Crucifixo no tribunal

Ministro Direito não pode ser discriminado como conservador

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13 de setembro de 2007, 13h49

Carlos Alberto Direito, o novo ministro do Supremo Tribunal Federal, tem sido alvo de muitos comentários da imprensa. Conta-se dele, por exemplo, que em 2005 teve um desentendimento com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Edson Vidigal. “Direito queria que fosse colocado um crucifixo no plenário. Numa votação secreta, a colocação da imagem de Cristo ganhou por um voto. Vidigal, ainda assim, foi contra. Defendia que o Estado é laico, não poderia escolher uma religião. Direito insistiu. Vidigal enrolou” (Estado, 29/8, A11)

O juiz gaúcho Roberto Lorea é do mesmo parecer que Vidigal. Em artigo na Folha de S.Paulo assim se manifestava na ocasião: “A ostentação de um crucifixo no plenário do STJ é inconstitucional porque viola a separação entre o Estado e a Igreja, ferindo o direito à inviolabilidade da crença religiosa, que é assegurada a todos os brasileiros” (24/9/2005).

Em outro trecho de seu brilhante artigo, Lorea distrai-se um pouco e escreve: “A questão é aceitar que o Brasil é um país laico…” Data vênia do digno magistrado, ele labora em confusão. Não é o Brasil que é um “país” laico. O Brasil é, isso sim, um país majoritariamente católico, apostólico, romano, sim, senhor. Laico é o Estado, não o país, a nação, a sociedade brasileira. A laicidade estatal não se estende por lei ou decreto a toda a nossa sociedade. Pensar o contrário e admitir que o Estado absorve em si a sociedade significa incidir em cheio no totalitarismo.

Afinal, que quer dizer separação entre Estado e Igreja? Quer dizer, essencialmente, independência. Nem o Estado manda na Igreja, nem esta no Estado. Mas independência não implica isolamento nem incomunicabilidade. Os Poderes da União, Executivo, Legislativo e Judiciário, são independentes e harmônicos entre si (artigo 2º da Constituição). A independência não exclui a conjugação nem a colaboração entre os Poderes, contanto que um não interfira no outro.

O constituinte de 1988, sabiamente, admite a colaboração das igrejas com o Estado, com vista ao interesse público (artigo 19, I), conforme bem acentuou o desembargador Renato Nalini em artigo memorável na Folha. Acrescenta o desembargador paulista que todas as Constituições republicanas, exceto as de 1891 e 1937, invocam a proteção de Deus no preâmbulo do pacto (Folha de S.Paulo, 24/9/2005).

Não é justa a opressão imposta pelas minorias religiosas à maioria católica.

Se tomada ao pé da letra, a separação entre Estado e Igreja exigiria a supressão de todos os feriados nacionais de cunho religioso: o Natal, a Sexta-Feira Santa, Finados, Corpus Christi e Nossa Senhora Aparecida.

A religião coletiva é um fenômeno histórico de longa duração, um uso arraigado no corpo social, impregnando as pessoas e as instituições de forma duradoura e persistente, um nexo social que não pode ser extirpado por lei nem por decreto. Do ponto de vista jurídico, separação não é o mesmo que divórcio. A separação do casal quebra a sociedade conjugal, mas não rompe o vínculo conjugal, o que só o divórcio consegue.

O Estado brasileiro é laico e está separado da Igreja. Sim, mas entre Estado e Igreja persiste, ainda e sempre, o vínculo social e cultural da religiosidade católica vigente entre nós durante cinco séculos. Naquele mesmo artigo acima citado, Nalini escreve ainda: “A cruz é misericórdia. E justiça desprovida de misericórdia pode representar suma injustiça.” Ou como faz Carlos Heitor Cony, autor profano e confessadamente agnóstico, opinando que o crucifixo adverte os juízes, em linguagem dramática, que a justiça pode ser falível. O Cristo pregado na cruz ilustra “um dos maiores erros judiciários de todos tempos” (Folha de S.Paulo, 28/9/2005).

Sim, como inscreve Tio Sam nas notas de dólar, In God we trust. E não é nos tribunais americanos que as testemunhas juram com a mão na Bíblia?

Não conheço Carlos Alberto Direito. Mas reparo que a imprensa já rotulou seu nome: “fama de conservador”, “muito religioso”, “intransigente com a disciplina” e “reputação de Caxias”. Conservador? Qual o critério da imprensa para carimbar alguém como conservador? Já sabemos, a mídia se guia pela formação moral do cidadão: Direito é contra o aborto, a pesquisa com células-tronco e o casamento de homossexuais. A partir da orientação moral, faz-se uma dedução perversa: ele é conservador também na política. Ora, em sã consciência, o teste para saber se alguém é ou não é “conservador”, politicamente falando, será a aplicação de um questionário sobre suas preferências políticas e sociais. Haveria que pesquisar, por exemplo: o novo ministro é contra os direitos sociais enumerados no Capítulo II da Constituição? Ele nega o direito à educação e à saúde, à moradia, à segurança, à proteção ao trabalho, à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, na forma da Constituição? Insurge-se contra o salário mínimo, o direito de greve, o Fundo de Garantia, a participação nos lucros, a organização sindical? Não? Aceita abertamente a garantia dos direitos sociais, tal como assegurados na Lei Maior? Então, meus caros, o ministro ora nomeado não pode ser discriminado como “conservador”, embora não admita o aborto, a pesquisa com células-tronco, etc. Em matéria de conservadorismo, não se pode extrapolar da moral para a política. Ser contra o aborto é uma coisa, negar a redistribuição de renda é bem outra coisa.

Imaginará o leitor que este jornalista será um papa-hóstia, um catolicão desses que vivem batendo no peito? Nada disso. O autor deste artigo é, apenas, um cidadão brasileiro, como tantos leitores, indignado e revoltado com o besteirol ideológico que assola o País e que faz o mencionado juiz gaúcho proferir esta enormidade: “A nomeação (do novo ministro), aparentemente, não priorizou os direitos humanos.”

* Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo

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