Direito Internacional

Palavras sobre a nacionalidade da pessoa jurídica no exterior

Autor

  • Marilda Rosado de Sá Ribeiro

    é advogada mestre em Filosofia do Direito (PUC-RJ) e doutora em Direito Internacional (USP) professora de Direito Internacional e de Direito do Petróleo na Faculdade de Direito da UERJ e sócia do escritório Doria Jacobina Rosado e Gondinho Advogados Associados.

17 de setembro de 2007, 0h00

A análise das sociedades comerciais, no plano internacional, ilustra bem a convergência entre o público e o privado. A nacionalidade das pessoas jurídicas é tópico de Direito Internacional Privado, no qual se assentam as premissas de reconhecimento básico, originário e universal da personalidade pelo Estado, ao qual será ligada. E a capacidade no plano universal está vinculada à nacionalidade, consistindo esta o pilar da lex societatis.

Os requisitos para o funcionamento nos distintos locais de atuação serão agregados a tais premissas, sem com elas se confundirem. Houve controvérsias na doutrina quanto à possibilidade de atribuição de nacionalidade à pessoa jurídica, eis que as raízes sociais e históricas do instituto da nacionalidade tendem a apontar apenas o ser humano como seu titular. Afinal, a definição clássica da nacionalidade como o vínculo jurídico-político de direito interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado leva a essa abordagem.

É por extensão que se pode falar em nacionalidade das pessoas jurídicas, admitindo valor jurídico ao vínculo, sem embargo de sua fragilidade e fluidez, por que fundado quase sempre na mera consideração da sede social ou do lugar de constituição da empresa.

Na doutrina internacional estudos pioneiros da área societária já transcendiam a perspectiva local para verificar a aplicação dos princípios de direito internacional privado, e identificavam os elementos que deveriam reger as sociedades estrangeiras, seus poderes e responsabilidades. Entre estes estariam incluídos: os documentos constitutivos e estatutos sociais, a lei geral do domicílio, as limitações à aplicação da lei estrangeira pela jurisdição local com base na ordem pública do foro e nas disposições legais específicas aplicáveis às empresas estrangeiras.

Os critérios para atribuição da nacionalidade são: o da autonomia da vontade, o da teoria da autorização, o do lugar da constituição, o da nacionalidade dos sócios e acionistas, o da sede ou domicílio social e o do centro da exploração. Entretanto, o exame comparativo da jurisprudência demonstra que nunca os critérios foram utilizados em estado puro, havendo, em geral, a adoção de um critério principal, suplementado por outro.

O critério da incorporação, segundo o qual a nacionalidade da pessoa jurídica é atribuída pelo país em que a mesma se constitui, é predominante no direito inglês e norte-americano. O critério da sede é consagrado na maioria dos países da Europa continental. Não seria apenas a sede estatutária, mas sim a sede social.

O critério do controle surge como exceção à regra de atribuição da nacionalidade às pessoas jurídicas. A nacionalidade da pessoa jurídica segundo o critério do controle é determinada em função dos interesses nacionais que a animam, e este critério se caracteriza principalmente pela nacionalidade dos detentores do capital da sociedade.

No Brasil, o reconhecimento das pessoas jurídicas estrangeiras é disciplinado no artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil, que consagra o critério da constituição e a questão da autorização para funcionamento de sociedade estrangeira no Brasil é prevista no par. 1º do mesmo artigo.

A conceituação da empresa brasileira, que exige a constituição e a sede social no Brasil é disciplinada na lei societária dentre os critérios doutrinários de atribuição da nacionalidade brasileira, adotamos uma dupla exigência: o do local da constituição, citado acima, conjugado ao da sede, nos termos dos artigos. pertinentes do D.L. 2.627 mantidos pelo artigo 300 da Lei 6404/76 que versa sobre as Sociedades Anônimas. Também o Código Civil, em seu artigo 1.126, manteve a mesma orientação.

Podemos constatar que o direito societário brasileiro não enfrentou a questão nas reformas societárias mais recentes, prevalecendo o mesmo sistema consagrado pelo legislador societário de 1.940.

Quando as sociedades comerciais extrapolam o âmbito de uma jurisdição e passam a atuar em escala global, mesclando-se critérios e pontos de conexão com diversos ordenamentos jurídicos, passamos a verificar o processo de internacionalização de empresas denominadas transnacionais. Essas sociedades já são consideradas sujeitos de direito internacional, com normas de DIP a elas dirigidas, possuindo direitos e deveres na ordem jurídica internacional, o que não se confunde com a plena capacidade de agir.

As transnacionais possuem as seguintes características: ser uma grande empresa com enorme potencial financeiro; ter um patrimônio científico-tecnológico; dispor de administração internacionalizada; possuir unidade econômica e diversidade jurídica, através de subsidiárias ou filiais que têm diferentes nacionalidades.

Do ponto de vista jurídico, como cada transnacional estará sujeita a diversas jurisdições nacionais, com a concessão de direitos, expectativa de lealdade e deveres de proteção diplomática diversos. Isso faz com que essas empresas possuam um “caráter anômalo”, seja quanto à legitimidade do poder econômico e da exploração de determinado setor da economia de um determinado Estado, seja quanto à responsabilidade pelos seus atos.

A abordagem da competência dos Estados quanto à concessão de nacionalidade às pessoas jurídicas, com a adoção primordial do critério do local da constituição da sociedade ou da sede era, principalmente em épocas de guerra, substituída pela consideração da nacionalidade segundo a nacionalidade do grupo majoritário que exerce o controle acionário da empresa. Nesse prisma, a nacionalidade dos acionistas ou do grupo dominante é que determina a nacionalidade e a lei aplicável à empresa transnacional.

Os lucros do investimento podem ser reinvestidos no exterior ou remetidos para a matriz, para distribuição aos acionistas, tudo de acordo com a decisão da empresa. Então surge um confronto de interesses difícil de ser solucionado. De um lado o Estado hospedeiro, atado ao princípio da jurisdição territorial e às limitações dele decorrentes, sem poder interferir nas decisões das matrizes.

De outro, a pretensão de controlar investimentos exportados, sob a alegação de que a riqueza nacional, exportada através do investimento, deve servir também aos fins do Estado exportador de capital e, portanto, da comunidade nacional de onde se origina. A edição de leis com caráter de extraterritorialidade obedece a essa segunda motivação, as quais não têm sido aceitas pacificamente.

A convergência de interesse das diferentes disciplinas da esfera internacional, sobretudo pelo crescimento do fenômeno da transnacionalidade, leva a uma análise, segundo um método integrativo de dois critérios distintos, oriundos do direito internacional privado e do direito econômico. Pelo primeiro critério, seria estudada a submissão do regime de funcionamento interno da sociedade a uma legislação estatal determinada. E de acordo com o segundo, o importante é o domicílio do controlador, para o reconhecimento de regimes diversos de atuação no mercado.

A evolução dos critérios acerca da ligação entre sociedade comercial e Estado, empreendida por João Grandino Rodas, já havia lançado as bases para, nas palavras do autor, uma perquirição mais sistemática sobre a magna quaestio da vertente jurídica da multinacionalidade das sociedades. O tema já havia sido tratado na doutrina internacionalista pátria por autores como Jacob Dolinger, Luis Olavo Baptista e José Carlos Magalhães. Procuramos dar uma contribuição à renovação da discussão em torno deste importante tema da atualidade.

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