Maria da Penha

Juiz que criticou Maria da Penha diz que foi mal interpretado

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25 de outubro de 2007, 14h41

O juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), afirmou em nota que foi mal interpretado na sentença em que considera inconstitucional a Lei Maria da Penha, que pune a violência doméstica. Na sentença, Rodrigues se refere à lei como um “monstrengo tinhoso” e “um conjunto de regras diabólicas”. Com a sentença, ele afirmou que estava “defendendo a mulher”.

O caso se tornou público depois de reportagem da Folha de S. Paulo, no domingo (21/10). As palavras usadas pelo juiz já haviam gerado celeuma no Judiciário. O corregedor nacional de Justiça, ministro César Asfor Rocha, analisará decisões de Rodrigues. A cópia de uma de suas decisões chegou ao Conselho Nacional de Justiça na sexta-feira (19/10) pela ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

Na nota, Rodrigues diz que “as severas investidas contra o teor da nossa decisão se têm fixado, fundamentalmente, na falsa e equivocada idéia de que somos contra a severa penalização do agressor no âmbito doméstico-familiar; na falsa e equivocada idéia de que temos uma visão machista da relação homem-mulher e na falsa e equivocada idéia de que somos contra o desenvolvimento da mulher enquanto ser social. Na verdade não é nada disso!”.

Segundo Rodrigues, “o que disse foi que hipócrita e demagógica sim é a falsa igualdade que tem sido imposta às mulheres, que, em verdade, vêm sendo constantemente usadas nos discursos políticos de campanha”.

O juiz não poupa citações para perguntar: “tivesse eu me valido de poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto ou Guimarães Rosa ou se tivesse me auxiliado de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, dentre outros, nesta parte talvez não estaria também sendo criticado! Porque então não posso — ainda que uma vez na vida outra na morte — citar Jesus, se é Ele o poeta dos poetas e o filósofo dos filósofos?”. Ainda na nota, Rodrigues explica que considerou a lei inconstitucional por tratar apenas da mulher e ignorar a condição doméstica do homem.

“Não peço que com estes esclarecimentos, alguém concorde comigo, mas que apenas não ponha na minha boca palavras que não pronunciei e que debatam o assunto e, ao final, todos ganhem, principalmente o Brasil”, finalizou o juiz.

Leia nota de esclarecimento:

A sociedade em geral, o Poder Judiciário e especialmente os meus jurisdicionados estão a merecer os devidos esclarecimentos diante das interpretações jornalísticas que têm sido veiculadas na imprensa, relativamente às decisões — de igual teor — que este Magistrado (titular da 1ª Vara Criminal e Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Sete Lagoas/MG) tem proferido acerca da Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”. O tema objeto desta Lei levou-nos a tecer considerações que mexeram com os nossos arquétipos mais profundos, sendo assim compreensível uma reação hostil inicial, a qual, contudo, espero que evolua em direção a uma reflexão menos apaixonada, para, ao final, culminar com as mudanças que a sociedade achar por bem promover.

Pelo que tenho notado, as severas investidas contra o teor da nossa decisão se têm fixado, fundamentalmente, na falsa e equivocada idéia de que somos contra a severa penalização do agressor no âmbito doméstico-familiar; na falsa e equivocada idéia de que temos uma visão machista da relação homem-mulher e na falsa e equivocada idéia de que somos contra o desenvolvimento da mulher enquanto ser social. Na verdade não é nada disso! Vamos então aos devidos e necessários esclarecimentos.

