Justiça paulista

Propostas para resolver acúmulo de ações nos juizados de SP

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7 de setembro de 2007, 0h00

O sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais é composto de inúmeras varas para julgamentos em primeira instância e os eventuais recursos contra as sentenças proferidas em tal espécie de jurisdição são encaminhados aos Colégios Recursais, atualmente instalados nas sedes das Circunscrições Judiciárias do Estado de São Paulo, e também em algumas comarcas.

Na atual gestão do Tribunal de Justiça paulista, inúmeras varas exclusivas de juizados foram instaladas, provendo-se juízes para nelas trabalhar como titulares, em dedicação exclusiva.

Mas, em muitas comarcas paulistas onde ainda não foram instaladas tais varas, o processo e julgamento dos feitos dos Juizados é tarefa exercida de forma cumulativa, não raras vezes obrigatória, e sem remuneração extra, pelos juízes titulares de varas da Justiça comum. O mesmo ocorre com todos os juízes que atualmente compõem os Colégios Recursais do interior paulista.

Em razão disso, pela crescente demanda, e devido ao recente ajuizamento de ações em grande número (assinatura mensal de telefonia etc.), em muitas comarcas os feitos dos juizados estão com julgamentos atrasados, e pautas de audiência para mais de um ou até dois anos.

Para tentar resolver o problema, pelo menos no âmbito dos Colégios Recursais, e sem dúvida com as melhores das intenções, o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, formado pelo presidente do Tribunal de Justiça, primeiro vice-presidente e corregedor-geral da Justiça, editou o Provimento 1.335/07. Ele, em síntese, pretende extinguir os Colégios Recursais do interior e criar um Colégio Recursal único na capital, composto por juízes trabalhando em dedicação exclusiva, ou seja, com prejuízo das funções das varas de que são titulares.

Como é de conhecimento, tal provimento teve recentemente sua eficácia suspensa, por decisão liminar proferida em mandado de segurança, impetrado por um desembargador do Órgão Especial paulista (que representa todo do Tribunal de Justiça de São Paulo, e é composto por 25 desembargadores, a maioria entre os mais antigos, e recentemente alguns eleitos — artigo 93, inciso XI, da Constituição Federal).

O embate sobre a questão, até o momento, está sendo travado na esfera da “competência”, da “conveniência” ou “oportunidade” da medida, e da ausência ou não de “consulta” aos magistrados atingidos ou ao próprio Órgão Especial. Mas o problema é bem mais profundo.

Lendo o teor do artigo 24, inciso X, e do artigo 98, incisos e parágrafos, da Constituição Federal (estes últimos com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04, conhecida como “Reforma do Judiciário”), extrai-se, sem dificuldade, que foi dada autonomia, aos estados federados, para legislar sobre “criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas”, sendo “permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”

Importante abrir um parêntesis para anotar que a descentralização da Justiça Brasileira foi um dos carros chefes da chamada emenda da “Reforma do Judiciário” (EC 45/2004), tanto que, por exemplo, tal reforma atribuiu ao artigo 125, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a seguinte redação: “o Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”.

No mesmo raciocínio, a Emenda 21 à Constituição do Estado de São Paulo, de 14 de fevereiro de 2006, acrescentou o artigo 71-A e seu parágrafo único, segundo os quais “o Tribunal de Justiça poderá funcionar de forma descentralizada, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. (…) O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários”.

Isso porque, num país de dimensões continentais, e particularmente num estado de São Paulo que é maior ou quase do mesmo tamanho que muitos países da Europa, é muito difícil para o jurisdicionado, na maioria das vezes pobre, sem acesso à internet — e nos Juizados por vezes sem advogado ou assistido por defensoria pública — levar seu inconformismo contra a sentença à instância superior, tendo que vencer por vezes centenas de quilômetros.

É certo que a atual crescente informatização e digitalização da Justiça paulista, bem como a democratização do acesso à internet, tendem a amenizar, e talvez no futuro solucionar esse problema de distância. Mas ainda não chegamos a esse ponto ideal.

Fechando o parêntesis, e voltando ao âmbito da Constituição do estado de São Paulo, observa-se que seu artigo 84 e parágrafos dispõem que “as Turmas de Recursos são formadas por juízes de direito titulares da mais elevada entrância de primeiro grau, na capital ou no interior, observada a sua sede, nos termos da resolução do Tribunal de Justiça, que designará seus integrantes, os quais poderão ser dispensados, quando necessário, do serviço de suas varas. (…). As Turmas de Recurso constituem-se em órgão de segunda instância, cuja competência’ vinculada aos Juizados Especiais e de Pequenas Causa. (…) A designação prevista neste artigo deverá ocorrer antes da distribuição dos processos de competência da Turma de Recursos”.

