Mediador do bem

A função de ombudsman é fundamental na sociedade

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12 de setembro de 2007, 0h01

Não devemos nos equivocar, pensando que ombudsman trata-se de mais um termo impregnado pelo americanismo por nós comumente nacionalizado. Até porque, este termo, sob a modelagem do que hoje é empregado, tem origem sueca, e significa literalmente: Representante. Seu surgimento, data de 1809, e deu-se, originariamente, em âmbito político, todavia, é possível e viável sua utilização nos dias de hoje, se considerarmos o ombudsman”um agente, uma célula política em órbita empresarial ou institucional.

Inicialmente, seu aparecimento teve a finalidade de limitar os poderes do monarca, hoje, sua função, sob este aspecto, tem um traço diferencial, por estar imbuída de imparcialidade, o que reflete a limitação dos poderes e das competências desenfreadas dentro das empresas, e, quiçá um dia, efetivamente, também no âmbito das instituições públicas.

De sorte, tão antigo quanto é a humanidade, a figura de um provedor ou um mandatário ‘independente’ é conhecida desde os tempos mais remotos, verificados até mesmo nos relatos bíblicos, o “ombudsman” moderno, foi outrora, a figura primitiva do funcionário destacado por Moisés, para a oitiva das queixas emanadas dos hebreus, assim como, na República Romana, haviam censores destinados a verificar a veracidade das queixas trazidas quanto à má administração. Verifica-se também sua figura presente em toda a Era Medieval, atuado sob a performance de ouvidor, assim também, não só Antigo Egito; como na Dinastia Han, na China, sob o título de ‘control yuan’.

E, desta forma, embora a função do ombudsman nos pareça ser de vanguarda, não o é. Por vezes, seu desempenho guarda certa semelhança com aquele desenvolvido pelos ouvidores. E no Brasil, ainda possui um caráter específico, e bastante restrito, que tange tão-somente ao recebimento de críticas e sugestões advindas de usuários ou clientes.

Contudo, como veremos no decorrer deste trabalho, seu papel é, notadamente, muito mais amplo. Possivelmente, o ponto de maior evidência, e ao mesmo passo, de maior diferenciação, consiste no fato de que um ombudsman é essencialmente, imparcial. E, nisto, devemos considerar que ele será sempre tido e havido, como um terceiro (mediador) nesta relação: empresa e comunidade. Parece-nos que, sob este aspecto, este profissional é alguém qualificado o suficiente para discernir bem entre o que a empresa (pessoa jurídica) precisa para se desenvolver bem economicamente e de forma satisfatória; tanto quanto, ao que a comunidade (capital humano) requer em atenção e desvelo, para uma participação realmente efetiva. Ele é o ponto sensível que torna possível esta intersecção edificante, havida entre as expectativas das partes envolvidas.

Daí porque, trabalhando concomitantemente com as duas espécies primordiais do gênero capital: econômico e humano; temos que, uma de suas funções é reconhecer quais são os elementos que compõem a classe parasitária do universo empresarial, aquela que não está devidamente inserida ou apta a participar do processo produtivo da empresa. E, justamente, por não estarem inseridas no mundo da produção economicamente satisfatória e de qualidade total; impedem a implantação de um sistema altamente competitivo e de estrutura dinâmica.

E, uma vez conhecida a classe parasitária que, silenciosamente, mina todas as perspectivas de desenvolvimento, é possível impedi-la de atacar o capital humano tecnicamente capacitado.

Pois, os elementos que compõem a classe parasitária, possuem consciência de que são portadores de uma incompetência generalizada; incompetência de gestão ou produção, e ainda, que o dinamismo do processo e a sistemática empresarial são capazes de evidenciar; razão pela qual, tenta tolher qualquer iniciativa ou diretriz neste sentido.

