Depósito judicial

Depósito judicial: nova perspectiva sobre a atualização dos valores

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4 de setembro de 2007, 15h03

Os depósitos judiciais, previstos no artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional, têm natureza jurídica de modalidade de suspensão do crédito tributário. Apesar de haver entendimento inequívoco quanto à sua natureza, atualmente eles têm tratamento equiparado aos tributos quando se trata de atualização do montante, uma vez autorizado seu levantamento nas instituições financeiras.

São inúmeros os contribuintes que, ao ajuizar ação judicial em que se discute cobrança de tributos contra a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, optam por depositar judicialmente, na Caixa Econômica Federal (CEF), o valor correspondente ao montante integral, objetivando a suspensão do crédito.

Ressalte-se que todos os bancos, mesmo o Banco do Brasil e a CEF, Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública, respectivamente, entidades da administração pública indireta exploradoras de atividade econômica, submetem-se aos ditames do Banco Central do Brasil, uma vez que o artigo 173 da Constituição da República assim dispõe em seu parágrafo 1º, inciso II[1]. Estão sujeitos, ainda, à fiscalização pelo Estado e pela sociedade a qualquer tempo.

Cumpre salientar que, ao acessar a página do Banco Central na internet, qualquer cidadão pode verificar, no que concerne à atualização com base na taxa Selic, que essa Autarquia em Regime Especial, para efetuar os cálculos, aplica capitalização diária. Portanto, ao especificar a data inicial do depósito judicial e a data final, o cidadão se deparará com um valor muito superior ao dos cálculos feitos pela CEF.

Para ilustrar, pode-se dizer que, se a parte efetuou depósito de R$ 240 mil em junho de 2001, o valor apurado pela CEF em agosto de 2007 será de pouco mais de R$ 490,5 mil. Já o valor atualizado pelo Banco Central em seu site monta em cerca de R$ 669 mil. Há, portanto, diferença de quase R$ 200 mil a que o depositante faz jus e que lhe é retirada pelo fisco sob a conduta de equiparar depósitos judiciais a tributos.

Isso porque, quando o contribuinte é vencedor e requer à Caixa Econômica Federal correção do valor depositado para seu levantamento, depara-se com atualização equivocada, feita nos termos do artigo 39, §4º, da Lei 9.250 de 1995[2], que trata da restituição a maior de tributos, contribuições federais, incluindo as previdenciárias, e receitas patrimoniais. É feita a atualização pela taxa Selic acumulada mensalmente, porém tal procedimento macula o objetivo para o qual a lei fora formulada, uma vez que depósito judicial tem natureza distinta da de tributo.

Eis o cerne da questão: o Banco Central, na utilização da taxa Selic, capitaliza os valores diariamente, e a Caixa Econômica, por equiparar os depósitos a tributos, utiliza a taxa Selic capitalizando mensalmente, o que torna os valores depositados diminutos em relação ao que seriam se fossem seguidos os ditames do Banco Central.

Cumpre asseverar que as expressões “acumular” ou “capitalizar” são sinônimas, pouco importando a alternância em sua utilização. O que diferenciará a correção dos valores é se são feitos mensal ou diariamente.

Para que o tributo seja consignado, em detrimento à suspensão do crédito tributário, há uma ação própria, que é a de consignação em pagamento, prevista expressamente no artigo 164 do CTN[3], nas hipóteses específicas elencadas pelo dispositivo. Talvez, somente nesse caso, pudesse ser considerada cabível a aplicação da referida lei, que utiliza a taxa Selic de forma acumulada, com juros simples.

Por oportuno, uma vez depositado pelo contribuinte, o valor é transferido para uma conta única no Tesouro Nacional, em que permanecerá até que o Poder Judiciário autorize o levantamento desses valores em prol do vencedor da lide. Aguardam-se, muitas vezes alguns anos, litigando em juízo, com a privação absoluta de dispor e usufruir desse patrimônio.


