Gol do Juca

Milton Neves é condenado a indenizar Juca Kfouri em R$ 48 mil

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13 de setembro de 2007, 19h11

O apresentador Milton Neves foi condenado a indenizar o jornalista Juca Kfouri por danos morais. Motivo: a publicação de um artigo no blog de Milton Neves com o título “E agora, José?”. O artigo afirmou que Kfouri não pagava pensão alimentícia e teria cobrado por uma entrevista de Pelé à revista Playboy. A condenação ao apresentador foi imposta pelo juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara Cível de São Paulo.

Por considerar “a elevada capacidade financeira” de Milton Neves, “como ele próprio apregoa”, segundo o juiz, a indenização foi fixada em R$ 48 mil. À revista Consultor Jurídico, a defesa de Milton Neves, representada por Antônio Carlos Sandoval Catta-Preta, disse que vai recorrer da decisão, que considerou injusta e precipitada: “O juiz cerceou o direito deproduzir provas do meu cliente”. O apresentador afirmou que este ainda é o primeiro tempo do jogo. “Temos, pelo menos, 10 anos de discussão pela frente”, afirmou.

De acordo com o processo, o artigo foi assinado por um leitor do blog de Milton Neves. O autor do texto dizia: “o cara escreve em revista de mulher pelada, só faz entrevista de oba-oba, é, então, naturalmente mandado embora, como de todos os outros empregos anteriores, e quer ser levado a sério??!!”. Também afirmava que Kfouri respondia “trocentas” ações na Justiça Cível e Criminal.

A defesa de Milton Neves alegou que a ação deveria ser movida contra Edgar Soares, autor do texto, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O juiz Carlos Eduardo afirmou o contrário. “O ofendido pode mover ação contra qualquer um dos responsáveis pela ofensa”, considerou.

De acordo com o juiz, ao manter o artigo “E agora, José?” no ar, ficou “evidente a intenção” de Milton Neves “em denegrir publicamente a imagem do autor”. Além disso, para o juiz, todas as afirmações fugiram do interesse jornalístico.

“Aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano moral, inclusive no caso de calúnia, difamação e injúria. Com efeito, o réu fez publicar em sua página na Internet textos com críticas ao autor. Pouco importa que o réu não seja o autor do primeiro artigo, pois é responsável por sua divulgação”, considerou o juiz.

“A crítica e o debate, ainda que acalorados, saudáveis e necessários ao intelecto humano, têm seus limites éticos e morais, devem se pautar pelo bom-senso, pela proporcionalidade, não sendo razoável que se dê forma agressiva, grosseira, ofensiva e, no caso, principalmente, reiterada. O fato do autor se expor publicamente, como jornalista, e mesmo o fato de fazer críticas contundentes ao réu, não lhe retira o direito ao mínimo de respeito e dignidade”, concluiu.

Leia a decisão

26ª Vara Cível Central da Capital Controle nº 538/2007 Vistos. JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI move AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, pelo rito ORDINÁRIO, contra MILTON NEVES, alegando ser reconhecido jornalista esportivo, notório por seu compromisso com a ética, com inúmeros trabalhos de ampla repercussão na mídia, alguns dos quais premiados; vem fazendo fundamentadas críticas ao réu que, sentindo-se ofendido, fez publicar em seu site pessoal dois artigos ofensivos à honra do autor, inclusive porque acusado de conduta antiética em serviços prestados à empresa Pelé Sports, porque teria cobrado por uma entrevista de Pelé à Revista Playboy, e de não pagar pensão alimentícia para seu filho, questão já desmentida em outro processo.

Em contestação (fls. 78/121), o réu sustenta, em suma: inépcia da inicial; ilegitimidade passiva, pois quem escreveu mencionado artigo foi Edgard Soares; litisconsórcio passivo necessário, nos termos da súmula 221 do STJ; o autor é voraz exterminador de honras e afronta até a Justiça; o autor fez do réu seu inimigo, por inveja de seu sucesso; vem produzindo, assim, uma sucessão de ofensas contra o réu, com quem diz travar um duelo ético; as matérias publicadas na página do réu, de autoria de terceiros, não são de sua responsabilidade, e não são objeto de censura prévia; não há menção ao nome do autor; o réu não tem vínculo trabalhista qualquer com o autor do artigo, Edgar Soares; trata-se de exercício da liberdade de manifestação do pensamento; quanto à carta na revista Veja trata-se de mera “troca de chumbo”, vez que o autor tem tentado desmoralizar o réu porque este faz propaganda em seu programa; são fatos públicos e notórios que o autor intermediava negócios como editor da Revista Playboy, recebendo vultosas quantias através de pessoa jurídica de sua propriedade, de tudo emitindo notas fiscais; o réu foi por diversas vezes ofendido pelo autor, mas não se queixou dor moral; trata-se de mera retorsão; o valor pleiteado é exagerado. Réplica a fls. 354/363. Juntado documento novo a fls. 391/3, o réu se manifestou a fls. 395/7 e 399/412.