É cediço, que o dinamismo moderno e a universalismo das questões causam em todos nós um certo temor, pois, estamos vivenciando uma experiência de unidade fragmentada, fazemos parte de um todo global, onde ninguém é dispensável, mas também, ninguém é insubstituível, e este “jogo denominado “net work”, e, é em sua essência extremamente competitivo. Como diria David Harvey:

“Processos que revolucionam as qualidades objetivas do espaço e do tempo a ponto de nos forçarem a alterar, às vezes radicalmente, o modo como representamos o mundo para nós mesmos”. 1

Mas, dentro deste contexto, o “ombudsman” é, sem sombras de dúvidas, o elemento apto a reconhecer a realidade e a profundidade destas questões no cerne empresarial, e ainda, com imparcialidade e autonomia suficientes. Porém, não está em sua esfera de competência o agir capaz de extirpar a coisa, a situação ou o elemento que destoa da equipe ou decompõe o todo, e que por sua vez, dispersa a empresa ou a instituição de sua finalidade primaz, que é o bem comum. Ele é, em síntese, o elo de ligação ou de intermediação, entre o fato completo: causa e efeito, e o gestor capaz e responsável pela tomada de decisões. Poderíamos até nos permitir a galhofa de intitula-lo como: “alcoviteiro técnico e responsável”.


E, aqui, vemo-nos quase que obrigados a dissertar sobre o que é, ou o que pretende ser este: “bem comum” empresarial ou institucional. E logo, vem-nos algo que aponta à sustentabilidade econômico-financeira, e ao mesmo passo, ao equilíbrio do ecossistema social.

O bem comum é uma expressão de efeito grandioso, e muito utilizada juridicamente, todavia, repousa além das fronteiras da ciência jurídica, nos permitimos dizer que, o “bem comum” ganha diversas leituras, desde os tempos mais remotos. Obviamente, na vertente empresarial, devemos lançar mão da colocação de Harvey em que “as ordenações simbólicas do espaço e do tempo fornecem uma estrutura para a experiência mediante a qual aprendemos quem ou o que somos na sociedade”1, e, donde “bem comum” sugere-nos, de pronto, a necessidade de composição e manutenção ampla, entre o equilíbrio psicofísico do trabalhador e o desenvolvimento adequado desta atividade produtiva e com fins lucrativos em que se circunscreve a empresa.

Embora, pô-nos ao subjugo de mera constatação objetiva, não nos baste neste momento. Portanto, esta idéia de “bem comum”, sugere-nos sua visão por uma ótica mais abrangente, conseqüentemente, mais humana, conquanto, não tão humana que possa banir de seu contexto o objetivo empresarial.

Hoje, as empresas se formam e se estabelecem conscientes de que há necessidade de cumprir uma finalidade social, tão importante quanto o lucro, a finalidade social se perfaz em uma meta, um esforço comum de índole programática, devendo ser atingido na integralidade pela pessoa jurídica em questão.

Programas e incentivos governamentais estimulam e orientam os empresários neste sentido, e tal papel vê-se materializado em projetos já em propagação, assim como é o ‘Selo Social’. O programa do Selo, além de garantir vantagens econômicas, técnicas e ambientais, possui sem qualquer dúvida, uma importância considerável ao alcance de sua função social.

Dentro desta dinâmica de unificação dos interesses comuns e de troca havia entre potencial disponibilizado por cada um dos segmentos: empresa, trabalhadores e sociedade; acabam por gerar ao fim do circuito produtivo um resultado que vai além das questões econômicas, porque representa uma conquista satisfatória a todos. Ou seja, aplicação daquilo que foi desonerado através dos incentivos fiscais ou adquirido através de financiamento; com o fim de gerar maior quantidade de insumos à cadeia produtiva, e ainda, é possível reconhecer que o processo permite a inclusão e participação de mão-de-obra, que dentro do próprio programa, recebe ensinamento técnico apropriado e especializado, podendo, por isto, resultar em uma nova força de trabalho, obviamente, mais qualificada. Em verdade, a questão do ‘Selo Social’ é um exemplo emblemático, capaz de ilustrar com perfeição nossa idéia expositiva do que é o ‘bem comum’.

De posse do conceito prático de bem comum, podemos entender melhor qual é a finalidade do ombudsman na sociedade empresarial moderna. Sua linha de ação pode ser descrita como uma ponte, um elo de ligação entre extremos ou pontos distanciados. Desenvolvendo, por vezes, uma função bem semelhante àquela de um ouvidor, noutras, seu trabalho cursa o rumo do critério investigativo, e sem descartar que seu papel tem o cunho mediador, apresentando uma versão imparcial daquilo que foi colhido ou vivenciado entre pólos.

