segunda-feira (17/9), o ministro Gilmar Mendes decidiu que o condenado por crime hediondo antes da vigência da Lei 11.464/07 (que regulamentou a progressão de regime nestes casos) tem direito de progredir de regime depois de cumprir um sexto da pena, de acordo com a Lei de Execuções Penais, e não dois quintos, como prevê a lei de 2007.

O ministro, além de conceder o pedido liminar em Habeas Corpus para determinar que o juiz da Vara de Execução Penal avalie se o condenado atende ou não aos requisitos para a progressão, superou a Súmula 691 da Corte, segundo a qual não cabe ao STF analisar pedido de HC contra decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça que já negou o mesmo pedido.

O réu foi preso em 2003, por tráfico de drogas. Em 2005, foi condenado a 20 anos e cinco meses de reclusão em regime fechado. Em abril deste ano, a defesa do condenado, representada pelos advogados Alberto Zacharias Toron e Flávia Pierrô, pediu Habeas Corpus para que seu cliente pudesse progredir de regime.

A Vara das Execuções Criminais de Araçatuba, interior de São Paulo, indeferiu o referido pedido, por entender que faltavam requisitos para reconhecer o direito. A primeira instância ainda afirmou que o condenado só poderia progredir depois de cumprir dois quintos da pena, e não um sexto. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. A ministra Laurita Vaz, em decisão liminar, negou o pedido.

Os advogados apelaram, então, ao Supremo Tribunal Federal. Afirmaram que seu cliente teria direito de progredir depois de cumprir um sexto da pena, porque ele está preso desde 2003 e foi condenado em 2005, portanto sob a vigência da Lei de Execuções Penais e não da Lei 11.464/07. Assim, não se poderia exigir o cumprimento de dois quintos da pena para a progressão de regime.

Gilmar Mendes acolheu o argumento. O ministro reconheceu que a Vara de Execuções Penais exigiu do condenado o cumprimento de dois quintos da pena para progressão mesmo ele estando condenado por fato muito anterior à lei, que alterou o lapso de um sexto para progressão. E o prazo de um sexto o condenado já cumpriu desde agosto de 2006.

“No caso concreto, vislumbra-se, ao menos em tese, possível violação ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa (Constituição Federal, art. 5o, inciso XL). Isto porque, dos documentos acostados aos autos pelos impetrantes, verifica-se que, tanto o fato criminoso, quanto a prolação da sentença condenatória, ocorreram em momento anterior à vigência da Lei 11.464/2007”, considerou Gilmar Mendes.

Segundo o ministro, condenado por crime hediondo antes da lei de 2007 progride de regime depois de cumprir um sexto da pena, porque ele está submetido a antiga redação do parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei 8.072/1990. A regra estabelecia como requisito objetivo para a concessão do benefício da progressão de regime prisional o cumprimento de um sexto da pena.

Quanto ao requisito para conceder o benefício, Gilmar Mendes esclareceu que o Supremo Tribunal Federal já afirmou que o juiz da execução é livre para pedir exames criminológicos par verificar se o condenado está apto para progredir de regime, mesmo que a LEP dispense tal previsão.

“Nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, em decisão adequadamente motivada”, concluiu.

Tribunal superior

O Superior Tribunal de Justiça firmou, recentemente, entendimento no mesmo sentido do que afirmado pelo ministro Gilmar Mendes. De acordo com o STJ, a lei só pode retroagir em benefício do réu. Nunca, contra. “Tenho que a aplicação da nova regra, estabelecida pela Lei 11.464/07, somente ocorrerá nos fatos ocorridos após sua vigência”, decidiu o ministro Félix Fischer, do STJ. Fischer concedeu Habeas Corpus para F.H., condenado pelo crime de associação para o tráfico internacional de drogas, classificado como hediondo.


Leia a decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 92.477-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): JOÃO FARIA

IMPETRANTE(S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HC Nº 89.875 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de pedido de medida liminar em habeas corpus, impetrado por ALBERTO ZACHARIAS TORON e FLÁVIA VALENTE PIERRO, em favor de JOÃO FARIA. Nestes autos, a defesa impugna decisão monocrática proferida pela Relatora do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Min. Laurita Vaz, nos autos do HC no 89.875/SP (DJ 11.9.2007). Eis o teor do ato decisório impugnado:

“Vistos etc.

