Direitos iguais

Preso estrangeiro, que espera extradição, pode progredir de regime

Autor

16 de setembro de 2007, 0h00

Preso estrangeiro, que aguarda extradição, mas cumpre pena por crime cometido no Brasil, tem direito a progredir de regime. O entendimento é da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná. Os desembargadores garantiram para o chinês Huang Wen Hua a progressão do regime fechado para o regime semi-aberto.

Huang foi condenado a 20 anos de prisão por crime de latrocínio e será extraditado tão logo cumpra a pena. A defesa do chinês pediu a progressão para o juiz da Vara de Execuções Penais de Maringá, mas a solicitação foi negada. A primeira instância considerou que o fato de existir decreto de expulsão impediria a concessão do benefício. Alegou também falta do requisito de bom comportamento carcerário para atender ao pedido.

No Tribunal de Justiça do Paraná, a defesa de Huang afirmou que o chinês preenchia todos os requisitos objetivos e subjetivos para a progressão de regime. O desembargador Jorge Wagih Massad, relator, acolheu o pedido do chinês. Para ele, restringir a progressão “ofende aos princípios da individualização da pena, da isonomia e da dignidade humana”.

De acordo com o relator, “negar-lhe o benefício, por conta de decreto de expulsão que somente se efetivará ao término da expiação, é atestar a incapacidade do Estado de controlar a execução penal que não se desenvolva em regime fechado, além de atentar, injustificavelmente, contra os princípios da individualização da pena, da isonomia e da dignidade humana.”

“Se é inconveniente a permanência do estrangeiro condenado nas ruas, que se efetive sua expulsão, mas daí a exigir o cumprimento integral da pena em regime fechado chega a ser cruel, verdadeiramente hediondo”, escreveu o desembargador no voto, citando artigo do criminalista Alberto Zacharias Toron.

Por que progredir

Uma pesquisa patrocinada pelo Ilanud — Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente já mostrou que o preso acredita mais na progressão de regime no que na eficiência da lei ou norma que endurece o Direito Penal. Publicada no ano de 2002, a pesquisa apresenta dados mais do que atuais. Uma de suas principais constatações é que o condenado por crime hediondo, quando regressa ao sistema é quase sempre pela prática de novo crime hediondo. Ou seja, o caráter inibitório da lei não é real. Mostra também que naquele momento, quando a possibilidade de progressão de regime ainda não havia sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, os condenados já ansiavam por esta luz no fim do túnel. Clique aqui, para ler reportagem feita pela ConJur sobre o assunto.

Em fevereiro de 2006, finalmente, o Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco, declarou que condenados por crimes hediondos têm direito à progressão de regime. Os ministros consideraram inconstitucional o parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90.

O entendimento foi firmado no julgamento de pedido de Habeas Corpus em favor de Oseas de Campos, condenado por atentado violento ao pudor. O relator do processo foi o ministro Marco Aurélio. O entendimento foi de que a proibição feria o principio da individualização da pena.

A decisão do STF trouxe impacto positivo ao sistema penitenciário. Advogados criminalistas têm notícias de presos que procuraram melhorar o comportamento para progredirem de regime. “Manter viva a chama da esperança mantém a saúde física e mental tanto do preso, como do sistema penitenciário. É a chave da porta da ressocialização”, afirmou à ConJur a advogada Flávia Rahal, presidente do Instituto de Defesa do Direito da Defesa (IDDD).

Leia a decisão da Justiça do Paraná

RECURSO DE AGRAVO Nº 40.5521-2 DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS E CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS DA COMARCA DE MARINGÁ

RECORRENTE: HUANG WEN HUA — réu preso

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR: DES. JORGE WAGIH MASSAD

Ementa

RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO – CRIME HEDIONDO – PROGRESSÃO DE REGIME – PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS – ESTRANGEIRO – DECRETO DE EXPULSÃO – VIABILIDADE DO BENEFÍCIO – PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE HUMANA – PROGRESSÃO PER SALTUM – DESCABIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O advento da Lei nº 11.464/07, além de pacificar a discussão sobre a possibilidade de progressão de regime para crimes hediondos, pelo fato de ser mais favorável ao agente demanda aplicação retroativa, mesmo em hipóteses envoltas pela eficácia da coisa julgada. Art. 2º, parágrafo único do Código Penal.

É cabível a progressão de regime ao estrangeiro detentor dos requisitos objetivos e subjetivos, ainda que sujeito à expulsão, eis que tal procedimento admistrativo está condicionado ao cumprimento da pena pelo delito cometido em território nacional. Negar-lhe o benefício, por conta de decreto de expulsão que somente se efetivará ao término da expiação, é atestar a incapacidade do Estado de controlar a execução penal, além de injustificável atentado aos princípios da individualização da pena, da isonomia e da dignidade humana.


A progressão de regime per saltum desnatura o próprio fim da execução da pena, eis que não observa o gradativo processo de restabelecimento do status libertatis do agente, nem lhe assegura a possibilidade de reintegração social.

Recurso conhecido e parcialmente provido.

I – RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de agravo em execução interposto por Huang Wen Hua, contra a decisão do Meritíssimo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Maringá, que indeferiu pedido de progressão de regime, por ausência do requisito subjetivo de bom comportamento carcerário, além da existência de decreto de expulsão em desfavor do recorrente.

Tal decreto se efetivará tão logo reste cumprida, pelo recorrente, a pena de 20 (vinte) anos de reclusão, em regime fechado, referente ao delito de latrocínio, nos termos do artigo 157, § 3º, parte final, do Código Penal.

O recorrente argumenta que preenche os requisitos objetivos e subjetivos para a progressão de regime e que, pelo tempo que se encontra segregado, poderia, inclusive, cumprir o restante em regime aberto.

Requer seja provido o recurso, concedendo-lhe, em última análise, a possibilidade de cumprimento do restante da pena em regime aberto.

Vieram as contra-razões ao recurso de agravo. Fls. 50/53.

O juízo de retratação foi exercido, com a manutenção da decisão atacada, por seus próprios fundamentos. Fls. 54.

A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. Fls. 64/67.

É o relatório.

II – VOTO

O recurso comporta parcial provimento.

Com efeito, convém ressaltar, preliminarmente, que o advento da Lei 11.464/07, além de pacificar a discussão sobre a possibilidade de progressão de regime para crimes hediondos, pelo fato de ser mais favorável ao agente demanda aplicação retroativa, mesmo em hipóteses envoltas pela eficácia da coisa julgada. Art. 2º, parágrafo único do Código Penal.

Por outro lado, a aplicação de ofício da lei posterior mais benéfica é do juízo da execução, conforme prevê a Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal.

Assim, superada qualquer dúvida acerca do direito à progressão de regime, nas hipóteses de delito hediondo ou a ele equiparado, resta saber se o recorrente, na condição de estrangeiro irregular, que já possui decreto de expulsão em seu desfavor, teria direito ao benefício, no caso concreto.

Penso que o direito à progressão de regime, na hipótese, não lhe pode ser tolhido.

Sem embargo da orientação jurisprudencial sobre a inviabilidade de concessão de benefícios durante a execução da pena, ao estrangeiro que já conte com decreto de expulsão, entendo que tal restrição ofende aos princípios da individualização da pena, da isonomia e da dignidade humana.

A meu ver, a condição de estrangeiro irregular, sujeito à medida de caráter administrativo e sob condição suspensiva – o integral cumprimento da pena privativa de liberdade imposta – não constitui óbice ao benefício da progressão de regime, vez que o recorrente comprovou o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos que o credenciam à nova etapa de cumprimento da pena.

Ressalto que a verificação do cometimento de falta grave, em 18/11/99, não inviabiliza o benefício, eis que o recorrente já preencheu novo lapso temporal com a devida comprovação de seu bom comportamento, hipótese que o habilita a pleitear a progressão de regime. Fls. 18/19.

O princípio da individualização da pena impõe a observância de condições pessoais do apenado, como modo de reintegrá-lo ao convívio em sociedade. Na hipótese dos autos, não obstante se efetive a expulsão do recorrente, a expressão “reintegração social” deve ser entendida em sentido amplo, pouco importando em qual sociedade restará, por fim, inserido.

Já o princípio da isonomia determina que todos são iguais perante a lei, nos termos do artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988.

É certo que, por vezes, o intérprete deve se valer da lição de Rui Barbosa, em seu discurso Oração aos Moços, quando paraninfo da Faculdade de Direito de São Paulo:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

Não menos certo, porém, que a desigualdade do recorrente não deixou de ser observada, quando da decisão de expulsá-lo do país, nos termos do artigo 65 da Lei nº 6.815/80, tão logo reste cumprida a pena. Contudo, enquanto permanece segregado, deve ser tratado da mesma forma que qualquer condenado sujeito à legislação penal em vigor.


E, por fim, em homenagem ao princípio da dignidade humana, entendo que se deva reconhecer ao recorrente o direito de receber a contraprestação por sua aquiescência às regras de comportamento e disciplina carcerárias, e como forma de lhe proporcionar condições dignas de expiação da carga penal imposta.

Em suma, não vislumbro no futuro decreto de expulsão, óbice à progressão ao regime semi-aberto de cumprimento de pena, uma vez preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos para tanto, eis que, submetido ao Juízo da execução da pena, o recorrente deve ser tratado como tal.

A doutrina contemporânea vem questionando a vedação irrestrita de benefícios penais a estrangeiros:

“Fixado que expulsão tem natureza administrativa e que os benefícios prisionais são de índole jurisdicional-penal, torna-se fácil perceber que o condenado estruturado para voltar gradativamente ao convívio social pode fazê-lo se atendidos os critérios legais. Saber se o indivíduo segregado merece uma atenuação no rigor penitenciário é uma questão estritamente penal e criminológica. Se o decreto de expulsão existe, ou bem as autoridades administrativas aguardam o cumprimento da pena, ainda que em regime aberto, para depois efetivá-lo, ou bem, desde logo, verificado que o condenado não tem mais porque ocupar o cárcere, aliás, via de regra superlotados, expulsam-no independentemente da extinção de punibilidade pelo cumprimento da pena. O mesmo raciocínio, ‘ipsis literis’, vale para a hipótese do livramento condicional.

