Pensão vitalícia

Pensão para ex-governador não é imoral, diz Gilmar Mendes

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12 de setembro de 2007, 22h05

A criação de pensões especiais para ex-chefes do Poder Executivo não fere o princípio da moralidade pública, de acordo com o ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal. Para ele, a inconstitucionalidade da lei proposta por Zeca do PT, que garantia pensão vitalícia a ex-governadores de Mato Grosso do Sul, está no fato de ter violado o princípio da divisão de poderes.

Segundo o ministro, a Emenda à Constituição do estado foi aprovada pela Assembléia Legislativa sem a participação do Poder Executivo. Por isso, é inconstitucional. Mas Gilmar Mendes defendeu que, obedecidos os trâmites regulares, a criação de pensões para ex-chefes do Poder Executivo nada tem de irregular. “Muito refleti sobre o tema e, hoje, estou convencido de que nosso sistema constitucional permite a criação de pensões especiais como esta de que estamos tratando.”

Em seu voto, o ministro discorda da interpretação da ministra Cármen Lúcia, relatora, de que a norma fere o princípio da moralidade e da impessoalidade. “O princípio da moralidade não pode servir, isoladamente, de parâmetro de controle em abstrato da constitucionalidade dos atos normativos emanados do legislador democrático”, diz Gilmar Mendes.

O ministro também diverge do argumento de que houve desrespeito ao princípio da igualdade. Para Cármen Lúcia, a pensão pretendida “desiguala não apenas os cidadãos que se submetem ao regime geral da previdência como também os que provêm cargos públicos de provimento transitório por eleição ou comissionamento”.

Gilmar Mendes diz que os chefes do Executivo de fato merecem certas garantias. “A própria eleição, em regime democrático e num sistema de votação direta e universal, torna o representante do governo um cidadão distinto dos demais”, defende. Segundo ele, se partirmos do pressuposto de que o sistema exige tratamento desigual diante de situações desiguais, o princípio da igualdade pode ser descartado.

O resultado

O Supremo Tribunal Federal derrubou a pensão vitalícia para ex-governadores de Mato Grosso do Sul. Por dez votos a um, os ministros acolheram a Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo Conselho Federal da OAB contra a pensão ao ex-governador do estado Zeca do PT. A aposentadoria para os ex-dirigentes foi promulgada pela Assembléia Legislativa no apagar das luzes da administração Zeca do PT em Mato Grosso do Sul. Além de vitalícia, a pensão era extensiva aos herdeiros em caso de morte.

Leia o voto de Gilmar Mendes

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.853-2 MATO GROSSO DO SUL

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQUERENTE(S): CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADVOGADO(A/S): MARCELO ROCHA DE MELLO MARTINS

REQUERIDO(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES:

Discute-se na presente ação direta de inconstitucionalidade se o legislador constituinte dos Estados-membros pode instituir subsídio mensal e vitalício a ser concedido àqueles que exerceram mandato como Chefe do Poder Executivo local.

O objeto da ação é o art. 29-A, caput e §§ 1º, 2º e 3º do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição de Mato Grosso do Sul, introduzido pela Emenda Constitucional n° 35, de 20 de dezembro de 2006, o qual possui o seguinte teor:

“Art. 29-A – Cessada a investidura no cargo de Governador do Estado, quem o tiver exercido em caráter permanente, fará jus a um subsídio, mensal e vitalício, igual ao percebido pelo Chefe do Poder Executivo.

§ 1º – O recebimento do subsídio é restrito ao exercente de mandato integral e não poderá ser cumulativo com a remuneração de cargo eletivo ou de livre nomeação federal, estadual ou municipal.

§ 2º – Em caso de falecimento do beneficiário o cônjuge supérstite receberá a metade do subsídio, aplicando a mesma a inacumulabilidade prevista no parágrafo anterior.

§ 3º – O subsídio poderá ser retirado pelo voto de 2/3 da Assembléia Legislativa em caso de provada indignidade do beneficiário, pela prática de ato grave no exercício de mandato eletivo ou cargo de livre nomeação.”


