Arranjo político

Lula blindou o acesso do PT ao Supremo Tribunal Federal

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7 de setembro de 2007, 18h23

Lula não é um líder; é um arranjo, um enorme arranjo político. Sua aparentemente inabalável popularidade tem o poder de aglutinar um extenso e crescente arco de apoio dos mais variados tons. Ocupam espaço em seu governo ou na base de sustentação parlamentar mesmo aqueles que, no passado, recente ou distante, criticaram, menosprezaram ou ridicularizaram-no. A oposição, cada vez menor, mais acuada e desnorteada, não tem discurso. Apenas aguarda o desarranjo.

Apenas Tancredo Neves, na articulação da redemocratização brasileira, havia conseguido juntar tanta gente de tão diferentes perfis e fazer um arranjo de igual envergadura ao do Lula.

Mas, ao falecer antes de tomar posse, Tancredo não teve oportunidade de mostrar que, além da inegável habilidade política, também teria liderança; isto é, capacidade de enxergar à frente de seu tempo e não só indicar caminhos para o país percorrer como também impulsionar o caminhar.

Este é um país de poucos líderes. Não foi líder, por exemplo, nosso primeiro governante, dom Pedro 1º. Posava de monarca liberal, agia como absolutista. Foi dúbio até o quanto pôde em relação à independência. Proclamou-a, mas nunca conseguiu convencer verdadeiramente a elite política brasileira de que não voltaria a reunir, sob sua coroa, o império ao reino, se a oportunidade aparecesse. Seu único projeto era pessoal: o poder. Talvez não tenha sido, também ele, mais que um arranjo político.

Lula é inteligente a ponto de saber que seu governo vai melhor nas áreas em que as falanges petistas transitam com menor desenvoltura. E, por isso, blindou do assédio do PT duas áreas sensíveis.

Uma delas é a econômica, em que sabiamente mantém a política de controle da inflação e garante a autonomia de fato do Banco Central. A outra é a do preenchimento das vagas abertas nos tribunais superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal.

No início do primeiro mandato, havia o fundado receio de que o Supremo pudesse ser indecorosamente politizado, em vista do grande número de ministros que Lula teria a chance de indicar. Afinal, podíamos confiar em certa tranqüilidade na economia em razão da “Carta aos Brasileiros”, mas não havia nenhum pronunciamento equivalente para a questão institucional.

Feitas as três primeiras indicações, essa preocupação se desanuviou. Creditou-se o acerto, naquele tempo, muito à força do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que nunca foi petista. Mas, como as indicações criteriosas continuaram, mesmo no segundo mandato, convém admitir que Lula revela ter toda a clareza de que a composição do STF é questão de Estado, que deve sempre transcender os interesses de qualquer governo.

Na última indicação, aliás, Lula se afastou das indicações de seu partido e levou ao Supremo Tribunal Federal um jurista de tendência conservadora. Acertou uma vez mais, porque é salutar à mais alta corte de Justiça do país a composição com variados matizes de pensamento.

O acerto de Lula nas indicações para o STF pôde ser confirmado recentemente, na apreciação da denúncia oferecida pelo procurador-geral da República em razão dos fatos apurados na CPI dos Correios. A independência e o apuro técnico manifestados pelos ministros puderam ser constatados por todos os que acompanharam as sessões pela TV Justiça, mesmo os não-familiarizados com as tecnicalidades do processo penal.

Claro, houve lamentável descuido na exteriorização de certas opiniões em espaços públicos, como são a própria sala de julgamentos da corte e os restaurantes. Isso apenas indicou que os mais novos ainda estão assimilando o protocolo do cargo. O episódio, ademais, não empanou a boa impressão deixada pelo Supremo e tampouco revelou qualquer desacerto nas indicações de Lula.

O processo instaurado pelo STF ainda vai percorrer um longo caminho. A condenação dependerá da construção do quadro probatório e de outras questões técnicas. Mas, desde o recebimento da denúncia no histórico julgamento, os brasileiros podem realisticamente antever mudanças significativas na questão da impunidade dos corruptos.

Ao receberem a denúncia, além de independentes e técnicos, os ministros do Supremo foram fortes; mostraram a força de que tanto necessita o país no combate à corrupção.

*Artigo publicado nesta sexta-feira (7/9) no jornal Folha de S. Paulo.

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