Cobrança na Justiça

PT se livra de pagar R$ 100 milhões a empresa de Marcos Valério

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4 de setembro de 2007, 18h43

A Justiça de Brasília negou o pedido de cobrança de uma dívida no valor de R$ 100 milhões feito pelas empresas SMP & B Comunicação (de propriedade de Marcos Valério de Souza), Graffiti Participações e Rogério Lanza Tolentino & Associados contra o PT. A decisão foi tomada pelo juiz Paulo Cerqueira Campos, da 11ª Vara Cível de Brasília. Cabe recurso.

A SMP & B alegou que emprestou, entre fevereiro de 2003 e outubro de 2004, R$ 55.941.227,81 para o PT, na pessoa de Delúbio Soares, então tesoureiro. O dinheiro foi pego do Banco Rural e Banco BMG. O argumento é de que o partido não pagou o empréstimo, o que gerou uma dívida de mais R$ 44.140.938,54, além dos encargos bancários.

Como o PT não pagou a dívida, a empresa de Marcos Valério, agora réu na ação que investiga o esquema do Mensalão — pagamento de mesada a parlamentares para votar a favor dos projetos do governo, entrou com a ação de cobrança.

O partido, para se defender, sustentou que Delúbio Soares, também réu na ação que investiga o esquema do Mensalão, não poderia pegar empréstimos para o PT e que nenhum dos contratos de empréstimos demonstrados nos autos traz assinatura de qualquer dirigente do partido. “Tudo não passou de uma ação urdida de Delúbio e Marcos Valério”, diz a defesa do partido.

O juiz Paulo Cerqueira acolheu o argumento. “Os negócios jurídicos evocados na causa de pedir, a fim de sustentar e delimitar o pedido deduzido pelas autoras, não passam de dissimulação”, considerou.

Para o juiz, “contrato típico de empréstimo entre as partes, certamente não houve. Tal negócio jurídico deve guardar, no mínimo, os três elementos gerais essenciais, comuns a todos os atos jurídicos: agente capaz, livre consentimento dos celebrantes, objeto lícito e possível. Ora, sob a análise do objeto, vê-se, estreme de dúvidas, que os atos havidos entre o PT e as autoras não podem ser considerados promanados de negócio jurídico lídimo. No afã de galgar o Poder político, o PT traiu seus ideais e seus afiliados. Seria pueril afirmar-se que o PT foi o ‘inventor’ da prática obscura e ilícita conhecida por ‘caixa dois’. Não, tal originalidade não se lhe poderia imputar. Mas os fatos — públicos e notórios — nos mostram que o ‘eficiente esquema de repasse ilícito recursos’ (vulgarmente apelidado de ‘Mensalão’), foi e certamente ainda é o mais repugnante de que nossa triste História política já ouviu falar”.

Leia a decisão:

Processo: 2005.01.1.146746-7

Ação: COBRANCA

Requerente: SMP E B COMUNICACAO LTDA e outros

Requerido: PARTIDO DOS TRABALHADORES PT

Sentença

SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA., GRAFFITI PARTICIPAÇÕES LTDA. e ROGÉRIO LANZA TOLENTINO & ASSOCIADOS LTDA. exercitam direito de ação em Juízo em face do PARTIDO DOS TRABALHADORES -PT mediante o manejo do presente processo de conhecimento que trafega pelo rito comum ordinário, por meio de que deduzem pedidos de condenação do Réu: (i) ao pagamento da importância total de R$ 55.941.227,81, com acréscimo dos juros e correção monetária na forma da lei civil, contados a partir da data da efetiva notificação extrajudicial ao Réu e até o efetivo pagamento; (ii) ao ressarcimento pelo valor dos encargos bancários, financeiros (juros e correção) e fiscais (IOF e CPMF) já vencidos e incididos, decorrentes dos empréstimos junto ao BANCO RURAL S.A. e ao BANCO BMG S.A., no importe de R$ 44.140.938,54, bem como dos referidos encargos que incidiram no decorrer da presente ação, todos acrescidos de juros e correção monetária previstos na lei civil, contados a partir da data do evento danoso e até o efetivo pagamento; (iii) e também ao pagamento das custas, honorários de sucumbência e demais despesas processuais (cf. petição inicial, item III, subitem 20, fls. 20/21). Atribuem à causa o valor de R$ 55.941.227,81.

Em suma, narram as Autoras que: (a) no período compreendido entre 21.02.2003 e 01.10.2004, mediante solicitações do PT na pessoa do então tesoureiro-geral e secretário de finanças e planejamento DELÚBIO SOARES DE CASTRO, disponibilizaram recursos financeiros em diversas ocasiões a título de empréstimo, recursos esses que eram disponibilizados através da primeira Autora SMP&B e cuja destinação era sempre determinada por DELÚBIO; (b) tais recursos eram obtidos junto ao BANCO RURAL S.A. e ao BANCO BMG S.A. mediante operações de mútuo contratadas por SMP&B, GRAFFITI e ROGÉRIO TOLENTINO, com a finalidade de serem emprestados ao PT através da SMP&B; (c) não obstante isso, o PT não pagou os valores disponibilizados no montante histórico de R$ 55.941.227,81, ocasionando prejuízos claros e severos às Autoras; (d) em decorrência dos treze contratos de mútuo bancário contraídos junto ao BANCO RURAL e doutros três contraídos junto ao BANCO BMG , as Autoras ainda se encontram submetidas a encargos fiscais, bancários e financeiros , tendo suportado juros e atualização monetária que lhe estão sendo cobrados judicialmente em seis processos de execução em trâmite perante o Juízo de Direito da 34ª. Vara Cível de Belo Horizonte (MG); (e) assim, o PT deve à SMP&B, GRAFFITI e ROGÉRIO TOLENTINO o importe de R$ 100.082.166,35.


