Passo para extradição

Leia o pedido e a decisão sobre a prisão de Salvatore Cacciola

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19 de setembro de 2007, 18h25

A juíza federal Simone Schreiber, da 5ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou na terça-feira (18/9) a prisão preventiva do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. O pedido de prisão foi feito pelo Ministério Público Federal. Simone determinou, ainda, a extradição dele para o Brasil

Foragido desde 2000, Cacciola foi preso no sábado (15/9) em Mônaco pela Interpol. Ele deve ficar preso até o envio do pedido formal de extradição pelo Brasil para Mônaco. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já informou que viaja para o país no sábado (22/9). O ministro deve se encontrar com o diretor-geral de Justiça do Principado, Philippe Narminau. No encontro, ele apresentará a decisão de Simone Schreiber para justificar a extradição.

A juíza aceitou todos os argumentos apresentados pelo MPF (leia abaixo após sentença). “Até a presente data não havia sido decretada neste processo a prisão preventiva. Contudo, o fato de o réu residir fora do país já há sete anos vinha prejudicando a condução do feito. Basta registrar que os co-réus já foram a esta altura julgados no processo desmembrado enquanto nesta ação penal sequer teve início o sumário de acusação”, anotou a juíza.

Simone lembrou que “é fato notório que o réu está foragido há sete anos, residindo na Itália, com prisão cautelar decretada pela 6a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, em processo no qual já foi condenado. A circunstância de possuir nacionalidade italiana impede que aquele país defira sua extradição para o Brasil. Nesta semana, contudo, Cacciola foi preso em Mônaco, o que tornou viável seu pedido de extradição”.

Para embasar sua decisão, a juíza cita jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O tribunal entende que a prisão preventiva exige a existência de fatos concretos que indiquem a intenção do réu de fugir da execução da sentença condenatória. “No caso em tela, não há mera ilação de que o réu possa fugir e ficar à salvo da Justiça Brasileira, apenas pelo fato de possuir nacionalidade italiana”, afirma Simone.

Histórico

O ex-dono do Banco Marka foi envolvido em um escândalo em janeiro de 1999, quando o real sofreu uma maxidesvalorização em relação ao dólar: o Banco Central elevou o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 a R$ 1,32.

Com muitas dívidas assumidas em dólar, Cacciola teria pedido ajuda ao então presidente do BC, Francisco Lopes, que vendeu dólares por um preço mais barato do que o do mercado. A operação resultou num prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.

Na época do episódio, Francisco Lopes alegou que o dinheiro foi emprestado ao Marka e ao FonteCindam para evitar uma crise que abalaria todo o sistema financeiro nacional.

Em outubro de 2001, a Justiça determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico e a indisponibilidade de bens de alguns dos envolvidos no caso: Salvatore Cacciola, Francisco Lopes, ex-diretores de BC Cláudio Mauch e Demósthenes Madureira de Pinho Neto e da a diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi. Na mesma ocasião, Teresa foi afastada do cargo.

Em 2005, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, condenou Francisco Lopes a dez anos de prisão por peculato, crime em que um funcionário público usa o cargo para apropriar-se de dinheiro ou beneficiar outros ilegalmente.

Na mesma sentença, foram condenados a ex-diretora do BC, Tereza Grossi e Cacciola. O ex-banqueiro é dado como foragido desde 2000.

Leia decisão da juíza

Ação Penal 2004.5101.502203-4.

DECISÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL representa pela prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, ao argumento de que a medida é necessária para assegurar a aplicação da lei penal (fls. 1107/1115)

Decido.


Estão presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA.

A denúncia imputa ao réu os seguintes fatos que caracterizariam, em tese, os crimes de empréstimo vedado e de gestão temerária de instituição financeira (artigos 17 e 4o, parágrafo único, da lei 7492/86):