É o relatório.

D E C I D O.

Em primeiro lugar, observo que a contestação é tempestiva, ratificado o teor da certidão de fls. 323, na medida em que o prazo não se inicia quando há encerramento mais cedo do expediente forense. Afasto as preliminares. A petição inicial descreve adequadamente os fatos, e de sua narrativa deflui conclusão lógica, tendo permitido a ampla defesa, o contraditório e a formação do convencimento, não se vislumbrando inépcia. Evidente a legitimidade passiva do réu, vez que ele fez publicar em sua página na Internet os textos tachados de ofensivos. A alegada solidariedade passiva prevista na súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça não implica em litisconsórcio passivo necessário, cabendo ao autor ofendido mover a ação contra qualquer um dos responsáveis pela ofensa.

O mais se enquadra no mérito. Comprovados e incontroversos os atos inquinados de ilícitos, o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do CPC, pois a questão controvertida nos autos é meramente de direito, desnecessária dilação probatória. Aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano moral, inclusive no caso de calúnia, difamação e injúria. Com efeito, o réu fez publicar em sua página na Internet textos com críticas ao autor. Pouco importa que o réu não seja o autor do primeiro artigo, pois é responsável por sua divulgação.

Portanto, a solução da controvérsia repousa na análise dos fatos em si – os comentários e as situações em que se deram as abordagens sobre o autor – em cotejo com duas situações abstratas positivadas, inclusive na Carta Magna. De um lado, tem-se o direito à inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, de cuja violação decorre o direito à indenização pelo dano material ou moral experimentado (art. 5º, X, CF). Por outro lado, temos o direito da liberdade de manifestação (arts. 5º, IX, e 220, CF). Da contraposição dos direitos positivos em aparente conflito, decorre que a apuração da efetiva existência de responsabilidade civil do réu há que se fundar na teoria do abuso do direito, e pressupõe sempre a existência de culpa ou dolo. Com efeito, o exercício regular de direito constitui, não raro, escusativa da responsabilidade civil (art. 188, I, do Código Civil), calcado na parêmia “quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém”.

Neste ponto, vale transcrever lição de Caio Mário da Silva Pereira: “o indivíduo, no exercício de seu direito, deve conter-se no âmbito da razoabilidade. Se o excede e, embora o exercendo, causa um mal desnecessário ou injusto, equipara seu comportamento ao ilícito e, ao invés de excludente de responsabilidade, incide no dever ressarcitório” (Responsabilidade Civil, 6ª ed., p. 296). Na mesma obra, o renomado mestre adverte que a regularidade do exercício do direito deve ser apreciada pelo juiz com seu arbitrium boni viri – o arbítrio do homem leal e honesto.

Só assim equilibra-se o subjetivismo contido na escusativa do agente que, não obstante causar um dano, exime-se de repará-lo. E para se atingir o equilíbrio entre os direitos fundamentais contrapostos, deve o julgador se valer da lógica do razoável, preconizada pelo mestre espanhol Recasens Siches, invocado por Alípio Silveira: “A técnica hermenêutica do razoável, ou do logos do humano, é a que realmente se ajusta à natureza da interpretação e da adaptação da norma ao caso. A dimensão da vida humana, dentro da qual se contém o Direito, assim o reclama. O fetichismo da norma abstrata aniquila a realidade da vida.

A lógica tradicional de tipo matemático ou silogístico não serve ao jurista, nem para compreender e interpretar de modo justo os dispositivos legais, nem para adaptá-los às circunstâncias dos casos concretos. O juiz realiza, na grande maioria dos casos, um trabalho de adaptação da lei ao caso concreto, segundo critérios valorativos alheios aos moldes silogísticos. E mais: ora, ao se orientar por juízos de valor em que se inspira a ordem jurídica em vigor, deverá o intérprete atender às exigências do bem comum, já que a lei é ordenação da razão, editada pela autoridade competente, em vista do bem comum. E como o bem comum se compõe de dois elementos primaciais – a idéia de justiça e a utilidade comum – são esses os elementos, de caráter essencialmente valorativo, os princípios orientadores” (Hermenêutica no Direito Brasileiro, RT, 1968, vol. I/86).