A petição inicial (fls. 02/21-vol. 1) veio instruída com documentos (fls. 22-vol. 1/560-vol. 3) e foi recebida pelo ato judicial de fls. 562-vol. 3.

Citado pessoalmente (fls. 563/564-vol. 3), o Réu ofertou, a tempo e modo, sua contestação (fls. 569/581-vol. 3).

Em resumo, o Réu narra a seguinte matéria defensiva: (a) preliminarmente, é parte ilegítima para a causa porque as Autoras se baseiam na Teoria da Aparência e em confusos depoimentos colhidos a DELÚBIO SOARES, estando este despido de poderes para contrair empréstimos em nome do PT e, além disso, nenhum dos contratos mostrados nos autos traz a assinatura de qualquer dos dirigentes do Réu: tudo não passou de uma ação urdida por DELÚBIO e MARCOS VALÉRIO; (b) ainda preliminarmente, a dívida objeto da cobrança judicial não se reveste dos mínimos requisitos legais, a assunção de dívidas pelas Autoras viola seus próprios estatutos sociais e depoimento de MARCOS VALÉRIO, base da cobrança, revelam a impossibilidade jurídica do pedido. Quanto ao mérito da causa: (c) em meio às ilegalidades contratuais, surge MARCOS VALÉRIO, que comparece a quase todos os contratos como sócio de pessoas jurídicas das quais não é associado ou o faz na qualidade de avalista, é o patrono dos ardis espelhados nos contratos de mútuo bancários, sendo o elo que une a todos os envolvidos, salvo o próprio PT; (d) obrigar o PT a cumprir com obrigações assumidas à sua revelia e em descompasso com suas próprias normas internas significa “rasgar o Código Civil”; (e) DELÚBIO não excedeu poderes eis que não os detinha: trata-se, isso sim, da usurpação de poderes para fins ilícitos; (f) mister se faz a instauração de incidente de falsidade para se apurar a autoria das assinaturas constantes dos contratos de mútuo e lançar por terra a tese autoral.

As Autoras redargüiram (fls. 590/592-vol. 3) e complementaram a réplica (fls. 596/597-vol. 3) instadas que foram pelo despacho de fls. 594-vol. 3.

Deferida a realização de perícia técnica por decisão irrecorrida (fls. 599-vol. 3), manifestaram-se afirmativamente as Autoras (fls. 602/604-vol. 3) e o Réu (fls. 605/606-vol. 3).

Às fls. 608 os autos me tornaram conclusos.

Esse é, em apertadíssima síntese, o relatório. Decido a seguir.

I. DO JUL

GAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.

A preponderância da matéria de direito sobre as questões de fato determina que conheça diretamente do pedido, mediante o julgamento antecipado da lide, nos termos do disposto no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

É importante sobrelevar que, sem embargo de ter sido deferido por este Juízo, às fls. 599-vol. 3, o requerimento à produção de perícia contábil (fls. 591-vol. 3) para “demonstrar e espelhar que os referidos lançamentos contábeis confirmam a materialidade dos empréstimos efetuados”, estou firme em que a produção de prova dessa natureza é absolutamente dispensável no caso dos autos.

Há que se distinguir os “atos essenciais”, considerados os indispensáveis à válido desenvolvimento da relação processual, daqueles chamados “não essenciais” porque pertencem à esfera de “disponibilidade” das partes ou do juiz. Nesse sentido, a lição doutrinária de GALENO LACERDA. As questões de fato se encontram satisfatoriamente desenhadas pelas provas já produzidas neste caderno processual, revelando-se desnecessária, inútil mesmo, a realização de qualquer prova técnica, seja a contábil, pretendida pelas Autoras, seja a grafoscópica, pretendida pelo Réu (fls. 580-vol. 3), mormente porque inexiste controvérsia quanto à identificação de quem tenha participado na celebração dos objurgados contratos de empréstimos bancários. A admissão da prova é, portanto, ato exclusivo do julgador: inteligência do art. 130 do Código de Processo Civil.

A propósito, ainda, de o juiz conhecer antecipadamente do pedido autoral, preleciona VICENTE MIRANDA:

“Trata-se de poder discricionário e não vinculado. Toca ao julgador verificar a necessidade ou conveniência ou oportunidade de conhecer diretamente do pedido. O julgamento antecipado da lide é uma faculdade atribuída pela lei ao juiz. É este quem auferirá a necessidade ou desnecessidade de outras provas em regular instrução, visando ao seu cabal convencimento, que será a base, o sustentáculo da prestação jurisdicional.”

Aliás, não é noutro sentido a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

“PROCESSO CIVIL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ANTES DO INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. INTEMPESTIVIDADE. AFASTADA. PROVA PERICIAL. A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ANTES DO INÍCIO DO PRAZO NÃO CARACTERIZA A INTEMPESTIVIDADE. A PROVA PERICIAL SOMENTE SERÁ DEFERIDA SE INDISPENSÁVEL PARA O DESLINDE DA MATÉRIA.”

(Classe do Processo: APELAÇÃO CÍVEL 19980110452354APC DF; Registro do Acórdão Número: 243703; Data de Julgamento: 10/04/2006; Órgão Julgador: SERVIÇO DE RECURSOS CONSTITUCIONAIS – SERECO; Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE; Publicação no DJU: 11/05/2006 Pág.: 88; Decisão: CONHECER. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.)


II. DAS QUESTÕES PRELIMINARES.

O Réu busca a absolvição da instância agitando duas questões preliminares: sua ilegitimidade para a causa (fls. 570/573-vol. 3), sustentando que não figura nos instrumentos dos contratos bancários copiados às fls. 44 e seguintes-vol. 1, e que DELÚBIO não detinha poderes para contrair empréstimos em nome do PT; e a impossibilidade jurídica do pedido (fls. 573/575-vol. 3), aduzindo que ora lhe é dirigida não se reveste dos requisitos legais, contraída que foi em manifesta contrariedade aos estatutos sociais das Autoras e com a participação direta de MARCOS VALÉRIO.