“a) Realização de operação vedada de empréstimo a pessoa jurídica que participa com mais de 10% de seu capital: O BANCO MARKA S/A,através da controlada SACRE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA. (de cujo capital detinha 99,99%), em 26.12.1996, deferiu crédito de R$ 11.804.724,10 (onze milhões oitocentos e quatro mil setecentos e vinte e quatro reais e dez centavos)à sua controladora HOLON EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S/A, representado por uma nota promissória pagável em seis parcelas semestrais de R$ 1.967.454,02 (um milhão novecentos e sessenta e sete mil quatrocentos e cinqüenta e quatro reais e dois centavos), com treze meses de carência, decorrente do “Contrato de cessão e Transferência de Cotas”, pelo qual a SACRE cedeu participação acionária que detinha na MARKA PARTICIPAÇÕES E CONSULTORIA IMOBILIÁRIA LTDA.(MARKA PCI)à holding do Banco.

b) Infração grave na condução dos interesses da instituição financeira: a assunção pelo BANCO MARKA S/A de perdas em ajuste por equivalência patrimonial na controlada MARKA PCI, em fevereiro de 1999, no valor de R$ 10.422.407,11 (dez milhões quatrocentos e vinte e dois mil quatrocentos e sete reais e onze centavos), quantia correspondente a 18;7% de seu patrimônio líquido (PL), ou 154,6/% de seu patrimônio líquido ajustado (PLA)em 31.01.1999. A participação do BANCO MARKA na MARKA PCI foi reduzida de cerca de 88%, ou seja, de R$ 11.804.724,10 (onze milhões oitocentos e quatro mil setecentos e vinte e quatro reais e dez centavos) em 31.01.1999 para R$ 1.382.316,99 (um milhão trezentos e oitenta e dois mil trezentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos), em decorrência de negócios celebrados em Montevidéu (Uruguai), conduzidos pelos ora acusados”.

A denúncia está arrimada em relatório produzido pelo Banco Central do Brasil, que historia e documenta as operações acima referidas, conferindo idoneidade às acusações.

De fato, no que toca à operação que teria se consubstanciado em empréstimo vedado, o contrato firmado entre a empresa controlada pelo Banco Marka S/A, SACRE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA, e a instituição financeira HOLON EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S/A, então controlada pelo controlador do BANCO MARKA S/A, Salvatore Cacciola, embora tenha sido rotulado como “contrato de cessão e transferência de quotas”, e previsse o pagamento de preço, na verdade ensejou o empréstimo de 4.223.578 cotas do capital social de uma terceira empresa do grupo, a MARKA PCI LTDA, do BANCO MARKA, através da SACRE, para a HOLON, as quais foram restituídas pela HOLON ao próprio BANCO MARKA dois anos depois.

A transação foi feita pelo acusado, o qual assinou o contrato de cessão de quotas na qualidade de sócio gerente da SACRE e de diretor da HOLON (fls. 128/130). É desnecessário examinar de forma conclusiva a presença das elementares do tipo do art. 17 da lei 7492/86, sendo suficiente a constatação de que a prova documental que acompanha o relatório do BACEN, que deu sustentação à denúncia, se consubstancia em prova indiciária suficiente da prática do crime, para os fins de apreciação do pedido de prisão preventiva.

No que tange aos fatos que caracterizariam a gestão temerária do BANCO MARKA S/A, a denúncia – novamente apoiada em documentos trazidos pelo Banco Central do Brasil – narra uma série de operações ocorridas no ano de 1995, envolvendo as empresas uruguaias Montbel S/A, Galking International Corporation e Kalecor S/A, o Banco Marka S/A e a empresa Marka Participações e Consultoria Imobiliária LTDA, que culminaram com a venda a prazo de ações da Montbel a Kalecor, negócio que foi rescindido em 1999 e que teria se consubstanciado em uma operação ruinosa para o Banco Marka S/A.

Novamente aqui, entendo que há elementos probatórios suficientes, tanto que este Juízo recebeu a denúncia em 27.9.2002. Observo que o relatório final do Banco Central do Brasil, elaborado em 24.8.04, após a tramitação do processo administrativo junto àquela autarquia, concluiu que as operações acima descritas efetivamente causaram prejuízo ao Banco Marka S/A em fevereiro de 1999, tendo sido apontada a responsabilidade pessoal do acusado Salvatore Cacciola, o qual sofreu pena de inabilitação para o exercício de cargo de direção na administração ou gerência de instituições financeiras, por cinco anos (fls. 743/755 do processo n. 2002.5101510633-6).


Presentes pois indícios suficientes da existência do crime e da autoria (art. 312, fine, do CPP), necessários à decretação da custódia cautelar.

