Serena resistência

Renan Calheiros não esmorece, luta; não se abate, levanta

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11 de setembro de 2007, 19h55

É de Saint-Beuve a célebre frase de que, “quando o destino de uma nação está no quarto de uma mulher, o melhor lugar para um historiador é a antecâmara”. A via-crúcis pela qual passa o presidente do Senado parece não ter precedência na longa história de vida da instituição. Da relação então experimentada, que é da condição humana, irrefreável tormenta desabou sobre seus ombros. De lá para cá, a imprensa, todos os dias, imperdoavelmente, tem noticiado, com manchetes de primeira página, episódios ligados à sua vida particular e pública. É o tributo pago por exercer alto cargo do escalão estatal.

Harriette Wilson, uma mulher charmosa, bonita e inteligente, era a mais procurada fornecedora de sexo da Londres do reinado de George 14. Em 1824, com 35 anos, já preocupada com as rugas do tempo, resolveu publicar suas memórias. Entre seus clientes contavam-se condes, duques, marqueses, membros da Câmara dos Comuns e dos Lordes, além de destacados homens de negócio e profissionais liberais.

Foi atrás de um livreiro para encarregar-se da publicação das memórias, ajustando com ele que os fascículos seriam editados em série. Acertou que ficaria com percentual remuneratório sobre as vendas. Reservou, contudo, para si própria o grosso do lucro. Viria de um estranho fundo cuja fonte de suprimento se constituiria dos recursos de chantagem armada contra seus clientes.

Antes da publicação de cada fascículo, os personagens envolvidos eram avisados de que, para evitá-la, teriam que fazer um depósito bancário, em nome de Harriette, de 200 libras esterlinas para cada contemplado. Com isso, conseguiu amealhar recursos que lhe permitiram viver o resto da vida em Paris, tranqüila e financeiramente abastecida.

Walter Scott, seu contemporâneo e emérito romancista, assustou-se quando deu conta de que Invanhoe, seu livro de sucesso, vendia menos do que os escandalosos fascículos de Harriette. Satisfeita, teria dito, referindo-se a Scott: “Agora somos as duas maiores pessoas da Europa! Scott do jeito dele, e eu do meu! Tudo o que vier depois de nós serão meras cópias”.

Sem pretender entrar no mérito do que está em apuração no Senado, o que se poderia indagar é se a conduta particular de certos personagens da vida pública nacional resistiria a tão pertinaz, insistente e torrencial campanha. Afinal, quantos não estão respondendo a ações, algumas com acusações graves, perante a Justiça? No entanto, estão aí sorrindo, felizes como se fossem imaculados. Resistiriam à metade da pancadaria que se abateu sobre o presidente do Senado?

Ninguém pode negar o papel de extrema relevância que a imprensa desempenha no contexto democrático dos países livres. É salutar que sua atuação continue sendo a de informar a opinião pública. No caso do senador, parece que a exacerbação do noticiário vem cansando a sociedade. A massificação de notícias que tem tido constância irrepreensível começa a enjoar parcelas da sociedade nacional.

Alguns semanários, obedecendo ao que dizem ser jornalismo investigativo, têm sido de desumana crueldade. Algumas matérias, de virulento conteúdo persecutório, se desmascararam por evidências posteriores. É o que resultou até agora da inexistência de comprovação de muitas das imputações conhecidas. No lugar de promover jornalismo investigativo, partiram para a agressão, algo bem distinto da informação em si a que deve merecer o leitor. Muito mais do que informar, transparece de tal circunstância o sentido de certa hostilidade de caráter pessoal.

Ao leigo de fora que assiste a tamanha crucificação, um fato deve ser registrado. Ao longo de todo o tempo em que se tornou a notícia número um da mídia nacional, a postura do presidente do Senado tem sido de impecável temperança. Na porta de casa, em frente ao gabinete, nos corredores ou no Plenário do Senado, enfim, por onde passa, é acompanhado por um batalhão de fotógrafos, cinegrafistas e repórteres. Nada contra. É dever deles. Mas o que deve se observar é que não se conhece qualquer descortesia que tenha praticado contra os que cobrem a notícia. Não é fácil conter a pressão a que se submete. É difícil supor se outro em seu lugar teria similar equilíbrio.

Arcou com a responsabilidade de seus atos. Teve a coragem de explicar-se em público. Bravamente, esse o advérbio certo, tem procurado responder a cada uma das imputações. Seus discursos têm sido moderados, corteses, embora se perceba a amargura de que padece. Isso não é fácil. Que digam os que já passaram por experiência parecida.

Se houvesse antes se afastado da presidência do Senado, quiçá não tivesse padecido do desgaste físico e moral até aqui sofrido. Não dá para saber se valeu a pena tanto sacrifício quando tudo poderia ter sido evitado.

Justiça seja feita. Renan não esmorece, luta; não se abate, levanta; não corre, combate; não desiste, persiste. Certo de que nada deve, espera serenamente que lhe tirem a “forca do pescoço”.

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense no domingo (9/9)

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