Ensina VICENTE GRECO FILHO que:

“A legitimidade, no dizer de Alfredo Buzaid, é a pertinência subjetiva da ação, isto é, a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto. (…) Em regra, somente podem demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo. Cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos. Salvo casos excepcionais expressamente previstos em lei, quem está autorizado a agir é o sujeito da relação jurídica discutida. Assim, quem pode propor a ação de cobrança de um crédito é o credor, quem pode propor a ação de despejo é o locador, quem pode pleitear a reparação do dano é aquele que o sofreu. A legitimação, para ser regular, deve verificar-se no pólo ativo e no pólo passivo da relação processual. O autor deve estar legitimado para agir em relação ao objeto da demanda e deve ele propô-la contra o outro pólo da relação jurídica discutida, ou seja, o réu deve ser aquele que, por força da ordem jurídica material, deve adequadamente, suportar as conseqüências da demanda. Usando os mesmos exemplos acima referidos, o réu na ação de cobrança deve ser o devedor; da ação de despejo, o locatário; da ação de reparação de danos, o seu causador.”

A ensinança desse processualista de escol inspira-se no pensamento do insuperável LIEBMAN, que me permito à transcrição a fim de preservar sua pureza e atualidade:

“Legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa e passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a pessoa a quem pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com referência à qual ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva.

(…) Também quanto à ação, prevalece o elementar princípio segundo o qual apenas o seu titular pode exercê-la; e, tratando-se de direito a ser exercido necessariamente com referência a uma parte contrária, também esta deve ser precisamente a pessoa que, para os fins do provimento pedido, aparece como titular de um interesse oposto, ou seja, aquele em cuja esfera jurídica deverá produzir os efeitos o provimento pedido. (…) A legitimação para agir é pois, em resumo, a pertinência subjetiva da ação, isto é, a identidade entre quem a propôs e aquele que, relativamente à lesão de um direito próprio (que afirma existente), poderá pretender para si o provimento de tutela jurisdicional pedido com referência àquele que foi chamado a juízo.”

De outra banda, a possibilidade jurídica do pedido diz com a admissibilidade, em abstrato, da providência jurisdicional buscada em concreto pelo provocador da jurisdição. Não obstante LIEBMAN ter-se sentido desencorajado a continuar a incluir, na sua teoria da ação, a possibilidade jurídica do pedido a partir da 3ª. edição de seu “Manuale di Diritto processuale civile”, com a entrada em vigor da “Lei de Divórcio” na Itália dos anos 70, no Brasil o então Ministro da Justiça ALFREDO BUZAID, mentor do anteprojeto do atual Código de Processo Civil de 1973, fez inserir a possibilidade jurídica do pedido como requisito à admissibilidade à expedição do provimento jurisdicional. Nas palavras do Mestre italiano,

“O terceiro requisito da ação é representado pela admissibilidade em abstrato do provimento pedido, isto é, pelo fato de incluir-se este entre aqueles que a autoridade judiciária pode emitir, não sendo expressamente proibido. Quaisquer que sejam as circunstâncias do caso concreto, não pode ser apreciado pelo mérito um pedido com vistas a um provimento que o juiz não possa pronunciar.”

Assim, contemplada a possibilidade jurídica do pedido em nosso sistema processual, como requisito ao pronunciamento jurisdicional meritório, veja-se o entendimento doutrinário hodierno externado por ARRUDA ALVIM: “Por possibilidade jurídica do pedido, enquanto condição da ação, significa-se, assim, que ninguém pode intentar uma ação, sem que peça providência que esteja, em tese, prevista, ou a que a ela óbice não haja, no ordenamento jurídico material.”

No caso dos autos, antevejo conformadas, a um só tempo, a legitimidade passiva para a causa, diante da bastante afirmação lançada na causa de pedir, bem como a possibilidade jurídica do pedido, haja vista inexistir vedação prevista abstratamente no ordenamento jurídico vigente quanto à pretensão material (cobrança de pecúnia) esboçada na petição inicial, motivos por que repilo ambas as preliminares suscitadas.


III. DO MÉRITO.

À luz do mérito a pretensão autoral não há prosperar.

A lide deduzida em Juízo gravita em derredor da pretensão material ao recebimento de R$ 100.082.166,35 a título de empréstimos, verbalmente contratados pelo PT às pessoas jurídicas SMP&B, GRAFFITI e ROGÉRIO TOLENTINO e disponibilizados pela primeira, havidos no período compreendido entre 21.02.2003 a 01.10.2004, incluindo o montante principal, encargos financeiros e bancários e os juros de mora e atualização monetária calculados até 09.12.2005, antevéspera do ajuizamento desta demanda. Resiste o PT à pretensão autoral sob argumento que os empréstimos milionários que as Autoras colheram junto ao BANCO RURAL e ao BANCO BMG foram efetuados ao arrepio da lei, em afronta às suas disposições estatutárias e para fins espúrios, tendo como mentor e avalista MARCOS VALÉRIO em conluio com DELÚBIO SOARES. Assim estão talhados os contornos da lide, “o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes.”

A exemplo dos arrazoados parciais, a presente fundamentação será breve, especialmente considerando a notoriedade e publicidade dos fatos mencionados por ambas as partes e aqueles que lhe são correlatos. Ensina HÉLIO TORNAGHI que “são fatos notórios aqueles cujo conhecimento integra a cultura normal, a informação, dos indivíduos de determinado meio social. (…) Deve entender-se por notório aquilo que é do conhecimento de qualquer pessoa medianamente informada.”

