Direito para todos

Record é proibida de divulgar imagem da vida privada de Schoedl

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18 de setembro de 2007, 20h46

Reportagem de TV com imagens e voz do personagem captadas clandestinamente, que mostra situações da vida cotidiana, privada e íntima, foge do interesse público. E, por isso, extrapola os limites da liberdade de imprensa.

O entendimento é do juiz Alexandre Augusto Pinto Moreira Marcondes, da 12ª Vara Cível de São Paulo. O juiz proibiu a Rede Record de Televisão de transmitir qualquer imagem ou voz do promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl, em que sejam mostradas situações de sua vida privada. A emissora já recorreu, mas a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça paulista.

Schoedl é acusado de matar um rapaz e ferir outro, em dezembro de 2004. O crime aconteceu em Riviera de São Lourenço, condomínio de classe média alta em Bertioga, no litoral paulista. Schoedl disparou 12 tiros com uma pistola semi-automática calibre 380 contra dois rapazes que teriam mexido com sua namorada. Diego Mondanez foi atingido por dois disparos e morreu na hora. Felipe Siqueira foi baleado quatro vezes, mas sobreviveu.

No mês de agosto, a Rede Record, no programa Domingo Espetacular, apresentado por Paulo Henrique Amorim, trouxe reportagem sobre o cotidiano do promotor, com detalhes de sua vida íntima. As gravações foram feitas com câmeras e microfones escondidos. A reportagem Promotor acusado de homicídio permanece impune foi veiculada também em outros programas da emissora.

O advogado do promotor na esfera cível, Frederico Antonio Oliveira de Rezende, do escritório, Mesquita Filho, Masetti Neto Advogados, ajuizou ação contra a emissora. Alegou que a reportagem violou os direitos protegidos pelo artigo 5º, X da Constituição Federal (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e caracterizou abuso do direito de imprensa.

A primeira instância acolheu o argumento. “Na reportagem levada ao ar pela televisão (gravada na fita que acompanha a petição inicial) a ré acabou extrapolando o livre exercício do direito de imprensa, nela inserindo imagens e a voz do autor, confessadamente captadas de forma clandestina, retratando situações da vida cotidiana, privada e íntima do demandante, sem nenhuma vinculação ao fato central da matéria e sem nenhuma relevância para o interesse público”, afirmou o juiz Alexandre Augusto.

A multa por descumprimento da decisão foi fixada em R$ 10 mil por dia. A Rede Record recorreu, com Agravo de Instrumento, mas o Tribunal de Justiça paulista decidiu pela manutenção da liminar. A Justiça decidiu da mesma forma numa ação movida por Mariana Ozores Bartoletti, namorada do promotor à época do crime. Neste processo, proibiu liminarmente a veiculação de imagens e voz de Mariana, aplicando multa de R$ 100 mil.

Idas e vindas

O promotor foi exonerado do Ministério Público logo que ocorreu o crime, mas em maio de 2006 conseguiu Mandado de Segurança do Tribunal de Justiça de São Paulo para afastar a exoneração. O TJ paulista permitiu que Schoedl voltasse ao cargo, mas sem exercer suas funções. A ação foi ajuizada pela defesa dele em janeiro do ano passado. No mesmo mês, o desembargador Canguçu de Almeida, vice-presidente do TJ-SP, acolheu o pedido de liminar e o então o promotor voltou a receber os salários e demais vantagens.

No dia último 29 de agosto, por 16 votos a favor e 15 contra, o Conselho Superior do Ministério Público paulista confirmou o vitaliciamento do promotor e o confirmou no cargo, considerando-o apto a reassumir imediatamente suas funções. O promotor chegou a ser designado para assumir o posto em Jales, mas em seguida entrou de férias, adiando por 30 dias sua volta ao trabalho.

A situação sofreu uma reviravolta com a decisão do dia 3 de setembro, do Conselho Nacional do Ministério Público, que determinou que ele fosse afastado de suas funções. Por liminar, suspendeu ainda o seu vitaliciamento. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado e poderá ser julgado pelo Tribunal do Júri. Mas pode ser por pouco tempo. O mérito da questão ainda será julgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Leia a decisão de primeira instância

Varas Cíveis Centrais 12ª Vara Cível

583.00.2007.219606-7/000000-000 – nº ordem 1930/2007

Outros Feitos Não Especificados – OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – THALES FERRI SCHOEDL X RADIO E TELEVISÃO RECORD S.A. – Vistos.