Quanto à necessidade da decretação da prisão cautelar, estão corretas as ponderações do R. do Ministério Público Federal.

De fato, até a presente data não havia sido decretada neste processo a prisão preventiva. Contudo, o fato de o réu residir fora do país já há sete anos vinha prejudicando a condução do feito. Basta registrar que os co-réus já foram a esta altura julgados no processo desmembrado (n. 2002.5101510633-6) enquanto nesta ação penal sequer teve início o sumário de acusação, dado que inicialmente CACCIOLA havia sido citado por edital e, posteriormente, por carta rogatória na Itália. Nesse momento está sendo expedida nova carta rogatória para intimação pessoal do réu, para que apresente defesa prévia, já que não possui advogado constituído nestes autos até a presente data.

É fato notório que o réu está foragido há sete anos, residindo na Itália, com prisão cautelar decretada pela 6a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, em processo no qual já foi condenado. A circunstância de possuir nacionalidade italiana impede que aquele país defira sua extradição para o Brasil. Nesta semana contudo, CACCIOLA foi preso em Mônaco, o que tornou viável seu pedido de extradição.

O Supremo Tribunal Federal considera que a prisão preventiva decretada para garantia da aplicação da lei penal exige a existência de fatos concretos que indiquem a intenção do réu de se furtar da execução da sentença condenatória que venha a ser eventualmente proferida. No caso em tela, não há mera ilação de que o réu possa fugir e ficar à salvo da Justiça Brasileira, apenas pelo fato de possuir nacionalidade italiana.

Há fatos concretos que demonstram a necessidade da custódia para garantir a efetividade da sentença, consistentes: 1. no próprio episódio de sua fuga para a Itália, o que fez quando já estava decretada sua prisão cautelar pela 6a Vara Federal Criminal, decisão inicialmente revogada, mas ao final mantida pelo Supremo Tribunal Federal; e 2. na sua disposição de fixar-se como residente na Itália e de não retornar ao Brasil, o que de fato fez pelos últimos sete anos.

Observo ainda que a decretação da prisão cautelar neste processo é imprescindível para que este Juízo possa dirigir ofício ao Ministério da Justiça manifestando interesse na extradição de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, pois o país ao qual será formulado o pedido de extradição tem que estar oficialmente informado de todos os processos criminais que correm no Brasil contra este acusado, sob pena de o Judiciário brasileiro ficar impedido de julgá-lo por fatos que não tenham sido referidos no processo de extradição.

Pelos motivos expostos, considero que a decretação da prisão preventiva de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA e ainda o deferimento de sua extradição para o Brasil são medidas imprescindíveis para assegurar a execução de eventual sentença condenatória que venha a ser proferida neste processo. Presente pois o requisito da garantia da aplicação da lei penal (art. 312 do CPP).

Isto posto, decreto a prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, com fundamento nos artigos 311, 312 e 313, I, do CPP.

Expeça-se mandado de prisão e oficie-se o Exmo. Ministro da Justiça, dando-se ciência da presente decisão e manifestando o interesse deste Juízo na extradição do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA.

Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2007.

SIMONE SCHREIBER

Juíza Federal da 5ª Vara Federal Criminal

Leia pedido do Ministério Público

EXMO(A). JUIZ(A) DA 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO

PROC. 2004.5101502203-4


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem à presença de Vossa Excelência requerer a decretação da prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, forte no art. 311 do CPP, face à inequívoca presença dos requisitos legais. Se não, vejamos.

I – DOS FATOS

Trata-se de ação penal instaurada visando à apuração de crimes contra o sistema financeiro nacional consistentes especificamente no seguinte:

Realização de empréstimo vedado através de uma série de operações de constituição de empresas e transferência de controles societários, sempre com a presença do requerido, que possibilitaram, em última análise, a concessão, mediante dissimulação, de empréstimo vedado pela legislação brasileira;

Gestão temerária de instituição financeira – novamente valendo-se da qualidade de representante de duas empresas distintas (MONTBEL e GALKING) e de sócio-controlador do BANCO MARKA promoveu uma série de operações econômicas que produziram um prejuízo patrimonial ao BANCO MARKA, então em encerramento de atividades, denotando risco excessivo para a instituição.