Pois bem, é fato público e notório que a Suprema Côrte, desde o dia 22 de agosto próximo passado, está a decidir quanto à admissibilidade de ação penal originária oriunda do Inquérito Penal nº. 2245-MG, sendo relator o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA. Estão disponíveis, a todos, o inteiro teor do respeitável relatório apresentado por Sua Excelência o Ministro Relator e da sustentação oral proferida pelo eminente Procurador-geral da República ANTÔNIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA, ao Plenário da Suprema Côrte quando do início do histórico julgamento, em seu sítio de Internet.

Sua Excelência o Procurador-geral da República ofereceu denúncia , em 30.03.2006, contra JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, JOSÉ GENOÍNO NETO, DELÚBIO SOARES DE CASTRO, SÍLVIO JOSÉ PEREIRA, MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, RAMON HOLLERBACH CARDOSO, CRISTIANO DE MELLO PAZ, ROGÉRIO LANZA TOLENTINO, SIMONE REIS LOBO DE VASCONCELOS, GEIZA DIAS DOS SANTOS, KÁTIA RABELLO, JOSÉ ROBERTO SALGADO, VINICIUS SAMARANE, AYANNA TENÓRIO TÔRRES DE JESUS, JOÃO PAULO CUNHA, LUIZ GUSHIKEN, HENRIQUE PIZZOLATO, PEDRO DA SILVA CORRÊA DE OLIVEIRA ANDRADE NETO, JOSÉ MAHAMED JANENE, PEDRO HENRY NETO, JOÃO CLÁUDIO DE CARVALHO GENÚ, ENIVALDO QUADRADO, BRENO FISCHBERG, CARLOS ALBERTO QUAGLIA, VALDEMAR COSTA NETO, JACINTO DE SOUZA LAMAS, ANTÔNIO DE PÁDUA DE SOUZA LAMAS, CARLOS ALBERTO RODRIGUES PINTO (BISPO RODRIGUES), ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, EMERSON ELOY PALMIERI, ROMEU FERREIRA QUEIROZ, JOSÉ RODRIGUES BORBA, PAULO ROBERTO GALVÃO DA ROCHA, ANITA LEOCÁDIA PEREIRA DA COSTA, LUIZ CARLOS DA SILVA (PROFESSOR LUIZINHO), JOÃO MAGNO DE MOURA, ANDERSON ADAUTO PEREIRA, JOSÉ LUIZ ALVES, JOSÉ EDUARDO CAVALCANTI DE MENDONÇA (DUDA MENDONÇA) e ZILMAR FERNANDES SILVEIRA.

Permito-me à transcrição, para manter-me fiel ao seu conteúdo, de excertos da sustentação plenária proferida por Sua Excelência Ministro Relator, o que dará uma exata dimensão do tema ora posto à apreciação deste Juízo:

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA -(Relator):

Passo a sintetizar o conteúdo da denúncia cujo teor, desde o seu oferecimento, é público e já foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação. Farei um breve resumo do extenso e complexo documento de 138 laudas, de modo a demonstrar as imputações que dele constam. Obviamente, as partes pertinentes da denúncia serão novamente reproduzidas, quando necessário, no decorrer do meu voto. Antes de descrever as condutas de forma individualizada e de proceder às imputações específicas em relação a cada denunciado, o chefe do Ministério Público Federal apresenta um capítulo introdutório, no qual são narrados os fatos notórios que deram origem ao presente inquérito (fls. 5616/5620). Diz o PGR na referida Introdução (fls. 56165620):

“I) INTRODUÇÃO

Os fatos de que tratam a presente denúncia tornaram-se públicos a partir da divulgação pela imprensa de uma gravação de vídeo na qual o ex Chefe do DECAM/ECT, Mauricio Marinho, solicitava e também recebia vantagem indevida para ilicitamente beneficiar um suposto empresário interessado em negociar com os Correios, mediante contratações espúrias, das quais resultariam vantagens econômicas tanto para o corruptor, quanto para o grupo de servidores e dirigentes da ECT que o Marinho dizia representar.

Na negociação então estabelecida com o suposto empresário e seu acompanhante, Mauricio Marinho expôs, com riqueza de detalhes, o esquema de corrupção de agentes públicos existente naquela empresa pública, conforme se depreende da leitura da reportagem divulgada na revista Veja, Edição de 18 de maio de 2005, com o título “O Homem Chave do PTB”.


As investigações efetuadas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e também no âmbito do presente inquérito evidenciaram o loteamento político dos cargos públicos em troca de apoio as propostas do Governo, prática que representa um dos principais fatores do desvio e má aplicação de recursos públicos, com o objetivo de financiar campanhas milionárias nas eleições, além de proporcionar o enriquecimento ilícito de agentes públicos e políticos, empresários e lobistas que atuam nessa perniciosa engrenagem.

Acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava focado, em um primeiro momento, em dirigentes da ECT indicados pelo PTB, resultado de sua composição política com integrantes do Governo, o ex Deputado Federal Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, divulgou, inicialmente pela imprensa, detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, do qual fazia parte, esclarecendo que parlamentares que compunham a chamada “base aliada” recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao Governo Federal, constituindo o que se denominou como “mensalão”. Roberto Jefferson indicou nomes de parlamentares beneficiários desse esquema, entre os quais o ex Deputado Bispo Rodrigues -FL; o Deputado Jose Janene PP; o Deputado Pedro Corrêa -PP; o Deputado Pedro Henry -PP e o Deputado Sandro Mabel -PL. Informou também que ele próprio, como Presidente do PTB, bem como o ex-tesoureiro do Partido, Emerson Palmieri, haviam recebido do Partido dos Trabalhadores a quantia de R$4 milhões de reais, não declarada a Receita Federal e à Justiça Eleitoral, uma vez que tal dinheiro não poderia ser contabilizado em razão de a sua origem não ser passível de declaração.