Cuida-se de ação de obrigação de não fazer movida por Thales Ferri Schoedl contra Rádio e Televisão Record S/A, objetivando o autor a concessão de liminar a título de antecipação da tutela para o fim de “obstar e proibir a ré de divulgar e veicular as imagens e voz do autor, provenientes das gravações clandestinas realizadas” e inseridas em reportagem veiculada em 26/08/2007 no “Programa Domingo Espetacular” intitulada “Promotor Acusado de Homicídio Permanece Impune”, reapresentada por mais cinco vezes nos dias 26, 27, 29, 30 e 31/08/2007 em outros programas da emissora ré, sob o fundamento de que o fato acarretou violação aos direitos protegidos pelo art. 5º, X da Constituição Federal e caracteriza abuso do direito de imprensa.

Impõe-se a concessão da tutela antecipada requerida na petição inicial e bem explicitada no item 41, no qual o autor afirma que “não pretende obstar a veiculação de matéria jornalística de interesse público que lhe diga respeito, nem tampouco impedir divulgações relacionadas à notícia em questão, mas sim evitar que a ré continue a difundir e disseminar as gravações clandestinas”.

Com efeito, o fato central que a ré se propôs a divulgar na reportagem acima identificada é o envolvimento do autor, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, em homicídio e tentativa de homicídio ocorridos no dia 30/12/2004 no município de Bertioga, do qual foram vítimas os estudantes Diego Mendes Modanez e Felipe Siqueira Cunha de Souza, e pelo qual figura como acusado em processo-crime. O fato é público e notório, teria sido praticado pelo autor na época em que exercia a função de Promotor de Justiça e em princípio sua divulgação pela ré não traduz qualquer abuso ou ilicitude, até porque vige em nosso país o princípio da ampla liberdade de imprensa, um dos pilares das sociedades democráticas.

Todavia, na reportagem levada ao ar pela televisão (gravada na fita que acompanha a petição inicial) a ré acabou extrapolando o livre exercício do direito de imprensa, nela inserindo imagens e a voz do autor, confessadamente captadas de forma clandestina, retratando situações da vida cotidiana, privada e íntima do demandante, sem nenhuma vinculação ao fato central da matéria e sem nenhuma relevância para o interesse público.

Assim agindo, ao menos em sede de cognição sumária teria a ré violado a vida privada, a intimidade e a imagem do autor, direitos expressamente protegidos pelo art. 5º, X da Constituição Federal e pelo art. 21 do Código Civil de 2002. Neste passo vale lembrar a lição de ALEXANDRE DE MORAES acerca da norma constitucional supra citada, verbis: “Os direitos à intimidade e a própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. A proteção constitucional refere-se, inclusive, à necessária proteção à própria imagem diante dos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas, etc.)” (“Constituição do Brasil Interpretada”, Ed. Atlas, 4ª ed., 2004, p. 224).

Deste modo, revelam-se presentes os requisitos do § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil, sendo relevantes os fundamentos da demanda e caracterizada ainda a possibilidade de ineficácia do provimento final caso não seja obstada imediatamente a reprodução da reportagem (ou de qualquer outra) que contenha imagens e a voz do autor obtidas clandestinamente em situações de vida privada, ou quaisquer dados e informações de natureza íntima cuja divulgação não tenha sido previamente autorizada pelo autor.

Nestes termos, com fundamento no art. 461, §§ 3º e 4º do Código de Processo Civil c.c. o art. 5º, X da Constituição Federal e o art. 21 do Código Civil de 2002, Concedo a Tutela Antecipada proibindo a ré de divulgar e veicular qualquer reportagem contendo as imagens e a voz do autor provenientes de gravações clandestinas e que retratem situações de vida íntima e privada, ou ainda que divulguem dados e informações de natureza íntima, especialmente a reportagem intitulada “Promotor Acusado de Homicídio Permanece Impune”, ressalvando a possibilidade de reapresentação desta reportagem desde que excluídas as cenas que retratem o cotidiano privado do autor, tudo sob pena de incidência de multa que arbitro em R$ 10.000,00 por violação desta decisão.

Oficie-se com urgência à ré para que tome conhecimento e cumpra imediatamente esta decisão. Cite-se a ré por mandado para resposta no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revelia. Por fim, indefiro a tramitação do feito em segredo de justiça, já que não caracterizadas as hipóteses do art. 155 do Código de Processo Civil.

Intimem-se. – ADV FREDERICO ANTONIO OLIVEIRA DE REZENDE OAB/SP 195329 – ADV EDINOMAR LUIS GALTER OAB/SP 120588 – ADV PRISCILA ROMERO GIMENEZ OAB/SP 223844

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