Diria, preambularmente, que pode não parecer mesmo conveniente que um magistrado esteja sempre a fundamentar suas decisões com considerações de caráter religioso. Na esteira deste raciocínio é que devo, de plano, registrar que em dezessete anos de judicatura, foi a primeira vez que o fiz. Todavia, e por outro lado, absolutamente não estou com isso a me proibir de fazê-lo quando considerar útil, proveitoso e interessante para firmar nosso entendimento sobre um tema qualquer, desde que, logicamente, não me limite a aspectos filosóficos ou religiosos, mas, ao contrário, enfatize a face jurídica da questão. Isto porque se é verdade que a República Federativa do Brasil não possui religião oficial, verdade também é que não pode ela ser considerada propriamente laica, ou agnóstica, já que a Carta Política da Nação foi promulgada sob a “inspiração de Deus”, demonstrando que o Brasil é, sem dúvida, e no mínimo, um País religioso. E mais ainda: penso que os bons costumes, a eqüidade e os princípios gerais do direito (aqui considerados como os pressupostos da lei, fonte de sua principal inspiração) não devam ser aplicados apenas subsidiariamente, mas constituir, isto sim, o escopo judicante necessário — e apriorístico — à realização de uma Justiça refinada. E qual a origem embrionária dos chamados bons costumes, da sempre sonhada eqüidade e mesmo dos princípios gerais do direito na sociedade ocidental? Exatamente o Cristianismo, com suas inspirações, origens e fontes. Então, ao meu sentir, não constitui absurdo algum uma fundamentação filosófico-religiosa, sociológica e ética, desde que o parâmetro final da parte dispositiva da decisão se firme na ênfase exclusivamente jurídica. E foi o que aconteceu! Por outro lado, a nossa decisão, ora furiosamente atacada, tem gerado polêmica, discussão, debate, o que é bom, penso eu, na medida em que não a proferi para agradar ou ferir ninguém, mas democraticamente me insurgi contra aquilo que não concordo e pus na mesa da sociedade para reflexão. Tenho notado, salvo engano, que, de regra, as pessoas têm apoiado exatamente esta reflexão que a decisão enseja e mais precisamente têm acentuado a coragem do posicionamento. Já ouvi quem dissesse: “eu concordo com o senhor Dr., mas eu não teria coragem de dizê-lo”; ou, “eu tenho de recorrer de sua decisão, mas eu concordo com ela”. Se eu não tiver enganado, parece-nos, inclusive, que algumas Faculdades de Direito têm discutido a questão. Enfim, é assim mesmo — uns elogiam, outros criticam! Mas eu tenho certeza que, ao final, com todo este debate, todos nós sairemos ganhando.


No que se refere ao conteúdo propriamente dito de nossa decisão, devo ressaltar inicialmente que não é verdade que tenha dito que a “igualdade é um instituto hipócrita e demagógico”. O que disse foi que hipócrita e demagógica sim é a falsa igualdade que tem sido imposta às mulheres, que, em verdade, vêm sendo constantemente usadas nos discursos políticos de campanha. Ora! As mulheres precisam ser respeitadas sim; a violência inaceitável contra elas deve ser punida com todos os rigores da lei — por se tratar ela de um ser fisicamente mais frágil, assim como o idoso e as crianças. Contudo, se não ser seviciada ou violentada é o que as mulheres sempre desejaram e exigiram — com absoluta justiça — nunca, porém, elas nos reclamaram para que as impedíssemos de ser mulher. Pois ser mulher é exatamente tudo o que elas sempre e basicamente ambicionaram. Mas o homem, no seu machismo patriarcal, as sufocou! E deu no que deu! Mas daí a apoiarmos a demagogia absurda — e ainda inconstitucional — da “Lei Maria da Penha”, vai uma longa e inatingível distância. Não é bem assim! Como posso ser rotulado de machista se estou exatamente admitindo as fragilidades masculinas e por isso rogando que sejam elas igualmente reguladas pela lei? Como posso ser etiquetado de machista se, na decisão hostilizada, admito a tolice do homem e a sua frágil emotividade? Não! A harmonia familiar depende da regulação das fragilidades de ambos, sob pena de invertermos o papel histórico: antes o machismo, hoje o feminismo, quando na verdade nem um e nem outro presta! Reafirmo: “se os direitos são iguais — porque são — cada um, contudo, em seu ser, pois as funções sociais e familiares são, também, naturalmente diferentes”. Dissemos também: “o mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal”. Não há machismo nisso, há, isto sim, a visão de um homem que quer amar e proteger o ser mulher e especial a sua mulher.