O ex Deputado esclareceu ainda que a atuação de integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores para garantir apoio de parlamentares ocorria de duas formas: o loteamento político dos cargos públicos, o que denominou “fábricas de dinheiro”, e a distribuição de uma “mesada” aos parlamentares.

A situação descrita por Roberto Jefferson, no que se refere ao loteamento de cargos na estrutura do Governo, é fato público, vez que praticado de forma institucionalizada não apenas pelo Partido dos Trabalhadores, e se encontra corroborada por diversos depoimentos colhidos nos autos, entre os quais: ex Deputado’ Federal José Borba, Deputado José Janene (fls. 1702/1708) e ex Tesoureiro do PTB Emerson Palmieri.

No depoimento que prestou na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e também na CPMI “dos Correios”, Roberto Jefferson afirmou que o esquema pelo mesmo noticiado era dirigido e operacionalizado, entre outros, pelo ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo ex Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, e por um empresário do ramo de publicidade de Minas Gerais, até então desconhecido do grande público, chamado Marcos Valério, ao qual incumbia a distribuição do dinheiro.

Tornado público o esquema do chamado “Mensalão”, deflagraram-se, no âmbito dessa Corte, as investigações que instruem a presente denúncia, redirecionaram-se os trabalhos da CPMI “dos Correios” que já se encontravam em andamento, e instalou-se uma nova Comissão Parlamentar, a CPMI da “Compra de Votos”.

Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas. Tanto é que o pivô de toda essa estrutura de corrupção e lavagem de dinheiro, o publicitário Marcos Valério, beneficiário de importantes contas de publicidade no Governo Federal, em sua manifestação de pseudo-interesse em colaborar com as investigações, apresentou uma relação de valores que teriam sido repassados diretamente a parlamentares e a outras pessoas físicas e jurídicas indicadas por Delúbio Soares, acrescendo-se, a lista indicada por Roberto Jefferson, os seguintes parlamentares: Deputado João Magno -PT; Deputado João Paulo Cunha -PT; Deputado José Borba -PMDB; Deputado Josias Gomes da Silva PT; Deputado Paulo Rocha -PT; Deputado Professor Luizinho -PT; Deputado Romeu Ferreira Queiroz -PTB; e Deputado Vadão Gomes -PP.

O cruzamento dos dados bancários obtidos pela CMPI “dos Correios” e também pelos afastamentos dos sigilos deferidos no âmbito do presente inquérito possibilitou a verificação de repasses de verbas a todos os beneficiários relacionados nas listagens em anexo. Na realidade, as apurações efetivadas no âmbito do inquérito em anexo foram além, evidenciando engendrados esquemas de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro por empresas ligadas aos publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça e também por outras empresas financeiras e não financeiras, que serão objeto de aprofundamento das investigações nas instâncias judiciais adequadas.

Em outra linha, a análise das movimentações financeiras dos investigados e das operações realizadas pelas instituições financeiras envolvidas no esquema demonstra que estes, fazendo tabula rasa da legislação vigente, mantinham um intenso mecanismo de lavagem de dinheiro com a omissão dos órgãos de controle, uma que possuíam o apoio político, administrativo e operacional de José Dirceu, que integrava o Governo e a cúpula do Partido dos Trabalhadores.


A origem desses recursos, em sua integralidade, ainda não foi identificada, sobretudo em razão de expedientes adotados pelos próprios investigados, que se utilizaram de uma elaborada engenharia financeira, facilitada pelos bancos envolvidos, notadamente o Banco Rural, onde o dinheiro público mistura-se com o privado, perpassa por inúmeras contas para fins de pulverização até o seu destino final, incluindo muitas vezes saques em favor do próprio emitente e outras intrincadas operações com off shores e empresas titulares de contas no exterior, tendo como destino final paraísos fiscais.

A presente denúncia refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionados ao esquema que envolve especificamente os integrantes do Governo Federal que constam do pólo passivo; o grupo de Marcos Valério e do Banco Rural; parlamentares; e outros empresários.

Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas.”

Em seguida, é formulada a denúncia, dividida em 7 itens distintos, excluindo-se a já citada Introdução, sendo que alguns desses itens, por sua vez, estão divididos em subitens.

Assim está composta a denúncia: I- Introdução; II-Quadrilha; III-Desvio de Recursos Públicos; III.1 – Câmara dos Deputados; III.2-Contratos Nº 99/1131 e 01/2003 DNA Propaganda Ltda. e Banco do Brasil (Processo TC 019.032/2005-0; III.3-Transferências de recursos do Banco do Brasil para a Empresa DNA propaganda Ltda. por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet; III.4-Contrato nº 31/2001-SMP&B/Ministério dos Transportes; contrato nº 12.371/2003 – SMP&B/ Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT; Contrato nº 4500002303 – DNA Propaganda/ Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A/Eletronorte; IV – Lavagem de Dinheiro – Lei nº 9.613/98; V-Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira – artigo 4º da Lei nº 7.492/86; VI – Corrupção ativa, corrupção passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro (Partidos da Base Aliada do Governo); VI.1 – Partido Progressista; VI.2-Partido Liberal; VI.3-Partido Trabalhista Brasileiro; VI.4-Partido Movimento Democrático Brasileiro; VII – Lavagem de Dinheiro (Partido dos VII – Lavagem de Dinheiro (Partido dos Trabalhadores e o ex-Ministro dos Transportes); VIII – Evasão de Divisas e Lavagem de Dinheiro – Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.

No item II da denúncia o procurador-geral da República narra os fatos que supostamente configurariam o delito previsto no artigo 288 do Código Penal, sustentando estar-se diante de uma organização criminosa dividida em três núcleos distintos (fls. 5625-5626):

“As provas colhidas no curso do Inquérito demonstram exatamente a existência de uma complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações: a) núcleo central: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira; b) núcleo operacional e financeiro, a cargo do esquema publicitário: Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias; e c) núcleo operacional e financeiro: José Augusto Dumont (falecido), a cargo da alta direção do Banco Rural: Vice-Presidente, José Roberto Salgado, Vice-Presidente Operacional, Ayanna Tenório, Vice-Presidente, Vinícius Samarane, Diretor estatutário e Kátia Rabello, presidente.

Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanesce qualquer dúvida de que os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos políticos e o financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais, associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias (núcleo publicitário), e a José Augusto Dumont (falecido), José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (núcleo Banco Rural), para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia.”

Consta também do item II a imputação do crime do artigo 299, segunda parte, do Código Penal, ao denunciado Marcos Valério, por duas vezes, em razão da suposta utilização da esposa Renilda como “laranja” nas empresas SMP&B e Graffiti Participação Ltda.

Na terceira parte (item III), a denúncia cuida do suposto desvio de recursos públicos, versando sobre a contratação de agências de publicidade pelos poderes Executivo e Legislativo. Neste trecho da inicial, foi imputada (fls.5667/5668), no subitem III.1, a prática de crimes aos denunciados João Paulo Cunha (art. 312 – 2 vezes – pelo suposto desvio de R$ 252.000,00 em proveito próprio e R$ 536.440,55 em proveito alheio -; art. 317 do Código Penal -pelo suposto recebimento de cinqüenta mil reais- e art. 1º incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 -pela suposta utilização da Srª Márcia Regina para receber cinqüenta mil reais-), Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino (art. 312 -suposto desvio de R$ 536.440,55- e art. 333 do Código Penal -suposto pagamento de cinqüenta mil reais-).


Ainda no item III da denúncia, especificamente no subitem III.2, ao tratar do suposto desvio de recursos por meio da contratação da empresa DNA pelo Banco do Brasil, foi imputada a prática do crime previsto no artigo 312 do Código Penal aos denunciados Henrique Pizzolato – suposto desvio de R$ 2.923.686,15 em proveito alheio-, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino -suposto desvio de R$ 2.923.686,15-.(fls.5672)

Em seguida, no item III.3, em razão da transferência de recursos do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda LTDA por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento-Visanet, foram imputados ao denunciado Henrique Pizzolato os delitos previstos nos artigos 312 (quatro vezes) e 317 do Código Penal -suposto recebimento de R$ 326.660,27 -, além do delito previsto no artigo 1º, incisos V, VI e VII, da lei nº 9.613/1998 -suposta utilização do Sr. Luiz Eduardo Ferreira para receber R$ 326.660,27. Ao denunciado Luiz Gushiken foi imputado o crime previsto no artigo 312 do Código Penal. Aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino foram imputados os crimes previstos no artigo 312 (quatro vezes) e 333, do Código Penal. Aos denunciados José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, foi imputado, em concurso material (4 vezes), o delito previsto no artigo 312 do CP (fls.5679/5680).

O subitem III.4 da denúncia foi utilizado pelo PGR unicamente para ilustrar uma das supostas formas de atuação do chamado “núcleo Marcos Valério”, não constando qualquer imputação dessa parte da inicial acusatória.

Passo seguinte, no item IV da peça acusatória, a denúncia trata da suposta ocorrência do crime de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98), conforme se infere do seguinte trecho (fls.5686/5687):

“Os dirigentes do Banco Rural (José Augusto Dumont (falecido), Vinícius Samarane, Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Kátia Rabello) estruturaram um sofisticado mecanismo de branqueamento de capitais que foi utilizado de forma eficiente pelo núcleo Marcos Valério (Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias).”

Após descrever o funcionamento do suposto esquema de branqueamento de capitais, o chefe do Ministério Público Federal atribui aos denunciados citados no trecho acima transcrito a prática do delito previsto no artigo 1º, incisos V, VI e VII, da lei nº 9.613/1998.

A fase seguinte da denúncia (item V) é referente à suposta prática do delito de Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira, previsto no artigo 4º da Lei nº 7.492/86. Essa parte da denúncia se inicia com o seguinte parágrafo (fls. 5697):

“As apurações desenvolvidas no âmbito do presente inquérito, envolvendo a análise de supostos empréstimos às empresas do grupo de Marcos Valério ao Partido dos Trabalhadores, descortinam uma série de ilicitudes que evidenciam que o Banco Rural foi gerido de forma fraudulenta.”

Após pormenorizar os fatos referentes à suposta ocorrência de gestão fraudulenta, o procurador-geral da República imputa aos denunciados José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello o crime do artigo 4º da Lei nº 7.492/1986. Em seguida, no item VI, a denúncia aponta a suposta ocorrência dos delitos de corrupção ativa, passiva, quadrilha e lavagem de dinheiro, supostamente praticados pelos dirigentes dos partidos da base aliada do governo. É o que se infere do seguinte trecho (fls.5706):

“Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal. Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários, para receber apoio político do Partido Progressista – PP, Partido Liberal – PL, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Portanto, na forma do artigo 29 do Código Penal, os denunciados indicados deverão responder em concurso material por todos os crimes de corrupção ativa que praticaram, os quais serão devidamente narrados em tópicos individualizados para cada partido político.”

Na seqüência, ao detalhar os fatos concernentes aos crimes supostamente cometidos pelos membros de cada agremiação partidária, a denúncia trata separadamente dos fatos atinentes a cada partido político envolvido. O item VI.1 trata dos fatos que envolvem o Partido Progressista, e se inicia com o seguinte parágrafo (fls. 5707/5708):


“Os denunciados José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry, João Cláudio Genú, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.”

