Sorrateira cobrança

CPMF só interessa a quem está no Poder Executivo

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12 de setembro de 2007, 15h29

Em meados do último mês de agosto foram votadas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados as sete propostas de Emenda à Constituição (PECs 50/07, 558/06 e outras) que prorrogam até 31 de dezembro de 2011 a cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Aprovadas na CCJ, as emendas são analisadas atualmente por uma comissão especial, criada especificamente para esse fim e, depois, no plenário serão votadas em dois turnos — regra constitucional para aprovação de emenda à Carta Magna. A referida comissão especial recebeu na noite de terça-feira (11/9) mais de um milhão de assinaturas contrárias à prorrogação da Contribuição ora em questão.

A CPMF está prevista no artigo 74 (emenda 12/96) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e foi instituída pela Lei 9.311/96. A dita Contribuição substituiu o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), criado em julho de 1993, com vigência a partir de 1994.

Inicialmente, em 1996, a cobrança da CPMF estava prevista para não mais de dois anos. O produto de sua arrecadação estava vinculado e deveria ser aplicado integralmente na área de saúde — destinado ao Fundo Nacional de Saúde. Com a Emenda Constitucional 42/03 houve a desvinculação de parte dos recursos no período 2003 a 2007. Com isso, o governo federal pode utilizar livremente até 20% da arrecadação originada dessa Contribuição. A PEC 558/06, do deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), propõe o fim da desvinculação dos recursos.

A CPMF carrega consigo contradição e negação. Primeiro, essa Contribuição traz na sua nomenclatura a palavra “provisória” e vem sendo prorrogada sucessivamente. Prevista para findar em 31 de dezembro deste ano, querem que continue até a mesma data, mas de 2011. Segundo, a instituição da CPMF desrespeita vários princípios tributários esculpidos na Constituição da República. Princípios esses muito caros ao país, ao contribuinte, à segurança jurídica e à ordem tributária. Ao se admitir a arrecadação pelo Estado, que deve ser em situações bastante especificas e devidamente reguladas, em desconformidade com os princípios tributários legislados, o Poder Legislativo entre num processo de negar a si próprio.

Na exposição de motivos para a prorrogação da CPMF os Ministérios da Fazenda e do Planejamento afirmam que essa contribuição tem baixo custo de administração e que tem garantido um montante consistente de arrecadação. Os Ministérios tiveram um sopro repentino de sinceridade. Na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados para debater o assunto o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, disse que a CPMF é um tributo “extremamente bom e barato para quem arrecada” e que “qualquer governo vai considerar esse imposto imprescindível”. Na ocasião, o representante da OAB-SP afirmou acertadamente que a CPMF provoca a “corrosão do patrimônio” e viola os princípios da moralidade e da eficiência administrativas.

Ainda mais, a cobrança da CPMF é sorrateira. A uma, porque o que deveria ser provisório está se eternizando, contrariando a sua própria sigla. A duas, porque parece ser uma arrecadação inofensiva. Estamos falando, de fato, de uma alíquota de “apenas” 0,38% sobre a movimentação financeira de pessoas naturais e jurídicas. Mas não é pouco.

A CPMF gerou arrecadação de R$ 32 bilhões em 2006, com expectativas de R$ 36 bilhões em 2007 e podendo chegar a R$ 40 bilhões no próximo ano. Os dígitos anteriores nos faz entender a manchete da Folha de S.Paulo (9/8/2007): “Governo acelera liberação de emendas para aprovar a CPMF”; “Verba destinada a parlamentares em 6 dias supera em 3 vezes total empenhado no ano”.

É impossível negar que a CPMF fere o princípio da capacidade contributiva (quem pode mais paga mais e quem pode menos paga menos!). Além disso, é cumulativa e gera o efeito cascata – um “mesmo dinheiro” é tributado mais de uma vez, provocando sua injusta redução. Ensina-nos o brilhante tributarista Sacha Calmon Navarro Coelho que “para cada despesa da União se está a inventar uma contribuição, num movimento totalmente contrário ao artigo 167, inciso IV, da Carta que não quer e até proíbe a vinculação do produto da arrecadação dos impostos a órgão, fundo, programa ou despesa.

Bem examinadas as coisas, essas contribuições não passam de impostos específicos, pois o fato gerador delas, via de regra, é uma situação da vida independente de qualquer atuação estatal relativa à pessoa do contribuinte pagante. […] Os impostos são precisamente os únicos tributos cujo fato gerador não implica atuação estatal alguma relativamente à pessoa do pagante. É claro que o resto da sociedade pode eventualmente ser beneficiado. Não é suficiente para chamar a um imposto de contribuição” (grifo nosso).

Com a renovação da CPMF ainda há um problema relacionado ao princípio da anterioridade. O artigo 150, III, b e c, CR/88, estabelece que é vedada a cobrança de tributos instituídos ou aumentados no mesmo exercício financeiro e, pensando aqui na transição de ano para ano, é necessário respeitar o período nanogesimal — noventa dias entre a data de publicação da lei que instituiu ou aumentou o tributo e sua incidência.

De fato o texto constitucional diz instituição e aumento de tributos. Por isso, diz-se em Brasília que nada impede que a prorrogação da CPMF seja aprovada em Plenário depois de setembro e essa continue sendo cobrada ininterruptamente, pois se trata de prorrogação e não de instituição e aumento. A literalidade da norma aqui destoa do mundo fático. O que está regulado hoje é que a cobrança de CPMF termina no próximo 31 de dezembro.

Pessoas naturais ou jurídicas podem estar, nesse momento, calculando o quanto vão economizar com o fim dessa Contribuição a partir de janeiro e planejando a utilização desse (seu) dinheiro de qualquer outra forma. Ninguém é obrigado a prever a prorrogação de nenhuma norma. E ninguém poderia, em regra, ser pego de surpresa em outubro, novembro ou dezembro com a prorrogação de uma norma que gera incessante dispêndio financeiro. Verdadeiro ataque à proteção da confiança!

Propor a prorrogação da CPMF talvez seja legítimo para quem esteja no Poder Executivo. Mas, por todos os motivos esposados aqui, essa Contribuição é um equívoco desde o nascedouro. Ela não subsiste a uma análise rigorosa sob aspectos constitucionais tributários. A atual legislatura vai causar um grande prejuízo ao desenvolvimento desse país e cometerá grave injustiça se compactuar com esse equívoco. Mas inaugurará um novo erro se aprovar a prorrogação da cobrança da CPMF. Que os Parlamentares tenham bom senso.

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