A apreciação das condutas acaba por se subsumir nos arts. 4º, parágrafo único, e 17 da Lei 7.492/86.

II – DA FUGA

Insta ressaltar que é fato notório, e por tal razão dispensado de prova, a fuga de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA do Brasil. Após obter liminar em Habeas Corpus, ao invés de submeter-se ao processo penal, optou o réu por fugir do país, visando justamente frustrar a aplicação da lei penal brasileira.

Contudo, para fins de comprovação da fuga, basta mera consulta ao um sítio de buscas da internet (Google, por exemplo) para que a história de sua evasão do país se torne evidente[1] [2] [3].

III – DA INEXISTÊNCIA DE CRIME FISCAL

Preliminarmente, em razão do iminente pedido de extradição do réu, cumpre assentar que o processo em referência não se destina à apuração de qualquer delito de natureza fiscal.

Isto é, não se trata de denúncia por crimes que guardem conexão direta ou indireta com a atividade tributária do estado brasileiro. Pelo contrário, os delitos imputados são considerados fraudes contra o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, praticadas na administração de instituição financeira.


Nesse sentido, os crimes contra a ordem tributária encontram-se regidos na Lei 8.137/90, cuja ementa é expressa: “Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências”.

À guisa de exemplo, a fim de que não pairem dúvidas sobre as condutas atribuídas, colacionam-se os tipos penais dos citados crimes tributários:

CAPÍTULO I

Dos Crimes Contra a Ordem Tributária

Seção I

Dos crimes praticados por particulares

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;


II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Noutro giro encontramos os crimes contra o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, que estão definidos na Lei 7.492/86, cuja ementa apresenta o objeto da mesma: “Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências”.

Nessa linha seguem os extratos dos crimes imputados ao requerido conforme a denúncia, respectivamente os delitos de gestão temerária de instituição financeira e empréstimo ilícito:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:

Pena – Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. Se a gestão é temerária:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I – em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo;


II – de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros de instituição financeira.

Por todo o exposto, intuitivo concluir que não se está a cogitar de sonegação ou crime contra a ordem tributária. Trata-se de crimes contra o sistema financeiro nacional caracterizados pelo abuso na gestão de instituição financeira.

IV – DA MEDIDA CAUTELAR NA ESPÉCIE

Inicialmente, cumpre assinalar que, muito embora estejam patentemente configurados in casu os requisitos estabelecidos nos arts. 312 a 314 do CPP, ainda não foi decretada, nesta ação penal, a prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, situação possivelmente atribuível à precedente custódia cautelar decretada em outros autos, seguida de fuga amplamente divulgada. Tal circunstância, contudo, não interfere na possibilidade e necessidade de decreto preventivo nesta ação penal, o qual, não é demais registrar, pode se dar em qualquer fase do processo (art. 311 do CPP). Se não bastasse, a recente detenção do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, em Mônaco, faz sobressair o interesse na medida, pressuposto de qualquer providência processual, inclusive cautelar, ante a real possibilidade de retorno ao país, antes impensável.

Na hipótese sub examine, tem-se que, de acordo com todo o constante dos autos: (i) dúvidas não há quanto à prova da existência dos crimes e indícios suficientes de autoria (art. 312 do CPP), presente o pressuposto fumus comissi delicti; e (ii) está-se frente a crimes punidos com reclusão, a saber, arts. 4º e 17 da Lei 7.492/86 (preenchido o requisito do art. 313 do CPP), sendo que o réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA não agiu sob o abrigo de quaisquer das causas de exclusão de ilicitude (preenchido o requisito do art. 314 do CPP).

Indo além desta apreciação preliminar da prisão preventiva, exige-se para a medida, ainda, a presença do pressuposto periculum libertatis, que diz com o perigo que decorre do estado de liberdade do envolvido. Particularmente na hipótese sub examine, está-se frente à necessidade da custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal, conforme previsto no art. 312 do CPP, requisito que se consubstancia no sentido de “impedir o desaparecimento do autor da infração que pretenda se subtrair aos efeitos da eventual condenação” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 378).