A Relatora, Ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de julgar procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Entendeu a Ministra relatora que a criação, pelo constituinte estadual, desse tipo de “graça remuneratória vitalícia” – a qual, portanto, não se trata de subsídio nem se confunde com aposentadoria ou pensão – violaria, em primeiro lugar, o princípio da igualdade e o princípio republicano. Em suas palavras:

“a benesse instituída pela Assembléia sul-matogrossense em favor de ex-Governador daquele Estado e como pensão devida ao cônjuge supérstite desiguala não apenas os cidadãos, que se submetem ao regime geral de previdência, como também os que provêem cargos públicos de provimento transitório por eleição ou por comissionamento. Entre os primeiros inclui-se o Governador de Estado, que, entretanto, não é o único que ocupa cargo público por provimento não efetivo. Vice-Governador, Secretário de Estado e os cargos providos por mandato (Deputados estaduais, por exemplo) e dirigentes de órgãos e entidades administrativos estaduais provêem cargos que são desempenhados por um período previamente fixado. Não se cogite possa, numa República, desigualar todos os casos iguais em sua condição fática ou funcional segundo o querer do legislador, como pretende fazer crer a Assembléia Legislativa sul-matogrossense”.

Além disso, segundo a Relatora, existiria afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade, como se pode extrair de trechos de seu voto:

“O que a Constituição expõe como princípio da Administração Pública, em seu art. 37, caput, (e que, de resto, é repetido no art. 25 da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul) impõe-se, como é óbvio, para o legislador em face da forma republicana de governo, que não possibilita ao legislador personalizar o que não é condição personalista e, o que é mais, com recursos públicos. A graça concedida pela norma do art. 29-A e seus parágrafos, do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição sul-matogrossense com a norma da Emenda n° 35/2006 afronta, manifestamente, o princípio da impessoalidade, porque dota um cidadão, que foi e tenha deixado de ser agente público, pelo exaurimento do mandato de Governador do Estado, de condição excepcional, privilegiada, que não se compadece com aquela imposição constitucional. Também obriga a todos, na forma republicana de governo, o princípio da moralidade pública. Ao direito do cidadão ao governo ético impõe-se ao juiz, ao administrador e ao legislador o dever da moralidade pública, que há de perpassar e informar todos os seus atos. Desde a Antigüidade se observa, consoante ensina, dentre outros, Gustav Radbruch que uma lei que contravenha os princípios básicos da moralidade não é direito, ainda que formalmente válida. O conteúdo do princípio da moralidade põe-se no sentido de ser a norma ou o comportamento administrativo tendente a realizar interesse público específico, objetivamente determinado. No caso em apreço, não há interesse público sequer alegado, porque a explicação oferecida para a adoção da medida é que se teria decidido premiar quem tenha exercido o cargo de Governador do Estado, em mandato integralmente cumprido, com uma graça remuneratória vitalícia, mensalmente paga com recursos públicos. O conteúdo ético da despesa a ser assumida pelos cidadãos não é posta sequer como referência, apenas afirmando a Assembléia Legislativa sul-matogrossense, em suas informações, que ‘por esse benefício da graça, o Estado externa o seu reconhecimento a quem, de alguma forma, ele entende haver contribuído com o crescimento, sua consolidação, sua projeção, seu desenvolvimento’. O conteúdo de ética pública para o gasto estipulado como forma de agraciar pessoas, que não mais fazem parte dos quadros do Estado (mas que um dia o fizeram na condição de agente público), não é demonstrado na espécie. Também por isso a norma apreciada revela-se incompatível com os princípios constitucionalmente definidos”.