Reiteramos que, na atualidade, a existência do profissional Ombudsman, ganha força e destaque, porque os resultados sociais fazem parelha com os econômicos. E, o alcance destes resultados, nos reporta ao contexto largo em que se inscreve o capital humano e equilíbrio psicofísico do trabalhador, tanto que, vem-nos à mente o raciocínio alcançado por Harvey, ao descrever quais são os elementos caracterizadores do equilíbrio da atividade laboral:

“O controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local de trabalho) e propensões psicológicas”. 2

Assinalada a importância do capital humano, que é o termo trazido da ciência contábil para designar o ativo intelectual e imaterial, expresso por habilidades e capacidades, razão pela qual, é capaz também de expressar uma tríade peculiar: conhecimento, capacidade lucrativa e continuidade empresarial. Pondo em destaque seu primeiro elemento, verificamos que o conhecimento se subdivide entre: individual (educação, experiência pessoal e habilidades intelectuais) e coletivo (cultura, valores e tecnologia), sendo qualquer deles, sempre considerado um bem componente do ativo intangível, porém, determinável e consideravelmente apreçado.

Deste modo, observamos que, a soma dos capitais individualizados, forma o coletivo empresarial, que gerenciado e direcionado à produtividade, trará como resultado a eficácia da produção, conseqüentemente, a qualidade do produto, tornando-se o diferencial, atribuindo êxito à organização.


E esta tendência ‘moderna” de planificar a estrutura da empresa ou da instituição, torna-se dia a dia mais necessária. E, segundo o Antônio Lopes de Sá:

“É, também, factível, investir-se em algo imaterial como a educação de pessoal, seleção de elementos de maior experiências e criatividade e obter-se um resultado muitas vezes maior que a aplicação feita, sem que, contudo tais valores sequer integrem as demonstrações dos balanços patrimoniais”.

E dentro destas perspectivas, Lopes de Sá, em ‘Tendências e Futuro da Contabilidade’, nos afirma: “A moeda, todavia, não é instrumento exclusivo de medida para evidenciar as transformações da riqueza”. E, ‘Em Diversidade de Ambientes e de Valores da Riqueza’, a nós reitera: “A tradição, a legislação, os costumes, adotando posição extremamente conservadora, aferrolharam os registros e os estudos contábeis no campo exclusivamente financeiro”.

Diante das questões enfocadas, percebemos a crucial importância do “ombudsman” como função de meio aos fins objetivados, tanto na entidade pública, quanto na empresarial. Pois, em verdade, desempenha um papel que opina, sugere e recomenda ao gestor, uma atitude correcional ou saneadora, que visa a superação das deficiências encontradas, deficiências que afetam não só os interesses da entidade, mas, também, os direitos e os deveres do capital humano que se estabelece dentro deste universo de convivência coletiva. Assim, através do aperfeiçoamento das unidades individuais, é possível superar as falhas da organização, encontrando o perfil satisfatório, e, preponderantemente, eficaz ao desenvolvimento da atividade escolhida ou determinada.

Contudo, para o exercício correto e imparcial, o ombudsman não deve se restringir a uma ouvidoria de relatos, reclamações ou queixas. Deve sim, poder consultar documentos, requerer informações, efetuar inspeções, como forma de sedimentar seu parecer, e fundamenta-lo com razões que recomendem ao gestor a solução para correção da deformidade encontrada.

Concluímos certos de que, a função de ombudsman que está se redescobrindo como sendo de fundamental importância na sociedade moderna, vem ganhando espaço em todos os setores e segmentos.

Tendo um campo de atuação que vai desde o recebimento de uma reclamação, até um nível de comprometimento com a qualidade do serviço ou produto, independentemente, de ser o seu fornecedor: público ou privado. Não se descartando de sua esfera de atuação a questão adstrita ao ambiente de trabalho. Desta forma, mesmo internamente, sua presença é imprescindível, porque sua função demarca a perspectiva da qualidade a ser alcançada, sendo indiferente ser sua origem: interna ou externa; social ou econômica.

É certo que, nem todo valor é monetário, nem todo patrimônio é material ou financeiro; tem-se, por isto, que o capital humano é que gera valor, e o valor é o argumento existencial da empresa ou entidade, e, assim, homem e patrimônio interagem, se justificam e se completam.

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