É preciso ressaltar, neste ponto, que a liberdade de manifestação do pensamento é garantia constitucional do estado democrático de direito, e como tal garantia da sociedade livre, e assim, dentro do limite do razoável, se sobrepõe ao interesse individual do direito à honra e à imagem. A liberdade de manifestação é indispensável no Estado Democrático de Direito! Os excessos ou desvios é que são socialmente danosos. E, ressalvadas as inequívocas ofensas, bem delineadas (aquelas, porventura indiretas ou ambíguas, devem ser, previamente esclarecidas e não, simplesmente, presumidas), ninguém está isento ou imune a qualquer narrativa crítica, em especial no contexto jornalístico. “Aliás, preleciona Dennis Lloyd, mestre da Universidade de Londres, que: ‘A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada (A idéia da lei – Martins Fontes).


E, mais adiante: ‘Em qualquer comunidade onde predominam os valores democráticos e igualitários, é óbvio que o direito à liberdade de expressão e o direito à liberdade de imprensa devem ser qualificados como valores fundamentais, pois sem eles a possibilidade de desenvolvimento de cristalização de opinião pública, permitindo que ela exerça influência sobre os órgãos governamentais do Estado, estaria condenada a ser virtualmente ineficaz” (op. cit., p. 127 – 128; apud, de forma resumida, RT 757/502 – Superior Tribunal de Justiça – Ministro Félix Fischer). Não se pode esquecer que ninguém está mais sujeito à crítica e à “invasão de privacidade” do que as chamadas pessoas públicas, como é o caso do autor, cuja profissão – jornalista esportivo com larga atuação nos meios de comunicação – por natureza as expõe à curiosidade popular, e como regra a exposição na mídia lhes interessa, sujeitos, assim, a ter a proteção de sua intimidade e privacidade mitigadas, mormente quando suscitam debate e polêmica, o que vem ocorrendo há algum tempo entre as partes.

Certo, portanto, que o direito à honra e à imagem do autor não se mostra de caráter absoluto, cedendo espaço ao interesse público maior da liberdade de imprensa, desde que não configurado o abuso, como se deu no caso dos autos. O poder terrível dos órgãos de comunicação – atingindo todos os lares, propagando alusões que se diluiriam se feitas em círculos menores, mais restritos – reclama contenção maior de seus profissionais, hoje chamados a um procedimento essencialmente ético, que clama pelo respeito à dignidade da pessoa humana, cânone constitucional (art. 1º, III, CF), vedado o tratamento degradante (art. 5º, III).

A crítica e o debate, ainda que acalorados, saudáveis e necessários ao intelecto humano, têm seus limites éticos e morais, devem se pautar pelo bom-senso, pela proporcionalidade, não sendo razoável que se dê forma agressiva, grosseira, ofensiva e, no caso, principalmente, reiterada, o que não deixa qualquer dúvida do ânimo do réu em constranger o autor, de forma constante e deliberada, configurando, sim, a perseguição, no sentido de importunar reiteradamente, ir ao encalço, vexar com violência (ainda que verbal), atormentar. O fato do autor se expor publicamente, como jornalista, e mesmo o fato de fazer críticas contundentes ao réu, não lhe retira o direito ao mínimo de respeito e dignidade.

Ao manter no ar o artigo “E agora, José?”, de autoria de Edgard Soares (fls. 19/20), evidente a intenção do réu em denegrir publicamente a imagem do autor, ao sugerir que ele teria cobrado por entrevista de Pelé para a revista Playboy – o que, diga-se, não faz sentido dentro do que ordinariamente se observa – a par de carecer de provas. Observa-se o claro intuito de menosprezar o autor em trecho daquele artigo, referindo-se ao autor: “o cara escreve em revista de mulher pelada, só faz entrevista de oba-oba, é, então, naturalmente mandado embora, como de todos os outros empregos anteriores, e quer ser levado a sério??!!”.