Ressalte-se que, quando os depósitos encontram-se sob a tutela do Tesouro Nacional, são regidos pela Instrução Normativa da Receita Federal 421, de 10 de maio de 2004, que também trata de depósitos judiciais e extrajudiciais referentes a tributos e contribuições federais administrados pela Secretaria da Receita Federal. O artigo 17 da referida norma aplica o texto do artigo 39, parágrafo 4º, da Lei 9.250/1995, incorrendo no mesmo equívoco.

Ademais, uma vez superada a inaplicabilidade dos mencionados dispositivos legais aos depósitos judiciais, por terem esses dispositivos natureza diversa de tributos, torna-se imprescindível analisar a aplicação da Lei 9.289, de 4 de julho de 1996, uma vez que seu artigo 11 dispõe:

Art. 11. Os depósitos de pedras e metais preciosos e de quantias em dinheiro e a amortização ou liquidação de dívida ativa serão recolhidos, sob responsabilidade da parte, diretamente na Caixa Econômica Federal, ou, na sua inexistência no local, em outro banco oficial, os quais manterão guias próprias para tal finalidade.

§ 1° Os depósitos efetuados em dinheiro observarão as mesmas regras das cadernetas de poupança, no que se refere à remuneração básica e ao prazo.

Embora haja previsão expressa sobre a disciplina de depósitos, essa lei trata das custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, o que impossibilita, outrossim, sua aplicação para depósitos judiciais.

Por outro lado, desde o Provimento 257 do Conselho Superior da Magistratura, ficou deliberado que os depósitos judiciais seriam feitos mediante abertura de contas judiciais numeradas, com juros legais capitalizados, mais correção pro rata die. O Provimento 347/1988 do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, em vigor, manteve o mesmo entendimento.

Os bancos encontram-se vinculados às normas acima mencionadas, sendo defeso seu descumprimento.

O Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Pleno, ao se manifestar em 7 de junho de 2006, sobre a relação existente entre os depositantes e os bancos na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591/DF, em que foi Relator o Ministro Carlos Velloso, entendeu ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, por haver relação de consumo entre ambos[4]. Outrossim, aos consumidores, aplica-se o que lhes for mais benéfico.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já corroborou a tese em acórdão publicado na RJTJESP 124/1979, que teve como Relator o Desembargador Rebouças de Carvalho, determinando que os depósitos judiciais de quantias em dinheiro fossem realizados na Caixa Econômica do Estado de São Paulo ou no Banco do Estado de São Paulo S.A., mediante abertura de contas judiciais numeradas, com juros legais capitalizados, mais a correção pro rata die, sem limite de depósito, dispensada a emissão de cadernetas correspondentes.


Tais acréscimos são devidos ao depositante, salvo se, excepcionalmente e em casos específicos, houver convenção entre o Banco e o Poder Judiciário, ou se assim dispuser o Provimento do Conselho Superior da Magistratura, negando tais frutos, ou os limitando no tempo, em favor do interessado.

Dessa forma, resta claro que o procedimento adotado pelos órgãos e entidades públicas no que concerne à atualização dos depósitos no âmbito federal merece ser adequado aos direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos brasileiros, pois ainda que o objeto da ação seja a discussão de tributo, o depósito judicial jamais pode ser considerado como tal, pois sua natureza dele se distingue em absoluto. Caso o judiciário entenda favoravelmente aos contribuintes, a hegemonia dos bancos, enfim, dará lugar aos apelos constantes dos cidadãos, ao que se poderia chamar justiça, ainda que em sentido estrito.


[1] Art. 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

[2] Art. 39. A compensação de que trata o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, somente poderá ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação constitucional, apurado em períodos subseqüentes.

§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.

[3] Art. 164 – A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:

I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao Pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;

II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal;

III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.

[4] Publicação no DJ 29-09-2006 PP-00031, EMENT VOL-02249-02 PP-00142

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