Patrimônio genético

Só lei pode proteger o uso da biodiversidade nacional

Autores

  • Reginaldo Minaré

    é advogado e diretor Jurídico da ANBio — Associação Nacional de Biossegurança.

  • Fernando Abdala

    é advogado sócio de Abdala Advogados relator do Grupo de Direito do Trabalho para elaboração do Marco Legal de Startups no Governo Federal pós-graduado em Direito Constitucional pelo IDP mestrando em Políticas Públicas pelo IDP conselheiro seccional da OAB-DF gestão 2019-2021 presidente da Comissão de Direito do Trabalho e Sindical da OAB-DF gestão 2019-2021 e membro consultor das Comissões de Direito Sindical e Direitos Sociais do Conselho Federal da OAB.

8 de setembro de 2007, 0h00

Atualmente é comum ouvir e ler afirmações de que o Brasil é o país mais rico do mundo em matéria de patrimônio genético. Essa afirmação, decididamente, não pode ser entendida apenas como referência à quantidade imponente do conjunto dos recursos naturais existentes no território brasileiro.

Esse conceito de riqueza que envolve o patrimônio genético nacional, embora não tenha sido devidamente avaliada do ponto de vista econômico, e certamente não será possível fazer uma avaliação econômica realista antes de seu pleno conhecimento, deve ser compreendido também como riqueza no sentido de potencial abundância econômica.

Estima-se que 20% do total das espécies encontradas no planeta estão em território brasileiro, incluindo plantas superiores, mamíferos, peixes, principalmente de água doce, e anfíbios. Percentual que certamente será elevado quando for possível identificar os insetos e os microrganismos que vivem no território nacional.

Abrigada em seis biomas espalhados pelo território brasileiro — Cerrado, Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Pantanal, Caatinga e Costeiros — a diversidade biológica nacional, com o grande avanço das biociências e das biotecnologias, desperta o interesse da comunidade doméstica e internacional.

Todavia, a este promissor segmento não corresponde uma política bem delineada e uma legislação pátria garantidora de sua utilização sustentável e adequada preservação.

O que temos no Brasil é uma tentativa emergencial de legislação que, embora bem intencionada, não foi bem sucedida em seu propósito de estabelecer um marco regulatório dinâmico para as atividades de acesso ao patrimônio genético, para a proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado a biodiversidade, bem como garantidor da repartição justa e eqüitativa dos benefícios do seu uso.

De acordo com as definições da Medida Provisória (MP) 2.186-16, artigo 7°, patrimônio genético é a informação de origem genética; o acesso ao patrimônio genético é a obtenção e utilização de amostra do componente do patrimônio genético para fins de pesquisa ou bioprospecção; e o conhecimento tradicional associado é informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local.

A MP 2.186-16, reeditada pela última vez em 23 de agosto de 2001 e congelada pela Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001, criou um sistema de regulação burocrático, baseado na emissão de autorização para quase todas as atividades. A administração desse sistema cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão deliberativo e normativo que foi instituído pela citada MP no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.

Antes da realização da atividade exploratória com potencial de uso comercial, a MP estabelece que o interessado deverá assinar com o proprietário da área um contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios. Tendo em vista que um percentual baixo das pesquisas resulta efetivamente em produtos, a obrigatoriedade deste procedimento, que deve passar pelo moroso crivo do CGEN, aumenta significativa e desnecessariamente os custos de transação para os envolvidos.

Para esses e muitos outros problemas relacionados à regulação do patrimônio genético, o Governo tenta dar uma solução por meio de um Projeto de Lei a ser enviado ao Congresso Nacional, quando e se, um dia, os Ministérios afetos a questão entrarem num acordo sobre o texto que vem sendo discutido há mais de 5 anos sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República.

Enquanto uma nova lei não é proposta, o Governo busca amenizar os entraves e equívocos por meio de normas infralegais, tais como os Decretos 3.945 de 28 de setembro de 2001, 5.459 de 7 de junho de 2005 e 6.159 de 11 de julho de 2007, e as Resoluções do CGEN. Todavia, procurar modificar comando legal ou sanear ilegalidades existentes por meio de decreto é uma prática temerária, visto que a barreira da ilegalidade está assentada no instituto do Estado de Direito, que está no âmago do modelo de Estado adotado pelo Constituinte de 1988, que é o de Estado Democrático de Direito.

Esta matéria, que é de grande relevância para o país, está disciplinada desde junho de 2000 por uma MP que ainda não foi apreciada pelo Parlamento, ou seja, não é uma norma que passou pelo crivo do processo legislativo, que materializa o procedimento de legitimação pela democracia.

Neste caso, não importa quantos remendos sejam produzidos, só uma nova lei poderá construir uma eficaz proteção para a o uso da biodiversidade nacional, reduzindo a biopirataria e trazendo para a legalidade as empresas e pesquisadores sérios. Não adianta pensar em MP novamente, visto que com este instrumento não se pode dispor sobre matéria penal e a construção de tipo penal que seja capaz de motivar as pessoas para o cumprimento da norma é o instrumento que efetivamente falta para se combater com maior eficiência a biopirataria. Outro ponto que a nova legislação deverá abordar com precisão e clareza é a definição da titularidade do recurso genético.

O encaminhamento de projeto de lei com pedido de urgência constitucional é, sem dúvida, a melhor alternativa para o governo federal levar este assunto ao Congresso Nacional.

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