Por fim, a Ministra relatora observou que a Constituição de 1988 não mais prevê norma como a estabelecida pelo art. 184 da Emenda Constitucional n° 1, de 1969, a qual conferia subsídio mensal e vitalício aos ex-Presidentes da República. Assim, segundo as considerações tecidas em seu voto:

“Dá-se que o fundamento da constituinte estadual a partir de 5 de outubro de 1988 é a Constituição promulgada naquele dia. Não mais a Emenda Constitucional n° 1, de 1969. Parece que disso se houve em esquecimento o digno órgão legislativo… tanto que aproveitou até mesmo a redação adotada naquela Emenda, graças a Deus e aos brasileiros, decaída há quase duas décadas. O princípio federativo confere aos entes federados competência privativa, que explicita o espaço constitucional de autonomia de cada qual. Todavia, o texto normativo do art. 25, § 1º, da Constituição brasileira, patenteia que a competência autônoma estadual limita-se pelos princípios da Constituição Federal. E alguns deles – como antes assinalado (como o da igualdade jurídica, o da moralidade pública, o da responsabilidade dos gastos públicos e o de sua definição quando da fixação ou aumento de gastos com pessoal segundo identificação de fonte de custeio, máxime em se cuidando para quem deixou de fazer parte do pessoal ativo da entidade) – são de observância obrigatória. No caso em pauta, foram eles descumpridos, com antes ponderado.”


A Ministra Cármen Lúcia foi acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandoski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, este baseado em fundamentação mais restrita.

O Ministro Eros Grau, em voto-vista, analisou cada um dos fundamentos utilizados pela Ministra relatora e, em conclusão oposta, votou pela improcedência da ação.

Pedi vista dos autos com o objetivo de deixar bem claros os fundamentos de meu voto que, na parte dispositiva, acompanha a conclusão da Ministra Relatora pela procedência da ação.

Muito refleti sobre o tema e, hoje, estou convencido de que nosso sistema constitucional permite a criação de pensões especiais como esta de que estamos tratando.

Não me impressionam os argumentos quanto à violação aos princípios republicano e da igualdade, assim como aos princípios da impessoalidade e a moralidade pública.

Vejamos o exemplo do direito comparado.

Em países como Itália e França, berço do que se conhece hoje como republicanismo[1][1], ex-Presidentes da República contam com certas garantias ou privilégios, previstos pelo próprio sistema, fundados apenas no fato do exercício do cargo de Chefe do Poder Executivo.

Na Itália, por exemplo, o art. 59 da Costituzione della Repubblica dispõe que “è senatore di diritto e a vita, salvo rinunzia, chi è stato Presidente della Repubblica”.

Na França, o Conseil Constitutionnel é composto também por antigos Presidentes da República, como prevê o art. 56 da Constituição:

“Article 56 :

Le Conseil Constitutionnel comprend neuf membres, dont le mandat dure neuf ans et n’est pas renouvelable. Le Conseil Constitutionnel se renouvelle par tiers tous les trois ans. Trois des membres sont nommés par le Président de la République, trois par le Président de l’Assemblée Nationale, trois par le Président du Sénat.

En sus des neuf membres prévus ci-dessus, font de droit partie à vie du Conseil Constitutionnel les anciens Présidents de la République.”

Nesses sistemas nunca se cogitou de afronta à República ou de quebra da isonomia. Não é possível deixar de constatar que o exercício do cargo de Presidente da República constitui, em si, um fator de diferenciação. A própria eleição, em regime democrático e num sistema de votação direta e universal, torna o representante do Governo um cidadão distinto dos demais. Se partirmos de pressuposto, inexorável, de que o próprio sistema exige um tratamento desigual diante de uma situação desigual, podemos então descartar qualquer hipótese, nesse caso, de violação ao princípio da igualdade. Com Alexy aprendemos que a estrutura da norma de tratamento desigual tem que ter a seguinte forma: “se há uma razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento desigual[2][2].

E, ademais, todos os que têm alguma vivência política sabem quão difícil é a equação institucional que envolve a presença, na vida política, dos ex-Presidentes da República.

