Prerrogativa de foro

Processo que tem Ivo Cassol e outros acusados é desmembrado

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6 de setembro de 2007, 21h48

Deve ser desmembrado o Inquérito em que o governador de Rondônia, Ivo Cassol, o senador Expedito Júnior (PR-RO) e mais 11 pessoas são acusadas de comprar votos de mais de mil eleitores durante as eleições de outubro de 2006. A decisão inédita é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal.

Todos eles também são acusados de formação de quadrilha, corrupção eleitoral, coação de testemunhas e usurpação de cargo público. Com o desmembramento, permanece em julgamento no Supremo apenas o caso do senador Expedito Júnior que detém prerrogativa de foro privilegiado.

“O Supremo, hoje, encontra-se inviabilizado ante sobrecarga invencível de processos. Então, os plúrimos, a revelarem ações penais ajuizadas contra diversos cidadãos, viriam a emperrar, ainda mais, a máquina existente, projetando para as calendas gregas o desfecho almejado”, ressaltou o ministro.

Ele encaminhou para o Superior Tribunal de Justiça o processo relativo ao governador de Rondônia, Ivo Cassol. Os casos dos demais acusados que não gozam de prerrogativa de foro foram para a Justiça Eleitoral de Rondônia.

“Em síntese, somente devem tramitar sob a direção do Supremo os inquéritos que envolvam detentores de prerrogativa de foro, detentores do direito de, ajuizada ação penal, virem a ser julgados por ele”, concluiu Marco Aurélio.

As acusações

A denúncia foi oferecida pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, ao Supremo no início do mês passado. De acordo com ele, o esquema de compra de votos tinha o objetivo de favorecer além de Cassol e Expedito, a mulher e o irmão do senador, Val Ferreira (PPS) e José Antônio (PSDC), então candidatos a deputado federal.

De acordo com a investigação da Polícia Federal, o suposto crime foi revelado em depoimento de empregados da empresa Rocha Segurança e Vigilância Ltda, que pertence ao irmão do senador Expedito Júnior. Ele se chama Irineu Gonçalves Ferreira. Segundo a denúncia, os funcionários receberam R$ 100 para votar nos quatro candidatos e pessoas ligadas a Expedito Júnior.

Após a conclusão da investigação pela PF em Rondônia, cujas provas levaram a cassação, em abril deste ano, do mandato do Senador Expedito Júnior pelo Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, a Polícia teve notícia de que testemunhas estariam sofrendo coação por parte de policiais civis para alterarem os depoimentos prestados. Expedito conseguiu se manter no cargo por meio de liminar concedida mais tarde pelo ministro Arnaldo Versiani, do Tribunal Superior Eleitoral. O ministro entendeu que “não ficou demonstrado que o fato tenha influenciado o resultado da eleição”.

Novo Inquérito foi instaurado para apuração desses fatos. Constatou-se que autoridades estaduais, a mando do governador Ivo Cassol, estavam coagindo e oferecendo vantagens às testemunhas da compra de votos para que negassem a existência da prática do delito. A intenção era beneficiar o governador e o grupo político a ele vinculado.

Leia a decisão:

PETIÇÃO 3.838-0 RONDÔNIA

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE(S): DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL – SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM RONDÔNIA

REQUERIDO(A/S): EXPEDITO GONÇALVES FERREIRA JÚNIOR OU EXPEDITO JÚNIOR

REQUERIDO(A/S): VALDELISE MARTINS DOS SANTOS OU VAL FERREIRA

REQUERIDO(A/S): JOSÉ ANTONIO GONÇALVES FERREIRA

REQUERIDO(A/S): CARLOS DOS REIS BATISTA

REQUERIDO(A/S): JOSÉ ROBÉRIO ALVES GOMES

REQUERIDO(A/S): SDNEY DE MATOS LIMA

ADVOGADO(A/S): ERNANDES VIANA E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): SIDCLEI DE MATOS LIMA OU SIDCLEY DE MATOS LIMA

ADVOGADO(A/S): ERNANDES VIANA E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): ELISANGELA DE OLIVEIRA MOURA

REQUERIDO(A/S): RAIMUNDO NONATO SOUZA SANTOS

REQUERIDO(A/S): FRANCISCO GUTEMBERG CARVALHO CEZÁRIO

REQUERIDO(A/S): LIBÓRIO HIROSHI TAKEDA

REQUERIDO(A/S): LINDEMBERG FERREIRA CAMPOS

DECISÃO

COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – EXTENSÃO A CO-RÉUS – IMPROPRIEDADE.