A quem interprete que tal dispositivo constitucional paulista teria delegado/facultado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de ato meramente administrativo (“resolução do Tribunal de Justiça”), o poder para criar e extinguir Colégios Recursais, “na capital ou no interior”.

De qualquer forma, abrindo outro parêntesis, mesmo se assim fosse possível, o ato administrativo correto, nos termos do próprio dispositivo constitucional em análise, seria “resolução do Tribunal de Justiça”, ou seja, do Tribunal Pleno (todos os desembargadores), ou do Órgão Especial que o representa (25 desembargadores) — não mero “provimento” do Conselho Superior da Magistratura, composto por apenas três desembargadores.

Mas a interpretação sistemática sugere que a dita “resolução do Tribunal de Justiça” apenas pode disciplinar a forma da “designação” de juízes para atuar no Colégio Recursal (antiguidade, merecimento, atuação cível, criminal, etc.), pois a “organização e divisão judiciárias”, tal como a criação e extinção de Colégios Recursais, verdadeiros “tribunais” que sequer estão submetidos ao Superior Tribunal de Justiça (de suas decisões somente cabe, em tese, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal). São matérias reservadas a lei, e de regra lei complementar, conforme se constata de inúmeros dispositivos da mesma Constituição Paulista (artigo 19, inciso VIII, artigo 23, parágrafo único, item “1”, artigo 24, parágrafo 4º, item “2”, artigo 70, inciso IV).

E não é só, pois o artigo 87 da Constituição Paulista dispõe que “os Juizados Especiais das causas cíveis de menor complexidade e das infrações penais de menor potencial ofensivo terão sua composição e competência definidas em lei, obedecidos os princípios previstos no artigo 98, I, da Constituição Federal” e o artigo 15 de seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação original de 05 de outubro de 1989, previu que “o Tribunal de Justiça, dentro do prazo de 90 dias, após a promulgação desta Constituição, encaminhará projeto de lei à Assembléia Legislativa, dispondo sobre a organização, competência e instalação dos Juizados Especiais a que se refere o artigo 87”.

A “novidade”, e ponto central deste artigo, é que a aludida lei existe, e está em plena vigência.

É a Lei Complementar Estadual (SP) 851, de 09 de dezembro de 1998, a qual dispõe expressamente em seu artigo 15, parágrafo 1º: “fora da Capital, será instalada uma Turma Recursal em cada uma das Circunscrições Judiciárias” — determinação que também se extrai do artigo 13, parágrafo 2º, artigo 15, parágrafo 2º.

Também de forma oposta ao Provimento CSM 1335/2007 (e como facultou o artigo 84, caput, da Constituição Paulista), o artigo 17 da aludida LC (SP) 851/1998 não deixa dúvidas ao determinar que “o exercício da função de Juiz da Turma Recursal é cumulativo com as demais atribuições do próprio magistrado”.

Mas, ainda que por amor ao debate, houvesse a possibilidade de se declarar eventual suposta inconstitucionalidade de tal Lei Complementar, deve-se lembrar os termos também claros do artigo 97 da Constituição Federal, segundo o qual: “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Na minha opinião, com intuito construtivo, para resolução dos problemas atuais de longas pautas de audiência ou atrasos em julgamento por excesso de serviço, poderia o Tribunal de Justiça Paulista continuar o excelente trabalho que já desenvolve, de instalação e provimento das varas de Juizado, bem como de informatização e até digitalização de processos.

Além disso, por meio de proposta de projeto de lei complementar, aperfeiçoar o sistema, mantendo-se, pelo menos nesse momento histórico, a descentralização, prevendo-se incidente de uniformização de jurisprudência (a exemplo do que ocorre nos Juizados Federais), para agilizar as decisões e fornecer maior segurança jurídica ao cidadão. Prever ainda remuneração pela atividade extraordinária nos juizados e colégios recursais, quando cumulativa com as funções do cargo do qual o magistrado é titular, ou revogando o artigo 17 da aludida LC (SP) 851/1998, de forma a permitir, aí sim, a designação aos Colégios Recursais em regime de dedicação exclusiva.

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