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de JOÃO FARIA, condenado, como incurso nos arts. 12 e 14, da Lei n.º 6.368/76, às penas de 20 anos e 05 meses de reclusão, em regime fechado, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que não conheceu do writ originário.

O Impetrante alega, em suma, constrangimento ilegal, na medida em que o juízo das execuções teria exigido ‘o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena para a progressão de regime de pena, nos termos da Lei n.º 11.464/07, mesmo o Paciente tendo sido condenado por fato muito anterior à promulgação da referida lei’ (fl. 02), sendo que o Tribunal de origem ‘não conheceu do writ sob o fundamento de que matéria referente à progressão de regime somente poderia ser apreciada em sede de agravo de execução’(fl. 06).

Requer, assim, a concessão de liminar ‘para que a autoridade apontada como coatora aprecie o mérito do writ não conhecido’ (fl. 14) e, no mérito, ‘a concessão da ordem a fim de garantir que o lapso temporal exigido para a progressão de regime de pena do Paciente é de 1/6, afastando a aplicação do artigo 2.º, § 2.º, da Lei n.º 8.072/90, alterado pela Lei n.º 11.464/07’ (fl. 14).

Relatei. Decido.

Em juízo de cognição sumária, não vislumbro, de plano, o fumus boni iuris do pedido urgente que, frise-se, confunde-se com o próprio mérito da impetração, cuja análise competirá ao órgão colegiado, no momento oportuno, sobretudo em face do teor da decisão de fl. 149, da lavra do Juízo das Execuções, a qual se limita a declarar a ausência do requisito objetivo, sem tecer quaisquer considerações acerca do novo regramento estabelecido pela Lei n.º 11.464/07. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar” – (HC no 89.875/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 11.9.2007 – fls. 168/169).

Em 6 de abril de 2003, o ora paciente foi preso preventivamente (fl. 145).

Em 15 e abril de 2005, o paciente foi condenado à pena de vinte anos e cinco meses de reclusão pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 12 e 14 da Lei no 6.368/1976 (fls. 16-146).

Em 10 de abril de 2007, a defesa requereu a concessão do benefício da progressão de regime (fls. 147-150).

Em 6 de junho de 2007, o Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Araçatuba indeferiu o referido pedido, verbis:

“tendo em vista a ausência do requisito objetivo que será preenchido comente em 30.09.09, indefiro a pretensão” – (fl. 151).

Em 18 de junho de 2007, dessa decisão, a defesa impetrou pedido de habeas corpus (fls. 152-162) perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).

Em 16 de agosto de 2007, a Sexta Câmara Criminal do TJ/SP, por unanimidade de votos, não conheceu do writ (fls. 163-167).

Em 21 de agosto de 2007, dessa decisão, a defesa impetrou pedido de habeas corpus perante o STJ (HC no 89.875/SP).

Em 4 de setembro de 2007, a Relatora perante o STJ, Min. Laurita Vaz, indeferiu o pedido de medida liminar (fls. 168/169). É este o ato decisório impugnado neste habeas corpus.

No que concerne à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a impetração sustenta:

“O Paciente foi condenado às penas que totalizam 20 anos e 5 meses de reclusão pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 12 e 14, da Lei n.º 6.368/76, e está cumprindo a pena desde 6 de abril de 2003. portanto, está preso há mais de 4 (quatro) anos.


[…]

Ocorre que os fatos imputados ao Paciente são do ano de 2003 tendo em vista que a Lei n.º 11.464/07 é, por óbvio, mais rigorosa que a regra prevista no artigo 112, da Lei de Execução Penal, a qual estabelece a necessidade de cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena para a progressão, nos termos do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, não se poderia exigir do Paciente o cumprimento de 2/5 da pena para a progressão de regime.