Revela-se inadmissível que o estrangeiro, pela só condição da sua origem nacional, seja excluído dos benefícios prisionais em razão de um decreto de expulsão que atina com critérios de conveniência e oportunidade estranhos à avaliação criminológica que é decisiva para se diminuir o rigor carcerário. Se é inconveniente a permanência do estrangeiro condenado nas ruas, que se efetive sua expulsão, mas daí a exigir o cumprimento integral da pena em regime fechado chega a ser cruel, verdadeiramente hediondo.” ( Alberto Zacharias Tollon, in “O Condenado Estrangeiro e a Progressão do Regime Prisional”, artigo extraído do Boletim IBCCCRIM, 08/09/99).

Cito precedente da jurisprudência que vai ao encontro da fundamentação exposta:

“A condição de alienígena da ré não constitui obstáculo à concessão de eventual progressão de regime prisional, dado a Constituição Federal e a Convenção Americana dos Direitos do Homem terem reconhecido os mesmos direitos e garantias individuais tanto a brasileiros como a estrangeiros, ainda que estes últimos estejam somente em trânsito pelo país, pois, da mesma forma, submetem-se à jurisdição brasileira e ao ordenamento jurídico em vigor que consagra o princípio da isonomia, neste particular.” (TRF – 3ª Região, 5ª Turma, 18/05/98, Rel. Suzana Camargo).

Em suma, entendo cabível a progressão de regime ao estrangeiro, detentor dos requisitos objetivos e subjetivos, ainda que sujeito à expulsão, eis que tal procedimento administrativo está condicionado ao cumprimento da pena pelo delito cometido em território nacional. Negar-lhe o benefício, por conta de decreto de expulsão que somente se efetivará ao término da expiação, é atestar a incapacidade do Estado de controlar a execução penal que não se desenvolva em regime fechado, além de atentar, injustificavelmente, contra os princípios da individualização da pena, da isonomia e da dignidade humana.

Portanto, entendo que o perfazimento dos requisitos objetivos e subjetivos credencia o recorrente à nova etapa do cumprimento da pena.

Contudo, não vislumbro a possibilidade de concessão da progressão diretamente ao regime aberto.

A progressão de regime deve ser concedida de forma gradativa, com o objetivo de preservar tanto o indivíduo, quanto a sociedade à qual, espera-se, restará reintegrado.

Ao prever o benefício da progressão de regime, a lei intentou proporcionar ao apenado a superação de etapas que permitam concluir, através de acompanhamento especializado e avaliação periódica, pela capacidade plena de retorno ao convívio social, direito que lhe foi tolhido pela condenação criminal.

A jurisprudência vem se postando no mesmo sentido:

“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PER SALTUM (DO FECHADO PARA O ABERTO). IMPOSSIBILIDADE. ART. 112 DA LEP.

De acordo com o sistema progressivo de execução das penas privativas de liberdade (art. 112, da LEP), o condenado que se encontra em regime fechado deverá galgar o regime imediatamente menos severo (semi-aberto), para só então alcançar o regime aberto.

A progressão prisional per saltum carece de amparo jurídico no nosso sistema jurídico-penal. Precedentes da Corte e do STF. Recurso conhecido e provido. (REsp 223.162/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21.06.2001, DJ 03.09.2001 p. 236).

“AGRAVO. PROGRESSÃO DO REGIME FECHADO PARA O ABERTO (PER SALTUM). IMPOSSIBILIDADE. INVIABILIDADE DO CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA PENA SEM O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. RECURSO DE APELAÇÃO PENDENTE. AGRAVO PROVIDO. RESTABELECIMENTO DO REGIME QUE SE IMPÕE.” (TJPR – 5ª Câmara Criminal. Recurso de Agravo nº. 293771-7. AC. nº. 618. Relator Desª. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira j. 24.06.2005).

“RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO – PLEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL DO FECHADO PARA O ABERTO OU, SUBSIDIARIAMENTE, PARA O SEMI-ABERTO – IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO “PER SALTUM” – INTELIGÊNCIA DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL, E DO ART. 33, §2º, DO CÓDIGO PENAL – PRESENÇA DO REQUISITO TEMPORAL, NECESSÁRIO PARA PROGREDIR AO REGIME SEMI-ABERTO, CUJA EFETIVAÇÃO DEPENDERÁ DA ANÁLISE DO REQUISITO SUBJETIVO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO, SOB PENA DE SUPRESÃO DE INSTÂNCIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJPR, 5ª Câmara Criminal, Recurso de Agravo nº 375921-1, acórdão nº 3551, Rel. Des. Eduardo Fagundes, julg. 30/11/2006).

Concluo, ao final, pela inviabilidade da progressão per saltum, porquanto se faz necessário observar as sucessivas etapas de tempo e mérito em cada regime.

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso de agravo, nos termos do voto.

É como decido.

III – DECISÃO

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.

Participaram do julgamento os Desembargadores Lauro Augusto Fabrício de Melo e Eduardo Fagundes.

Curitiba, 19 de julho 2007.

JORGE WAGIH MASSAD

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!