1. Eis as informações prestadas pelo Gabinete:

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o Senador Expedito Júnior, o Governador de Rondônia, Ivo Cassol, Elisângela de Oliveira Moura, Raimundo Nonato Souza Santos, José Robério Alves Gomes, Sdney de Matos Lima, Sidcley de Matos Lima, Valdelise Martins dos Santos, Renato Eduardo de Souza, Hélio Teixeira Lopes Filho, Gliwelkison Pedrisch de Castro, Nilton Vieira Cavalcante e Agenor Vitorino de Carvalho, em razão da prática dos delitos tipificados nos artigos 299 do Código Eleitoral e 288, 328, 342, 343 e 344 do Código Penal.

No Inquérito Policial nº 403/2006, a Polícia Federal em Rondônia apurou a existência de um esquema de compra de votos naquele Estado nas eleições de 2006. Após a conclusão da investigação, cujas provas ensejaram a cassação do mandato do Senador Expedito Júnior pelo Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, à autoridade policial chegou notícia de que testemunhas estariam sofrendo coação por parte de policiais civis para alterarem os depoimentos prestados. Novo inquérito policial foi instaurado para apuração desses fatos – IPL nº 061/2007. Constatou-se que autoridades estaduais, a mando do Governador Ivo Cassol, estavam coagindo e oferecendo vantagens às testemunhas da compra de votos para que negassem a existência da prática do delito, beneficiando, assim, o Governador e o grupo político a ele vinculado.

Na peça acusatória, o Procurador-Geral da República descreve os fatos que ensejaram a imputação dos crimes de corrupção e coação de testemunhas (folha 1.128 a 1.138). Considerou também a existência de caráter estável do grupo que praticou a multiplicidade dos delitos, motivando a denunciação de Ivo Narciso Cassol, Renato Eduardo de Souza, Hélio Teixeira Lopes Filho, Gliwelkison Pedrisch de Castro, Nilton Vieira Cavalcante e Agenor Vitorino de Carvalho.

Registro que o denunciado Agenor Vitorino de Carvalho não consta da autuação deste processo.

Anoto, também, a existência de petição juntada à folha 943 à 946, em que o referido denunciado pleiteia a revogação da ordem de prisão preventiva determinada pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Rondônia. Esclarece que, como decorrência da instauração do Inquérito Policial nº 61/2007, encontra-se preso desde 20 de abril de 2007. Informa que o ministro Gilmar Mendes não conheceu do Habeas Corpus nº 91.614-7/RO, por não se inserir na competência do Supremo o julgamento de impetração contra ato de juiz de primeira instância (folhas 944 e 945). Então, considerando a remessa do Inquérito nº 61/2007 e a junção a este processo, pede, evocando o princípio da celeridade processual, seja analisada a legalidade da prisão preventiva decretada.

O Ministério Público Federal, na petição de folhas 1.123 e 1.124, afirma que “a denúncia não abrange todos os agentes envolvidos nos fatos investigados, a fim de não inviabilizar, devido ao elevado número de réus, a instrução da ação penal a ser instaurada, como preconiza o artigo 80 do Código de Processo Penal”. Quanto aos demais investigados, não detentores de foro por prerrogativa de função perante o Supremo, a Procuradoria Geral da República propõe o desmembramento do processo, encaminhando os autos ao Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, visto que entre eles há um deputado estadual e secretários de Estado. Requer, alfim, o apensamento do IPL nº 061/2007 e da Medida Cautelar de Interceptação Telefônica nº 2007.41.00.000806-8 a este processo e a remessa de cópia integral dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, para prosseguir em relação aos demais investigados, não abrangidos pela denúncia oferecida.

2. Está em jogo caso emblemático. O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o Senador da República Expedito Gonçalves Ferreira Júnior – que goza da prerrogativa de ser julgado pelo Supremo –, contra o Senhor Ivo Narciso Cassol – que, ante a qualificação de Governador de Estado, detém a prerrogativa de ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – e contra onze cidadãos cujo princípio do juiz natural direciona à competência, para a ação penal, do juízo eleitoral. Deixou de denunciar outros envolvidos, pedindo, em relação a eles, ante o disposto no artigo 80 do Código de Processo Penal, o desmembramento dos autos, com remessa de cópia integral ao Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia.