Ora, no caso em tela, conforme já narrado, o réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA aproveitou-se de uma liminar monocraticamente concedida – e logo depois cassada, embora não a tempo de evitar a fuga – em Habeas Corpus impetrado no E. Supremo Tribunal Federal, e evadiu-se do Brasil. Beneficiado pela nacionalidade italiana, passou a residir na Itália, de onde não poderia ser extraditado, demonstrando claramente, ao longo dos 7 (sete) anos em que lá permaneceu, a intenção em furtar-se da aplicação da lei penal brasileira.

Ou seja, não bastasse a fuga não só do distrito da culpa como do país, SALVATORE ALBERTO CACCIOLA ainda refugiou-se em nação da qual não pode ser extraditado, em qualquer hipótese, pelos crimes praticados no Brasil. E mais, lá permaneceu, desde então, por muitos anos, valendo-se, inclusive, da vultosa quantia em dinheiro que angariou nos negócios que mantinha no país. Em outras palavras, não há qualquer dúvida que o réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA busca impedir a efetiva aplicação da lei penal brasileira – diga-se, de modo absolutamente hábil para tanto, face à absoluta impossibilidade de ser extraditado do país para o qual se refugiou.


E se a intenção de se subtrair à aplicação da lei penal, no caso de eventual condenação, está amplamente caracterizada, no contexto fático exposto, o mesmo há de se dizer da real possibilidade de que o réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA venha novamente a empreender fuga. Primeiro, pelo desiderato já constatado. Segundo, porque já o fez uma vez, com bastante êxito (permaneceu anos fora do país). Terceiro, porque dispõe de todos os meios para mais uma vez fazê-lo com êxito (nacionalidade italiana e condições financeiras para viajar e permanecer morando naquele país).

Ora, conforme renomada doutrina, comentando o requisito da asseguração da aplicação da lei penal, ensejador da decretação da previsão preventiva, “Exemplo maior disso é a fuga deliberada da cidade ou do País, demonstrando que não está nem um pouco interessado em colaborar com a justa aplicação da lei” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 613).

Nesse sentido, é farta a jurisprudência entendendo que a fuga do réu, no caso concreto, constitui motivo apto a embasar a decretação de sua previsão preventiva, como forma de assegurar a aplicação da lei penal. Confira-se, a título exemplificativo, o seguinte precedente, de todo recente, do E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISOS I E IV DO CÓDIGO PENAL. EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO ENCERRADA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU FORAGIDO.

(…)

II – Restado devidamente comprovado nos autos as circunstâncias ensejadoras da custódia cautelar, consistentes em indícios suficientes de autoria e materialidade, e, principalmente, para assegurar a aplicação da lei penal, não há que se falar em ilegalidade da prisão preventiva decretada em desfavor do paciente, em observância ao disposto no art. 312 do Código de Processo Penal. (Precedentes).

III – A fuga do réu, no caso concreto, constitui motivo suficiente a embasar a custódia cautelar. (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

(…)

[STJ, HC 65044, DJ 03.09.2007]

A jurisprudência também alberga o entendimento esposado na presente manifestação, no sentido de que a fuga do réu, ainda mais quando acompanhada de longos anos mantidos em tal situação, revela sua intenção de se furtar da aplicação da lei penal. Confira-se, exemplificativamente:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. RÉU QUE SE EVADIU DO DISTRITO DA CULPA. GARANTIA DA FUTURA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA.

(…)


II. Não se verifica ilegalidade na decisão que determinou a prisão do paciente, tampouco no aresto confirmatório do encarceramento, tendo em vista a conformidade com os ditames legais e a jurisprudência dominante.

III. A fuga do réu do distrito da culpa revela sua intenção de se furtar à aplicação da lei penal, sendo suficiente para obstar a revogação da custódia cautelar. Precedentes do STJ e do STF.

IV. As condições pessoais favoráveis do paciente não têm o condão de, por si só, inviabilizar a decretação da custódia preventiva, se existem outros elementos nos autos que respaldam a medida constritiva.

V. Ordem denegada.

[STJ, HC 76363, DJ 06.08.2007]

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA EFETIVIDADE DO PROCESSO E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU QUE ESTEVE FORAGIDO POR ANOS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA. IRRELEVÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

1. A conduta do réu, que esteve por anos foragido, coloca em perigo a efetividade do processo e da jurisdição penal, além de trazer o risco de não aplicação da lei penal na hipótese de decisão condenatória, em razão do risco da possibilidade de nova fuga do acusado, a justificar a manutenção da prisão preventiva.