O referido item termina com a imputação do crime do artigo 333 do Código Penal (por três vezes) aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Aos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, foram imputados, em concurso material, os crimes previstos nos artigos 288 e 317 do Código Penal, além do crime previsto no artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (15 vezes). A João Cláudio Genú foi imputada a prática dos delitos previstos nos artigo 288, 317 do CP (por três vezes) e artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (15 vezes). Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg foram apontados como incursos nas penas dos crimes previstos no artigo 288 do Código Penal e artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (11 vezes). Carlos Alberto Quaglia foi apontado como incurso nas penas dos crimes do artigo 288 do CP e artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (7 vezes).(fls.5715/5716) Em seguida, no item VI.2, a denúncia aborda os fatos relativos ao Partido Liberal, iniciando nos seguintes termos (fls.5716):

“Os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas, juntamente com Lúcio Funaro e José Carlos Batista, montaram uma estrutura criminosa voltada para a prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de parlamentar federal do denunciado Valdemar Costa Neto, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Liberal – PL ao Governo Federal”.

Após a pormenorização dos fatos referentes ao Partido Liberal, foram apontados como incursos nas penas do artigo 333 do Código penal os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Ao denunciado Valdemar Costa Neto foram imputados os crimes dos artigos 288 e 317 do CP e do artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (41 vezes). O denunciado Jacinto Lamas foi apontado como incurso nas penas dos artigos 288 e 317 do Código Penal e do artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (40 vezes). Por sua vez, Antônio Lamas foi apontado como incurso nas penas do artigo 288 do Código Penal e do artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998. Bispo Rodrigues foi apontado como incurso nas penas do artigos 317 do Código Penal e do artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (2 vezes).

O item VI.3 da denúncia se ocupa dos fatos que envolvem o Partido Trabalhista Brasileiro, conforme o trecho a seguir transcrito:

“José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de propina, adquiriram apoio político de Parlamentares federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa.

Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri.” (fls.5725/5726)

Após discorrer sobre os fatos relativos ao PTB, o item VI.3 da denúncia termina com as seguintes imputações: Aos denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias foi imputado o crime do artigo 333 do Código penal (por três vezes). Ao denunciado Anderson Adauto, foi atribuída a autoria do delito do artigo 333 do CP, por duas vezes. Roberto Jefferson foi denunciado como incurso nas penas do artigo 317 do CP e artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (7 vezes). Romeu Queiroz foi denunciado como incurso nas penas do artigo 317 do CP e artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (4 vezes). Emerson Palmieri foi denunciado como incurso nas penas do artigo 317 (3 vezes) do CP e artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (10 vezes).

Na seqüência, no item VI.4, a inicial acusatória cuida dos fatos relativos ao Partido Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. Transcrevo o seguinte trecho dessa parte da denúncia:

“Por meio de acordo firmado com José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, o então Deputado federal José Rodrigues Borba, no ano de 2003, também integrou o esquema de corrupção em troca de apoio político.

Líder da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, mantinha constantes contatos com Marcos Valério por considerá-lo “uma pessoa influente no Governo Federal”, a quem recorria para reforçar seus pleitos de nomeação de cargos junto á administração pública.”(fls.5730/5731)


O referido trecho, após descrever os detalhes das supostas operações criminosas, termina por fazer as seguintes imputações penais: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Sílvio Pereira, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias foram denunciados como incursos nas penas do artigo 333 do Código Penal. José Borba, em concurso material, foi denunciado como incurso nas penas do artigo 317 do Código Penal e artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (6 vezes).

O item VII da denúncia trata da suposta ocorrência do delito de lavagem de dinheiro praticado pelo Partido dos Trabalhadores e o ex-Ministro dos Transportes. Transcrevo o trecho inicial desta parte da denúncia:

“Além da compra de apoio político mediante o pagamento de propina, os recursos oriundos do núcleo publicitário-financeiro também serviram para o repasse dos mais variados valores aos integrantes do Partido dos Trabalhadores. O então Ministro dos Transportes Anderson Adauto também se valeu do esquema.

Objetivando não se envolverem nas operações de apropriação dos montantes, pois tinham conhecimento que os recursos vinham de organização criminosa destinada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, Paulo Rocha, João Magno, Luiz Carlos da Silva (vulgo “Professor Luizinho”) e Anderson Adauto empregaram mecanismos fraudulentos para mascarar a origem, natureza e, principalmente, destinatários finais das quantias.

Nas retiradas em espécie, buscando não deixar qualquer sinal da sua participação, os beneficiários reais apresentavam um terceiro, indicando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores.”(fls.5733)

Detalhados os fatos acima, a denúncia imputa a prática do delito previsto no artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 aos denunciados Paulo Rocha (8 vezes), Anita Leocádia (7 vezes), João Magno (4 vezes), Luiz Carlos da Silva, vulgo “Professor Luizinho”, Anderson Adauto (16 vezes) e José Luiz Alves (16 vezes).

Finalmente, no item VIII, a denúncia trata especificamente dos delitos de evasão de divisas e lavagem de dinheiro supostamente praticados por Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. Cito o seguinte trecho da denúncia, que reputo elucidativo:

“Os valores remetidos ao exterior por ordem de Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes, a princípio, referem-se unicamente ao lucro líquido de ambos quanto ao serviço de publicidade prestado ao PT, pois segundo informado por Zilmar Fernandes: “o lucro líquido aproximado pela prestação dos serviços anteriormente indicados pode variar entre trinta a cinqüenta por cento”. Ou seja, dos aproximadamente R$ 56 milhões pactuados com o Partido dos Trabalhadores, Duda Mendonça e Zilmar Fernandes tiveram um lucro líquido na ordem de R$ 17 a R$ 28 milhões. Em virtude do esquema de lavagem engendrado por Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, o grupo de Marcos Valério promoveu, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior.” (fls.5742)

A denúncia, após detalhar o suposto esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, culmina por imputar a Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias a prática do delito previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986 (53 vezes). A prática do mesmo delito foi imputada a José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello (27 vezes). Duda Mendonça e Zilmar Fernandes foram denunciados como incursos nas penas do crime previsto no artigo 22, parágrafo único da Lei nº 7492/1986 e (53 vezes) nas penas do artigo 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/1998 (7 vezes). São estas, em linhas gerais, as imputações constantes da denúncia oferecida pelo procurador-geral da República.”

