Segredo por interesse

Quando há vazamento, segredo de Justiça só prejudica as partes

Autor

17 de setembro de 2007, 20h06

Se as informações do processo vazam para a imprensa, o segredo de Justiça acaba se voltando contra as partes a quem o sigilo deveria resguardar. Com este entendimento, os advogados Roberto Podval e Luiza Oliver, que representam Kia Joorabchian e Nojan Bedroud, dirigentes da MSI, protocolaram, na quinta-feira (13/9), Petição na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo. Eles pedem que seja revogado o sigilo do inquérito policial que investiga a parceira Corinthians-MSI. A ação é presidida pelo juiz Fausto Martins De Sanctis. No pedido, os advogados ainda solicitam a instalação de outro inquérito para apurar quem vazou o relatório preparado pela Policia Federal.

No dia 8 de setembro, a revista Terra Magazine e o jornal Folha de S. Paulo publicaram reportagem dos jornalistas Juca Kfouri e Bob Fernandes expondo relatório sigiloso da PF sobre a chamada Operação Perestroika, que investiga supostas ilegalidades cometidas pela parceria entre o clube de futebol paulista e o fundo de investimentos com sede na Inglaterra.

O documento de 72 páginas revela em detalhes os bastidores da parceria Corinthians-MSI. Nele, há diálogos dos principais agentes da operação, como o presidente corintiano afastado Alberto Dualib, o homem forte da MSI Kia Joorabchian, o líder da oposição no clube, Andrés Sanchez e o magnata russo Boris Berezovsky. Nos dias seguintes, outros veículos de comunicação também expuseram detalhes da investigação incluindo áudio das interceptações telefônicas. Até o ex-ministro José Dirceu foi envolvido na investigação.

“O objetivo não é punir a ponta de quem está apurando, que são os jornalistas. Mas, punir quem está interessado na divulgação do documento”, diz Podval lembrando que existe alguém que deseja a revelação do assunto.

Segundo o advogado, depois do vazamento o segredo de Justiça dificulta seu trabalho de defesa. “Enquanto divulgam partes da investigação, eu fico respeitando o sigilo e não posso contar toda a história. Não posso sentar com a imprensa para dar nossa versão”, argumenta o advogado.

No pedido, Podval ainda afirma que “quem sabe assim, as informações que chegam à imprensa e por ela são divulgadas, sejam realmente reflexo do que consta nos autos e não pedaços de informação ou meias verdades”.

O advogado lembra que “todos aqueles que têm acesso a processos que tramitam sob segredo, não podem, ao tomarem conhecimento de qualquer informação constate destes, divulgá-las a quem quer que seja, muito menos à imprensa. Assim, o juiz, o tribunal, os auxiliares do juízo, as partes e seus procuradores ‘têm o dever e a obrigação de guardar segredo’, caso não o façam, dando notícia do ocorrido, respondem ‘pela violação do dever de sigilo, quer civilmente, quer penalmente’”.

A defesa ainda pede que sejam emitidos ofícios para Rede Globo, Terra Magazine e Folha para que remetam ao juiz cópia das reportagens que divulgaram as peças sigilosas.

A MSI investiu R$ 178 milhões no Corinthians, inclusive para pagar dívidas anteriores à sua chegada (R$ 60 milhões). Nos quase três anos que durou o acordo, o time conquistou o Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005. Os principais jogadores contratados já deixaram o clube, como os argentinos Carlos Tevez e Javier Mascherano bem como dos brasileiros Carlos Alberto, Ricardinho, Marcelo Mattos. A dívida corintiana saltou para os R$ 100 milhões. E o clube virou caso de polícia. Além das comissões internas que investigam a má administração de Dualib, a parceria levou ao Parque São Jorge os Ministérios Públicos Estadual e Federal, e também os policiais do Deic.

Leia pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DR. JUIZ FEDERAL DA 6ª VARA CRIMINAL DA JUSTIÇA FEDERAL DE SÃO PAULO.