Também não quero me comprometer com o argumento de violação ao princípio da simetria. A inexistência, atualmente, de parâmetro federal não pode ser razão única para impedir, peremptoriamente, os Estados-membros de instituírem esse tipo de pensão. Ressalto que a jurisprudência que se firmou neste Tribunal a respeito da inconstitucionalidade de normas estaduais com teor semelhante teve como fundamento o dispositivo do art. 184 da Constituição de 1967/69, que estabelecia um modelo nacional que deveria ser rigorosamente seguido pelos entes federativos (Rp n° 949/RN, Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ 1º.7.1977; Rp n° 1.193/MA, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 31.5.1985; Rp n° 892/RS, Rel. Min. Thompson Flores, DJ 28.9.1973; Rp n° 1.309/RE, Rel. MIn. Francisco Rezek, DJ 14.8.1987).


No período pós-88, a decisão proferida pelo Tribunal no julgamento da medida cautelar na ADI 1.461[3][3] (em 26.6.1996) parece ter levado a esse equívoco interpretativo.

O fato de a Constituição de 1988 não ter incorporado o antigo art. 184 da Constituição de 1967/69, ou de não ter ela disposto sequer uma linha sobre o assunto, não pode dar vazão a argumentos simplistas no sentido de que “o que não está permitido está proibido”. É elementar, do ponto de vista da Teoria da Constituição, que esse não pode ser o ponto de partida de uma leitura adequada do texto constitucional. A despeito da estrutura analítica de nossa Constituição, parece óbvio que o legislador é suficientemente soberano para criar as normas necessárias para o funcionamento do sistema, respeitados, claro, os limites definidos pela Constituição.

Do ponto de vista material, entendo ser plenamente possível ao legislador criar uma espécie de pensão especial a ser concedida àqueles que exerceram a Chefia do Poder Executivo. A matéria sequer é reservada à Constituição, podendo ser objeto de abordagem infraconstitucional. Como já foi aqui lembrado, no plano federal ressalta-se a existência do Decreto n° 1.347, de 1994, que confere aos ex-Presidentes da República o direito de utilizar os serviços de quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas, tudo à conta das dotações orçamentárias da Presidência da República.

Portanto, o tema pode ser disciplinado por legislação infraconstitucional.

Por isso, entendo que a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados apenas pode advir da violação, pelo poder constituinte decorrente, do princípio da divisão de poderes, tendo em vista que, em se tratando de Emenda à Constituição estadual, o processo legislativo ocorreu sem a participação do Poder Executivo. Esse entendimento encontra guarida na jurisprudência desta Corte (ADI-MC 1.746/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.9.2003; ADI 152/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 24.4.1992; Rp n° 1.175/GO, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 26.4.1985).

Para o fim de declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, portanto, fico apenas com este fundamento.

Quanto ao argumento da vinculação remuneratória proibida pelo art. 37, XIII, da Constituição, não vejo nele plausibilidade suficiente. A instituição desse tipo de pensão especial deve ter algum parâmetro quantitativo e este deve ser estabelecido em paridade com o valor vigente do subsídio do Chefe do Poder Executivo em exercício. Por se tratar de uma pensão especial, ela se submete a um regime específico, que não é previdenciário, mas que pode receber a incidência de algumas regras desse regime, justamente por ter caráter híbrido, como, por exemplo, a paridade remuneratória entre ativos e inativos.

O legislador estadual foi cuidadoso ao não cair no equívoco de simplesmente copiar a redação do texto do art. 184 da Constituição de 1967/69. Nesse modelo anterior, o subsídio mensal e vitalício concedido ao ex-Presidente da República era vinculado ao vencimento do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Portanto, tratava-se de uma exceção prevista pela própria Constituição Federal. Alguns Estados da Federação caíram no erro de copiar literalmente esse modelo vigente antes de 1988, estabelecendo como parâmetro o vencimento dos Desembargadores do Tribunal de Justiça local, sem se atentar para a regra da proibição de vinculação remuneratória, cuja exceção poderia decorrer apenas do texto constitucional no plano federal. No caso em questão, porém, o constituinte de Mato Grosso do Sul estabeleceu a paridade remuneratória com o subsídio do Chefe do Poder Executivo em exercício, o que, a meu ver, deve ser o modelo a ser seguido.