Surge quadro discrepante do sistema processual em vigor. Ou bem cabe ao Supremo apreciar a ação penal no tocante a todos os envolvidos ou somente quanto ao detentor da prerrogativa de foro, não se mostrando possível articular com o previsto no mencionado preceito – a viabilizar o desmembramento do processo ante o grande número de acusados – a ponto de assentar a dualidade, ou seja, a competência do Supremo e a de outro órgão em face do envolvimento de deputados estaduais e secretários de Estado.

Valho-me do que tive a oportunidade de sustentar no Plenário, com o acolhimento dos demais ministros, sobre a natureza da competência desta Corte:

[…] as normas definidoras da competência do Supremo são de Direito estrito. Cabe ao Tribunal o respeito irrestrito ao artigo 102 da Constituição Federal. Sob o ângulo das infrações penais comuns, cumpre-lhe processar e julgar originariamente o Presidente e o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros que o integram e o Procurador-Geral da República, mostrando-se mais abrangente a competência, a alcançar infrações penais comuns e crimes de responsabilidade, considerados os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no artigo 52, inciso I, da Carta da República, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente – alíneas “b” e “c” do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal.

Então, forçoso é concluir que, em se tratando do curso de inquérito voltado à persecução criminal, embrião da ação a ser proposta pelo Ministério Público, a tramitação sob a direção desta Corte, presentes atos de constrição, pressupõe o envolvimento de autoridade detentora da prerrogativa de foro, de autoridade referida nas citadas alíneas “b” e “c”. Descabe interpretar o Código de Processo Penal conferindo-lhe alcance que, em última análise, tendo em conta os institutos da conexão ou da continência, acabe por alterar os parâmetros constitucionais definidores da competência do Supremo. Argumento de ordem prática, da necessidade de evitar-se, mediante a reunião de ações penais, decisões conflitantes, não se sobrepõe à competência funcional estabelecida em normas de envergadura maior, de envergadura insuplantável como são as contidas na Lei Fundamental. O argumento calcado no pragmatismo pode mesmo ser refutado considerada a boa política judiciária, isso se fosse possível colocar em segundo plano a ordem natural das coisas, tal como contemplada no arcabouço normativo envolvido na espécie.

O Supremo, hoje, encontra-se inviabilizado ante sobrecarga invencível de processos. Então, os plúrimos, a revelarem ações penais ajuizadas contra diversos cidadãos, viriam a emperrar, ainda mais, a máquina existente, projetando para as calendas gregas o desfecho almejado. A problemática do tratamento igualitário – e cada processo possui peculiaridades próprias, elementos probatórios individualizados – não é definitiva, ante a recorribilidade prevista pela ordem jurídica e, até mesmo, a existência da ação constitucional do habeas corpus. Em síntese, somente devem tramitar sob a direção do Supremo os inquéritos que envolvam detentores de prerrogativa de foro, detentores do direito de, ajuizada ação penal, virem a ser julgados por ele […].

3. Declino da competência, fazendo-o de forma diversificada. Para o Superior Tribunal de Justiça, quanto ao governador Ivo Cassol. Para a Justiça Eleitoral no Estado de Rondônia, no tocante aos cidadãos que não gozam de prerrogativa de foro quer considerado o Supremo, quer o Superior Tribunal de Justiça.

4. Providenciem cópias da íntegra deste processo, a serem remetidas ao Superior Tribunal de Justiça e à Justiça Eleitoral no Estado de Rondônia.

5. Com esta decisão, fica prejudicado o pedido de relaxamento de prisão formulado por Agenor Vitorino de Carvalho, denunciado na peça do Ministério Público Federal, que não tem prerrogativa de foro.

6. Defiro o apensamento do Inquérito Policial nº 061/2007 e da medida cautelar de interceptação telefônica nº 2007.41.00.000806-8, seguindo cópias de ambos para o Superior Tribunal de Justiça e para a Justiça Eleitoral de Rondônia.

7. Publiquem.

Brasília, 3 de setembro de 2007.

Ministro MARCO AURÉLIO

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