Ref. nº 2006.61.81.008647-8

KIAVASH JOORABCHIAN e NOJAN BEDROUD, por seus advogados que esta subscrevem, vêm à presença de Vossa Excelência, nos autos da ação penal em epígrafe, expor e requerer o quanto segue.

Em 08 e 09 de setembro p.p, foi publicada, na revista “Terra Magazine” e no Jornal “Folha de São Paulo”, respectivamente, reportagem de autoria conjunta dos jornalistas Juca Kfouri e Bob Fernandes, noticiando a obtenção de relatório sigiloso, elaborado pela Polícia Federal, acerca da “Operação Perestroika”. A matéria, de fato, divulga diversas informações confidenciais constantes de referido documento policial.

Desde então, tem a imprensa, não se sabe como, obtido acesso a diversos documentos e informações sigilosas que compõem o presente processo. Tanto é que, no dia 11 de setembro p.p., a Rede Globo de Televisão, transmitiu, durante o “Jornal Nacional”, trechos de interceptações telefônicas relativas aos réus, as quais, frise-se, sequer constam do relatório da Polícia Federal, estando disponíveis, somente, em arquivos eletrônicos, vinculados aos autos.

Pior, na data de ontem, o site da terra magazine, em matéria intitulada “Ouça as fitas e as vozes do Caso Corinthians/MSI”, disponibilizou, na internet, “trechos das conversas entre dirigentes corintianos e integrantes da MSI”. Assim, basta clicar no ícone da página, para ouvir as tais interceptações. (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1902137-EI6583,00.html)

Ocorre que, tanto o relatório elaborado pela Polícia Federal, como o teor das interceptações telefônicas, são elementos informativos dos presentes autos, que têm seu trâmite – desde a fase policial – resguardado pelo segredo de justiça.

Ora, a partir do momento no qual Vossa Excelência determinou o sigilo dos autos, os fatos e atos neles contidos só deveriam ser de conhecimento das partes, de seus procuradores do Juízo. A publicidade inerente aos atos do processo, portanto, por interesse do Estado e com o escopo de garantir a inviolabilidade da vida privada e da intimidade da pessoa, foi restringida.

Não é demais lembrar que a restrição à publicidade se refere a todos os atos processuais, “quer em audiências, quer em sessões, quer em termos nos autos, quer em documentos entregues a cartório para se inserirem ou juntarem aos autos” (Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, p. 61).

Assim, todos aqueles que têm acesso a processos que tramitam sob segredo, não podem, ao tomarem conhecimento de qualquer informação constate destes, divulgá-las a quem quer que seja, muito menos à imprensa. Assim, o juiz, o Tribunal, os auxiliares do Juízo, as partes e seus procuradores “têm o dever e a obrigação de guardar segredo”, caso não o façam, dando notícia do ocorrido, respondem “pela violação do dever de sigilo, quer cilvilmente, quer penalmente” (op. Cit., p. 62).

Diante disso, requer-se, nos termos do art. 39, caput, § 4º, do CPP, que Vossa Excelência determine a instauração de inquérito policial, a fim de apurar eventual responsabilidade pelo crime do 153, §1º-A, do CP, consistente no fornecimento indevido de informações sigilosas à imprensa. Pleiteia-se, também, sejam expedidos ofícios à emissora de “Rede Globo”, bem como à “Revista Terra Magazine” e ao Jornal “Folha de São Paulo”, a fim de que remetam a este Juízo cópia das matérias jornalísticas que divulgaram as peças sigilosas.

Por fim, tendo em vista que o segredo decretado nesses autos – que visava, principalmente, proteger a intimidade dos acusados, não expondo ao público todas as conversas que tiveram no último ano – não cumpriu com seu propósito, entende a Defesa ser desnecessária a manutenção do sigilo judicial. Quem sabe assim, as informações que chegam à imprensa e por ela são divulgadas, sejam realmente reflexo do que consta nos autos e não “pedaços” de informação ou “meias verdades”.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 13 de setembro de 2007.

Roberto Podval

OAB 101.458

Luiza Oliver

OAB/SP 235.045

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!