Repito, portanto, que, do ponto de vista material, não vejo qualquer inconstitucionalidade nas normas constitucionais estaduais impugnadas. Ressalto, mais uma vez, que o poder constituinte decorrente foi extremamente cuidadoso, prescrevendo, inclusive, que o subsídio deve ser restrito ao exercente de mandato integral, não podendo ser cumulativo com a remuneração de cargo eletivo ou de livre nomeação federal, estadual ou municipal. Isso descarta qualquer cogitação no sentido da adoção da técnica da interpretação conforme a Constituição.


De toda forma, creio que o ponto que merece uma reflexão pormenorizada do Tribunal diz respeito à alegada violação ao princípio da moralidade. Isso porque, como já deixei consignado em voto proferido na ADI 1.231/DF, o princípio da moralidade não pode servir, isoladamente, de parâmetro de controle em abstrato da constitucionalidade dos atos normativos emanados do legislador democrático. Alio-me, neste ponto, ao entendimento de Sepúlveda Pertence, também já declarado em outras ocasiões neste Tribunal, de que a moralidade pura e simples não pode ser condição determinante da inconstitucionalidade de uma lei. Certamente, o Tribunal não pode se ater unicamente à fluidez do conceito de moralidade para anular atos do Poder Legislativo.

Seguindo esse mesmo entendimento, o Ministro Eros Grau, em seu voto, bem acentuou que “o conteúdo do princípio da moralidade há de ser encontrado no interior do próprio direito”.

Deixe-se claro, todavia, que não quero com isto defender uma rígida separação entre Direito e Moral, própria de um positivismo formalista. Desde seu primeiro incurso na doutrina administrativista de Maurice HAURIOU (Précis de Droit Administratif et de Droit Public. Paris: Sociétè Anonyme du Recueil Sirey; 1927), o princípio da moralidade traduz a idéia de que sob o ato jurídico-administrativo deve existir um substrato moral, que se torna essência de sua legitimidade e, em certa medida, condição de sua validade.

Intento apenas alertar o Tribunal para o problema da declaração de nulidade de uma norma sob o único argumento de que é imoral ou, melhor dizendo, de que afronta uma indefinida moral pública. Entendo que, neste caso, estaríamos a penetrar indevidamente no juízo político e ético do legislador e, conseqüentemente, a estabelecer uma indesejável vinculação do Direito à Moral, que seria muito cara à própria democracia, cuja essência está no pluralismo de valores éticos; pluralismo este declarado como “valor supremo” no preâmbulo da Carta de 1988.

Evidente, por outro lado, que o tema pode ser devidamente densificado, tendo em vista outros parâmetros, como o princípio da proporcionalidade, o princípio da não-arbitrariedade da lei, e o próprio princípio da isonomia. O princípio da moralidade, portanto, para funcionar como parâmetro de controle em abstrato de constitucionalidade, deve vir aliado a outros princípios fundamentais, dentre os quais assumem relevância aqueles que funcionam como diretriz para a atuação da Administração Pública.

Com essas breves considerações, julgo procedente a ação, por fundamentos diversos dos trazidos pela Relatora.


[1][1] Cfr.: SKINNER, Quentin. The foundations of the modern political thought. …

[2][2] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2002, p. 397.

[3][3] “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. EX-GOVERNADOR DE ESTADO. SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO A TÍTULO DE REPRESENTAÇÃO. EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 003, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1995, DO ESTADO DO AMAPÁ. 1. Normas estaduais que instituíram subsídio mensal e vitalício a título de representação para Governador de Estado e Prefeito Municipal, após cessada a investidura no respectivo cargo, apenas foram acolhidas pelo Judiciário quando vigente a norma-padrão no âmbito federal. 2. Não é, contudo, o que se verifica no momento, em face de inexistir parâmetro federal correspondente, suscetível de ser reproduzido em Constituição de Estado-Membro. 3. O Constituinte de 88 não alçou esse tema a nível constitucional. 4. Medida liminar deferida.” (ADI-MC 1.461, Rel. Min. Maurício Corrêa)

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