[…]

Ora, a questão discutida no habeas corpus não demanda nenhuma análise de prova – a matéria é estritamente de direito – e, ademais, a discussão atinge diretamente o direito de locomoção do Paciente afinal, desde agosto de 2006 ele já cumpriu 1/6 da pena e, até a presente data, ainda não teve seu pedido de progressão inteiramente analisado.

[…]

Como efeito, o MM. Juiz da Vara das Execuções Criminais de Araçatuba aplicou a exigência de cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, nos termos do artigo 2º, § 2º, da Lei n.º 8072/90, alterado pela Lei n.º 11464/07, apesar de o fato lhe imputado ter ocorrido no ano de 2003.

[…]

Ora, no writ não se pleiteou a progressão de regime prisional. O pedido está limitado à discussão da suposta ‘ausência do requisito objetivo’ e, com a devida e máxima venia, ainda que o MM. Juiz da Vara das Execuções Penais não tenha expressamente mencionado a Lei 11.464/07, vê-se pelo cálculo de pena juntado na impetração ou, por simples conta aritmética, que a data considerada pela r. decisão para a progressão de regime – dia 30.09.09 – corresponde à exigência do cumprimento de 2/5 da pena.

[…]

Ou seja, independentemente da citação expressa da Lei 11.464/07 na r. decisão que indeferiu a progressão, é incontestável que o douto Magistrado exigiu do Paciente o cumprimento de 2/5 da pena para progressão mesmo ele estando condenado por fato muito anterior às lei que alterou o lapso de 1/6 (um sexto) para progressão. O lapso de 1/6 (um sexto) o Paciente já cumpriu desde agosto de 2006.

Por outro lado, o fumus boni iuris da impetração está demonstrado na medida em que todas as decisões monocráticas e, inclusive um v. acórdão unânime do col. STJ, são no sentido de que não se pode exigir de condenados por fatos anteriores às Lei 11464/07 o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena para progressão de regime” – (fls. 6-9 e 12/13).

Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), aduz-se que:

“Acrescente-se a isso o evidente periculum in mora do pedido, uma vez que o Paciente encontra-se preso há mais de 4 anos, tendo desde agosto de 2006 cumprido 1/6 da pena e, no entanto, até a presente data, ainda não teve seu pedido de progressão integralmente analisado, permanecendo no regime fechado por mais tempo do que deveria em razão de r. decisões manifestamente ilegais” – (fl. 15).

Por fim, a defesa requer:

“assim, a fim de se evitar uma demora ainda maior na apreciação do pedido de progressão, liminarmente aguarda-se seja afastada a aplicação do artigo 2º, § 2º, da Lei n.º 8072/90, alterado pela Lei n.º 11464/07, garantindo-se ao Paciente que o lapso temporal exigido para a sua progressão de regime é de 1/6, determinando-se que o MM. Juiz da Vara das Execuções aprecie a matéria relativa à progressão como de direito” – (fl. 15).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Em princípio, a jurisprudência desta Corte é no sentido da inadmissibilidade da impetração de habeas corpus, nas causas de sua competência originária, contra decisão denegatória de liminar em ação de mesma natureza articulada perante tribunal superior, antes do julgamento definitivo do writ [cf. HC(QO) no 76.347/MS, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 8.5.1998; HC no 79.238/RS, Rel. Min. Moreira Alves, 1a Turma, unânime, DJ 6.8.1999; HC no 79.776/RS, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 3.3.2000; HC no 79.775/AP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2a Turma, maioria, DJ 17.3.2000; e HC no 79.748/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 2a Turma, maioria, DJ 23.6.2000].


Esse entendimento está representado na Súmula no 691/STF, verbis: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

É bem verdade que o rigor na aplicação da Súmula no 691/STF tem sido abrandado por julgados desta Corte em hipóteses excepcionais em que: a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ou b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior importe na caracterização ou na manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF [cf. as decisões colegiadas: HC no 84.014/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 25.6.2004; HC no 85.185/SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 1o.9.2006; e HC no 88.229/SE, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, maioria, DJ 23.2.2007; e as seguintes decisões monocráticas: HC no 85.826/SP (MC), de minha relatoria, DJ 3.5.2005; e HC no 86.213/ES (MC), Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1o.8.2005].