Pior: afirma que o autor responde a “trocentas” ações na Justiça Cível e Criminal, e “já foi processado até mesmo por falta de pagamento de pensão alimentícia a menor”.` O dolo da ofensa é ratificado pelo réu ao reproduzir em seu site oficial carta por ele dirigida à Revista Veja, onde chama o autor, em claro tom pejorativo, de “arquivista e sociólogo” (profissões que sabidamente não exerce), “única pessoa que já recebeu dinheiro da empresa de um entrevistado”, e que pratica “explícita picaretagem ética”; além de não ter diploma de jornalista. Evidente a intenção de humilhar e denegrir a imagem do autor em público, por todas as formas.

Sendo reprovável, em especial, a conduta de colocar em xeque sua idoneidade como pai, ao dizer que não pagaria pensão alimentícia, o que extrapola completamente o debate jornalístico, para entrar na esfera recôndita da família, atingindo o que uma pessoa de bem tem de mais sagrado, sem qualquer interesse público. Aliás, violando o segredo de justiça que acoberta tal tipo de processo. Contínua, portanto, a execração pública, que ninguém é obrigado a tolerar, nem mesmo o mais crítico e polêmico dos jornalistas.

Tudo a causar dano moral, afronta à dignidade da pessoa humana, tutelada constitucionalmente. Por outro lado, ainda que alguma provocação por parte do autor tenha de fato ocorrido, não foi de molde a autorizar as agressões eloqüentes publicada pelo réu em seu site. Até porque a retorsão imediata só se admite no calor dos debates, em caso de ofensas recíprocas, e não como vingança, mormente nos casos em que se perpetua através de meio de comunicação de amplo acesso como a Internet. Ainda neste aspecto, a retorsão imediata só se admite nos casos de injúria e não nos de difamação, como o praticado pelo réu.


Por outro lado, se é natural que aos jornalistas seduza a polêmica, o estrépito, o que aumenta sua audiência, e seu faturamento, não se vê ofensas tais partindo do autor que pudessem enredar o réu, jornalista experiente e bem-sucedido, em sua manifestação de rancor e vingança contra o autor. O dolo, na espécie, deflui da própria opção por narrativas, palavras e expressões insuscetíveis de utilização com sentido diverso, que não o de achincalhar o autor, sujeitando-o à reprovação ético-social, ofensiva à sua reputação. No caso, as palavras difamatórias utilizadas deixam claro que o réu imputou ao autor a prática de atos altamente desabonadores, que colocam em xeque a idoneidade que se espera do profissional do jornalismo.

O homem médio que leu os textos no site do réu – abstraindo-se juízos pessoais conforme a opção política, esportiva e ideológica – só pode ter tido uma percepção, em suma. Resta, então, o arbitramento do valor do dano moral, que deve ser feito tendo em vista a gravidade das ofensas e as condições das partes, jornalistas de renome. Certo ainda que o réu tem elevada capacidade financeira, dado seu sucesso profisisonal, como por ele próprio apregoado. Assim, visando a justa reparação e retribuição, consideradas as condições das partes, e para que haja efetiva punição, mostra-se razoável a pretensão inicial, pelo arbitro o valor do dano moral em R$ 48.000,00.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para condenar o réu MILTON NEVES a pagar ao autor JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI o valor de R$ 48.000,00, com correção monetária pela tabela prática do Tribunal de Justiça desde o ajuizamento, e juros de mora de 1% ao mês a contar do ilícito (março de 2007 – fls. 19/24), arcando o réu com despesas processuais, sendo os honorários advocatícios ora arbitrados em 10% do valor da condenação, suficientes à remuneração do patrono. E para CONDENAR o réu, nos termos do art. 75 da Lei 5.250/67, a fazer publicar esta sentença, por uma vez, em jornal de grande circulação nacional, no caderno de esportes, no domingo, cabendo ao autor a escolha do jornal; bem como a publicá-la em seu site, com os mesmos caracteres tipográficos e destaque, pelo prazo de 3 meses; tudo sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, a correr a partir de 15 dias depois do trânsito em julgado desta sentença. Caso o réu não faça a publicação, poderá o autor fazê-lo, mediante prévia aprovação do juízo, inclusive quanto ao valor, reembolsando-se nestes próprios autos em fase de execução; sem prejuízo da multa cominatória diária.

A partir do trânsito em julgado, independente de requerimento do credor, nova intimação ou qualquer outro ato, estará o devedor automaticamente obrigado ao pagamento da condenação e ao cumprimento da obrigação de fazer, em 15 dias, sob pena de multa de 10%, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil. P.R.I.C.

São Paulo, 11 de setembro de 2007.

CARLOS EDUARDO BORGES FANTACINI

Juiz de Direito

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