Caso do promotor

Thales Schoedl deve ter julgamento sem condenação antecipada

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3 de setembro de 2007, 17h07

Toda a sociedade brasileira, incluindo membros do Poder Judiciário (do qual faço parte há honrados quatro anos), passou esta última semana assistindo a um autêntico reality show, tendo como estrela o promotor de justiça Thales Ferri Schoedl. Como já não é surpresa em cenários como este, praticamente todos os setores da mídia nacional se sentiram na obrigação de fazer comentários taxativos e veementes, especialmente após a decisão do Colégio de Procuradores do Ministério Público de São Paulo, quando o “assassino” (palavras dos veículos de comunicação, não minhas) veio a ter confirmado o vitaliciamento.

De acordo com a quase-unanimidade do jornalismo brasileiro, amparada por algumas entidades de defesa dos direitos humanos e até procuradores de justiça contrariados, este vitaliciamento significará a impunidade do aludido promotor. Eis o ponto que a mim, como juiz, causa estranheza e incompreensão. O que se está querendo dizer com esta assertiva? Que os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo irão absolvê-lo, deliberadamente? Que não haverá um julgamento justo? Talvez a inteligência deste pobre marquês tenha compreendido mal, mas parece que a resposta passaria pela idoneidade e pelo senso de Justiça de 25 magistrados de notória experiência, componentes do Órgão Especial do TJSP.

É possível que os exaltados ânimos de nossa imprensa tenham afetado a memória cultural de seus membros, mas existem princípios jurídicos criados para proteger a Sociedade da tirania, em todos os seus segmentos. Não vou me estender a respeito de cada um deles, mas os mesmos significam, basicamente, que qualquer ser humano tem o direito de demonstrar, no curso de um processo legal, elementos que venham a questionar a acusação que lhe é feita. Esta possibilidade não surgiu por capricho de um legislador, mas como conseqüência de uma evolução milenar, cuja finalidade é gerar a convicção de que, quando se condena, está se fazendo a Justiça, e não simplesmente satisfazendo a sede de vingança.

Passando tais princípios ao caso em tela, faço a seguinte pergunta: existiria alguma chance de o “assassino” ter sua defesa apreciada por um júri imparcial? A resposta é negativa. O motivo? Exatamente esta turba de histeria travestida de jornalismo, pela qual se instituiu que o réu não agiu em legítima defesa – e queime-se o herege que disser o contrário. O cidadão comum, leigo em questões jurídicas, chegaria ao plenário patrulhado, sabendo que qualquer voto que não fosse o NÃO para as teses defensivas seria considerado “impunidade”. Sob tal pressão, ele cria seus argumentos irredutíveis para condenar, não importa o que aconteça no julgamento. O princípio da inocência (aquele pelo qual uma pessoa é inocente até que se prove o contrário) que se exploda

Não pretendo discutir o foro por prerrogativa de função (pejorativamente chamado de “privilegiado”), mas o fato é que, na presente situação, vem a se revelar o mais adequado para que seja feita a pura Justiça. Mesmo um juiz singular, numa situação dessas, sofreria uma verdadeira humilhação pública se “ousasse” entender que o réu não agiu de forma antijurídica. No dia seguinte ao julgamento, seu nome e sua foto estariam estampados em revistas, jornais, sites, blogs, Orkut e, eventualmente, programas de auditório, em que apresentadores bradariam sua indignação sob aplausos de sua assistência. Que juizinho, esse aí…

Felizmente, para quem o considera culpado ou inocente, o feito deverá ser julgado pelos 25 melhores representantes do Poder Judiciário Paulista. Não há argumento incongruente, da Acusação ou da Defesa, que passe batido. Ninguém, neste Estado de São Paulo, é mais qualificado para julgar da forma milimetricamente justa, nem para o mais, nem para o menos. A Sociedade que exige Justiça não deve temer pelo que vier a se decidir. Quem deve temer é aquele que tem um ilícito a esconder, seja o réu, seja a vítima sobrevivente, seja a memória da vítima falecida. A morte torna o cidadão impune, mas não o absolve por seus erros, nem condena quem ficou vivo.

Sendo assim, não devo me envolver na questões relativas ao Ministério Público e do vitaliciamento do “assassino”. Mas, como magistrado que respeita a capacidade e o caráter de nossos desembargadores, sinto-me no dever de repudiar estas insinuações contra a imparcialidade destes últimos, por mais veladas que sejam. Não se está praticando livre jornalismo, mas descambada leviandade. Confunde-se liberdade de expressão com permissão para ofender. E se o magistrado se levantar injuriado, exigindo o devido respeito a sua honra, quem julgar a seu favor será tido como “corporativista”. Enfim, é um jogo em que um lado nunca pode vencer.

Não sei se Thales Ferri é inocente. Não me caberá decidir esta questão. Mas o certo é que ele tem o direito de tentar ser considerado inocente, num julgamento despido de condenações antecipadas. A partir do momento em que a Sociedade, por seus “heróis” da mídia, tenta tornar inviável o exercício deste direito de defesa, chega-se á conclusão que nossa Democracia está mais doente do que se pensava.

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