(…)

[STJ, HC 62936, DJ 06.08.2007]

Em outro giro, tem-se que a real possibilidade de fuga do réu, demonstrada na presente manifestação, também corrobora a necessidade de sua custódia cautelar:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 214, C/C ART. 224, ALÍNEA A, E 225, § 1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉU QUE PERMANECEU CUSTODIADO AO LONGO DO PROCESSO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO.

(…)

III – A real possibilidade de fuga do acusado fundamenta a prisão cautelar a fim de se resguardar futura e eventual aplicação da lei penal. (Precedentes).

Writ denegado.

[STJ, HC 55904, DJ 12.02.2007]

PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NEGATIVA DE AUTORIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. "HABEAS CORPUS".

1. Conveniente a manutenção da custódia se o acusado demonstra, através de circunstâncias concretas, o intuito de furtar-se à eventual aplicação da lei penal.


(…)

[STJ, HC 17486, DJ 19.11.2001]

O E. Supremo Tribunal Federal também tem firme posição na mesma linha ora sustentada. Confira-se:

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. JULGAMENTO DE RECURSO DEFENSIVO EM SENTIDO ESTRITO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECRETO DE PRISÃO FUNDAMENTADO NA APLICAÇÂO DA LEI PENAL. FUGA DO PACIENTE APÓS A PRÁTICA DO DELITO QUE LHE É IMPUTADO. ORDEM DENEGADA.

(…)

A gravidade (em abstrato) do delito não se presta, ao ver desta Suprema Corte, como fundamento idôneo para a prisão preventiva. Precedentes.

A evasão após a prática delitiva é fundamento idôneo para a segregação cautelar para resguardar a aplicação da lei penal.

Ordem denegada.

[STF, HC 90162, DJ 29.06.2007]

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FUGA DO RÉU. PRISÃO PREVENTIVA: FUNDAMENTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO.

I. Decreto de prisão preventiva concretamente fundamentado na garantia da aplicação da lei penal.

II. A fuga do réu do distrito da culpa, por si só, justifica o decreto de prisão preventiva.

(…)

IV. HC indeferido.

[STF, HC 85764, DJ 14.10.2005]

Para além, contudo, da fuga já levada à efeito pelo réu, vale sublinhar que o presente requerimento se funda na análise do caso concreto, versando sobre dados específicos vinculados à quaestio, conforme exigido pelo E. Supremo Tribunal Federal em precedentes que mitigam o rigor da mera alusão à fuga como suficiente para a decretação da prisão preventiva (STF, HC 87343, DJ 22.06.2007).

Por fim, há de se lembrar que a medida de contracautela consistente na apreensão judicial do passaporte do réu, por vezes utilizada para mitigar o rigor da decretação da prisão preventiva, não teria qualquer eficácia no presente caso, tendo em vista que o requerido, SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, por ostentar nacionalidade italiana, teria direito à obtenção de passaporte italiano se o requeresse às autoridades consulares respectivas, nesta ou em qualquer outra cidade.


EM FACE DO EXPOSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja decretada a prisão preventiva do réu SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, bem como que tal decisão seja imediatamente comunicada ao Ministério da Justiça.

Rio de janeiro, 18 de setembro de 2007.

José Maria Panoeiro

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Fábio Magrinelli Coimbra

PROCURADOR DA REPÚBLICA


[1] G1 (http://g1.globo.com/Noticias/Economia/0,,MUL105893-5599,00.html): Relembre o caso do Banco Marka – Ex-banqueiro foi envolvido em um escândalo em janeiro de 1999. Cacciola teria sido beneficiado pelo então presidente do BC, Francisco Lopes.

[2] Folhaonline (http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u329004.shtml): Entenda o caso do banco Marka e de Salvatore Cacciola – Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, foi protagonista de um dos maiores escândalos do país. O caso atingiu diretamente o então presidente do BC (Banco Central), Francisco Lopes.

[3] Operadores do direito (http://lawyer48.wordpress.com/).

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