Como se pode perceber, os negócios jurídicos evocados na causa de pedir, a fim de sustentar e delimitar o pedido deduzido pelas Autoras, não passam de dissimulação. Aqui vem a calhar a sempre atual doutrina de SERPA LOPES:

“296 – Conceito geral de simulação. Na definição de Demogue, há simulação quando um ato ostensivo dissimula vontades diferentes das manifestadas. H. De Page a considera caracterizada quando as partes realizam um ato aparente sobre o qual, entretanto, convencionaram modificar ou anular os efeitos por uma outra convenção, que ficou secreta. Héctor Câmara, após passar em revista todas essas definições, acentua que simular é fazer aparecer alguma coisa fingindo ou imitando o que não é, enquanto que dissimular é ocultar o que é, tendo em ambos os casos o indivíduo o mesmo propósito: o engano. Propõe então a seguinte definição: o ato simulado consiste no acordo das partes em dar a uma declaração de vontade um objetivo diverso de seus pensamentos íntimos, com o fim de enganar inocuamente ou em prejuízo da lei ou de terceiros. (…)


297 – Requisitos da simulação. Para que se configure o vício da simulação, é necessário que reúna os seguintes elementos: 1º.) conformidade das partes contratantes; 2º.) o propósito de enganar, ou inocuamente ou em prejuízo de terceiros ou da lei; 3º.) desconformidade consciente entre a vontade e a declaração. (…)

298 – Modalidades da simulação. A simulação pode ser absoluta ou relativa. Há simulação absoluta quando efetivamente o ato é inteiramente simulado, sem que por meio dele se haja pretendido encobrir qualquer outro; há simulação relativa quando o ato aparente, simulado, não passa de um meio de realização do ato dissimulado, ou realmente querido. O negócio absolutamente simulado nada tem de real; além do ato simulado, nada mais se vê: colorem habert, substanciam vero nullam. Como afirma Butera, o negócio jurídico simulado de um dolo absoluto é sombra de si mesmo, representa um ato que não existe, um ato nulo mais por falta de conteúdo do que por defeito de forma. Na simulação relativa, ao contrário, as partes entendem efetivamente de constituir, regular e desfazer uma relação jurídica, mas diversa, no todo ou em parte, da que manifestaram, e o valor é deduzido do negócio sinceramente querido e não do aparente. Prevalece então o ato dissimulado, se não for contra a lei ou prejudicar terceiro. (…)

303 – Efeitos da simulação: efeitos em relação às partes contratantes. (…) Se a simulação, porém, se propuser a um objetivo ilícito, prejuízo a terceiro ou infração a preceito de lei, os contratantes nada poderão alegar um contra o outro pelo princípio: nemo de improbitate sua consequitur actionem, dando-se uma validade relativa. É o que dispõe o art. 104 do Código Civil (de 1916): tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros. Foi o ponto de vista dominante no Esboço de Teixeira de Freitas (art. 526), adotado pelo Código Civil argentino e pelo Código Civil português (art. 692). (…)”

Na sistemática do Novo Código Civil, o negócio jurídico simulado, diversamente do anterior, mereceu o mesmo tratamento dispensado aos atos jurídicos nulos (e não mais, simplesmente, anuláveis), a teor do disposto na cabeça do art. 167; não se confirma e nem se convalesce (art. 169), e deve ser pronunciada sua nulidade de ofício pelo juiz (parágrafo único do art. 168).

Contrato típico de empréstimo (mútuo feneratício) entre as partes, certamente não houve. Tal negócio jurídico deve guardar, no mínimo, os três elementos gerais essenciais, comuns a todos os atos jurídicos: agente capaz, livre consentimento dos celebrantes, objeto lícito e possível. Ora, sob a análise do objeto, vê-se, estreme de dúvidas, que os atos havidos entre o PT e as Autoras não podem ser considerados promanados de negócio jurídico lídimo. No afã de galgar o Poder político, o PT traiu seus ideais e seus afiliados. Seria pueril afirmar-se que o PT foi o “inventor” da prática obscura e ilícita conhecida por “caixa dois”. Não, tal originalidade não se lhe poderia imputar. Mas os fatos – públicos e notórios, como afirmei – nos mostram que o “eficiente esquema de repasse ilícito recursos” (vulgarmente apelidado de “Mensalão”), foi – e certamente ainda é – o mais repugnante de que nossa triste História política já ouviu falar…

DISPOSITIVO:

Ante tudo o que expus, julgo totalmente improcedente a pretensão deduzida em juízo por SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA., GRAFFITI PARTICIPAÇÕES LTDA. e ROGÉRIO LANZA TOLENTINO & ASSOCIADOS LTDA. em face do PARTIDO DOS TRABALHADORES, por meio do pedido deduzido às fls. fls. 20-vol. 1, item III.

Por conseguinte, julgo resolvido o mérito, forte no art. 296, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno as Autoras solidariamente ao pagamento de todas as despesas processuais e dos honorários dos Srs. Advogados do PT, que ora arbitro no correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (R$ 55.941.227,81, cf. fls. 21), não impugnado.

Caso as Autoras sucumbentes não efetuem voluntariamente o pagamento das verbas a que ora são condenadas, no prazo legal de 15 (quinze) dias, contados do trânsito em julgado desta sentença, o montante da condenação será acrescido, automaticamente, da multa legal no percentual de 10% (dez por cento), a teor do art. 475-J, “caput”, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília, 29 de agosto de 2007.

PAULO CERQUEIRA CAMPOS

JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO

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