Assim, mesmo nesta sede preliminar, é necessário verificar se, dos documentos acostados aos autos, há situação de flagrante constrangimento ilegal ou de manifesto abuso de poder apta a, de plano, ensejar a superação da Súmula no 691/STF.

A possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC no 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, (DJ 1o.9.2006). Naquela assentada, ocorrida na sessão de 23.2.2006, esta Corte, por seis votos a cinco, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. Eis o teor da ementa:

“PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2o, § 1o, DA LEI No 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5o, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90” – (HC no 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, maioria, DJ 1o.9.2006).

Segundo salientei em meu voto proferido no referido julgamento, o modelo adotado na Lei no 8.072/1990 faz tábula rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos. Em outras palavras, o dispositivo declarado inconstitucional pelo Plenário no julgamento definitivo do HC no 82.959/SP não permitia que se levasse em conta as particularidades de cada indivíduo, a capacidade de reintegração social do condenado e os esforços envidados com vistas à ressocialização.

Em síntese, o § 1o do art. 2o da Lei no 8.072/1990 retira qualquer possibilidade de garantia do caráter substancial da individualização da pena. Parece inequívoco, conforme sustentei, que essa vedação à progressão não passa pelo juízo de proporcionalidade.

Entretanto, para que se tenha a exata dimensão das reais repercussões que o julgamento do HC no 82.959/SP conferiu ao tema da progressão, é válido transcrever as seguintes considerações do Min. Celso de Mello, proferidas no HC no 88.231/SP, DJ 5.5.2006, verbis:

“[…] Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento plenário, advertiu que a proclamação de inconstitucionalidade em causa – embora afastando a restrição fundada no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 – não afetará nem impedirá o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, ‘b’), a significar, portanto, que caberá, ao próprio Juízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso.


Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, ‘b’, da Lei de Execução Penal (LEP), nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste, a esta Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ – o que representaria inadmissível substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência.

Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de ‘habeas corpus’, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva concernentes à determinação do regime prisional inicial ou pertinentes à progressão para regime penal mais favorável (RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550, v.g).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei nº 10.792/2003, que alterou o art. 112 da LEP – para dele excluir a referência ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, em decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ – HC 40.278/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER – HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 – RT 837/568):

‘(…). II – A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária.

III – Não há qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaram a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado. (…).’

(HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei)

‘A Lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de periculosidade (art. 83, par. ún., do CP).’

(RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI – grifei)

‘A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico – cuja realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente – reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia, ‘ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao condenado’ (RT 613/278).

As considerações ora referidas – tornadas indispensáveis em conseqüência do julgamento plenário do HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – evidenciam a impossibilidade de se garantir o ingresso imediato do ora sentenciado em regime penal mais favorável.

Impende registrar, por oportuno, que o entendimento exposto nesta decisão encontra apoio em julgamentos emanados do Supremo Tribunal Federal (HC 85.677/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 87.036/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 87.283/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 88.396/MT, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RHC 88.145/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), nos quais se reconheceu que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe, ao magistrado de primeira instância, proceder à análise dos demais requisitos, inclusive daqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão para regime mais brando de cumprimento de pena, sendo lícito, ainda, ao juiz competente, se o julgar necessário, ordenar a realização do exame criminológico:


‘CRIME HEDIONDO OU DELITO A ESTE EQUIPARADO – IMPOSIÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 – PROGRESSÃO DE REGIME – ADMISSIBILIDADE – EXIGÊNCIA, CONTUDO, DE PRÉVIO CONTROLE DOS DEMAIS REQUISITOS, OBJETIVOS E SUBJETIVOS, A SER EXERCIDO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, ‘B’), EXCLUÍDA, DESSE MODO, EM REGRA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE (RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550), A POSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EXAMINANDO PRESSUPOSTOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA NA VIA SUMARÍSSIMA DO ‘HABEAS CORPUS’, DETERMINAR O INGRESSO IMEDIATO DO SENTENCIADO EM REGIME PENAL MENOS GRAVOSO – RECONHECIMENTO, AINDA, DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ DA EXECUÇÃO ORDENAR, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO – IMPORTÂNCIA DO MENCIONADO EXAME NA AFERIÇÃO DA PERSONALIDADE E DO GRAU DE PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO (RT 613/278) – EDIÇÃO DA LEI Nº 10.792/2003, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 112 DA LEP – DIPLOMA LEGISLATIVO QUE, EMBORA OMITINDO QUALQUER REFERÊNCIA AO EXAME CRIMINOLÓGICO, NÃO LHE VEDA A REALIZAÇÃO, SEMPRE QUE JULGADA NECESSÁRIA PELO MAGISTRADO COMPETENTE – CONSEQÜENTE LEGITIMIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DO EXAME CRIMINOLÓGICO (RT 832/676 – RT 836/535 – RT 837/568) – PRECEDENTES – ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO, EM PARTE.’

(HC 88.052/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma)

Sendo assim , em face das razões expostas, e considerando, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro, parcialmente, o pedido de ‘habeas corpus’, para, afastando, unicamente, o obstáculo representado pelo § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, determinar, ao Juízo da Execução, que proceda à avaliação dos demais requisitos – objetivos e subjetivos – necessários ao ingresso do sentenciado em regime penal menos gravoso, podendo, inclusive, ordenar, se o entender indispensável, o exame criminológico do ora paciente, desde que o faça em decisão fundamentada” – (HC no 88.231/SP, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ 5.5. 2006).

Em conclusão, a decisão do Plenário buscou tão-somente conferir máxima efetividade ao princípio da individualização das penas (CF, art. 5o, LXVI) e ao dever constitucional-jurisdicional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX).

Na sessão do dia 7.3.2006, a Primeira Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC no 86.224/DF (DJ 17.3.2006), Rel. Min. Carlos Britto, admitiu a possibilidade de julgamento monocrático de todos os habeas corpus que versem exclusivamente sobre o tema da progressão de regime em crimes hediondos.

Em idêntico sentido, a Segunda Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC no 85.677/SP (DJ 31.3.2006), de minha relatoria, em sessão do dia 21.3.2006, reconheceu também a legitimidade de apreciação monocrática com relação a todos os habeas corpus que se encontrem na mesma situação específica.

A questão submetida a este juízo monocrático, embora guarde relação com essa recente discussão travada pelo Plenário do STF, não é totalmente idêntica ao tema articulado neste pedido de habeas corpus.

No presente writ, alega-se, em síntese, constrangimento ilegal decorrente da aplicação da legislação mais rigorosa ao paciente, a saber: as disposições da Lei nº 11.464/2007.

No caso concreto, vislumbra-se, ao menos em tese, possível violação ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa (Constituição Federal, art. 5o, inciso XL).

Isto porque, dos documentos acostados aos autos pelos impetrantes, verifica-se que, tanto o fato criminoso, quanto a prolação da sentença condenatória, ocorreram em momento anterior à vigência da Lei no 11.464/2007.

É dizer, ao momento da condenação, o cumprimento da pena cominada pelo Juízo de origem submetia-se ao regime estabelecido pela antiga redação do §2o, do art. 2o, da Lei no 8.072/1990, o qual, por sua vez, estabelecia como requisito objetivo para a concessão do benefício da progressão de regime prisional o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena.

Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito, constato a existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Ante os fundamentos expostos, defiro o pedido de medida liminar para afastar, no caso concreto, a aplicação do artigo 2o, § 2o, da Lei no 8.072/1990, alterado pela Lei no 11.464/2007, de modo a garantir ao paciente que o lapso temporal exigido para a sua progressão de regime seja de 1/6 (um sexto). Nessa extensão do deferimento, caberá ao juízo de primeiro grau avaliar se, na espécie, o paciente atende, ou não, aos requisitos para obter o referido benefício.

Após, abra-se vista ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Publique-se.

Brasília, 17 de setembro de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

[Texto alterado em 8/4/2009, para retirar identificação de parte]

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