Mas, afinal, o que quis dizer eu com “prevalência masculina”? Ora! O que quisemos dizer foi o seguinte: suponhamos uma situação de absoluto e intransponível impasse entre o marido e a esposa sobre determinada e relevante questão doméstica — um e outro não abrem mão de sua posição e não se entendem. Qual das posições deverá prevalecer até que, civilizadamente, a Justiça decida? De minha parte não tenho dúvida alguma que deverá prevalecer a decisão do marido. E vou mais longe: creio que não será do agrado da esposa que fosse o inverso, porque, repito, a mulher não suporta o homem emocionalmente frágil, pois é exatamente por ele que ela quer se sentir protegida — e o deve ser —e não se sentiria assim se fosse o inverso! Ora! Como poderia eu, como magistrado, partir para uma análise puramente jurídico-constitucional se não tecesse, antes, ou preambularmente, considerações filosóficas a respeito? Isto porque o tema da “Lei Maria da Penha” era e é exatamente este! Mas ao nosso ver, e respeitosamente, a lei foi demagógica sim. E o foi mais uma vez, quando o assunto de campanha é a mulher. Destaco, nesta nota, por outro lado e por oportuno, apenas algumas das inconstitucionalidades flagrantes da “Lei Maria da Penha”. O art.2º diz “Toda mulher (…)”. Por que não o homem também, ali, naquelas disposições? O art. 3º diz “Serão assegurados às mulheres (…)”. Por que não ao homem também? O 1º do mesmo art. 3º diz “O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares (…) (grifei). Mas por que não os dos homens também? O art. 5º diz que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher (…)’. Outro absurdo: de tais violências não é ou não pode ser vítima também o homem? O próprio e malsinado art. 7º — que define as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher — delas não pode ser vítima também o homem? O art. 6º diz que “A violência familiar e doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. Que absurdo!

A violência contra o homem não é forma também de violação de seus “direitos humanos”, se afinal constatada efetivamente a violência, e ainda que definida segundo as peculiaridades masculinas? Enfim! Tudo isso coloco em contraponto com o que diz a Constituição Federal, ou seja: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” — grifos nossos. Este é que é o art. 226, º 8º, da Constituição Federal de nossa República! A “Lei Maria da Penha”, portanto, está longe de constitucionalmente regulamentá-lo.

Devo ainda enfaticamente ressaltar que inobstante a inconstitucionalidade por nós declarada de alguns desses artigos da Lei, a violência física mesmo, contra a mulher — que consubstancia o aspecto penal (e processual-penal) da questão (e da Lei) — esta (a violência) está sendo evidentemente processada com os rigores impostos por Maria da Penha e o agressor sendo punido com a mesma severidade. O que nos insurgimos foi contra as medidas protetivas.


E não porque não sejam elas sérias, oportunas e até necessárias, mas porque pecou por inconstitucionalidade, na medida em que não contemplou também o homem nesta relação doméstico-familiar. Aí a minha consciência moral e jurídica não permitiu. E tenho de ser fiel a ela, ainda que tenha que sofrer alguns apedrejamentos. Toda a Lei Maria da Penha, toda ela, seria constitucional, segundo nossa visão, se houvesse, ao menos, um único artigo regulando as fragilidades do homem em suas relações domésticas com a sua esposa ou companheira. Se assim o fosse, a mesma Lei poderia até ser injusta, mas não o seria, talvez, inconstitucional. Ao menos não em algumas de suas disposições. Isto porque considero impossível um analista, em sã consciência, não admitir que o homem — em sua relação doméstica com a mulher — não possa também ser vítima dos mesmos absurdos elencados no art. 7º e que, afinal, geraram na Lei a previsão das ditas medidas protetivas! Antes então de criticar, é preciso ler a Lei antes, especialmente este citado art. 7º. Enfatizo mais que não houve —e nem tem havido — desrespeito à parte e nem a quem quer que seja, pois, parte mesmo, em nenhum momento tem sido por nós mencionada na decisão —que diga-se de passagem não é uma sentença (e portanto final de mérito, como se tem veiculado), mas apenas uma decisão interlocutória, prolatada no âmbito de um procedimento cautelar previsto nas regras processuais da “Lei Maria da Penha”. E mais: o nosso ataque tem sido contra a Lei em tese e, mesmo assim, não na parte penal que manda punir — corretamente — o agressor, mas na parte em que enumera medidas protetivas em favor da mulher, sem contudo regular as fragilidades masculinas que inquestionavelmente existem e devem ser também normatizadas para um bom e harmonioso convívio familiar e doméstico. E digo mais: a mulher-parte, no processo, também não tem ficado, em absoluto, desamparada, pois tem sido ela pessoalmente oficiada por este juízo para que, quanto às medidas protetivas pleiteadas, saiba que está à sua disposição a Defensoria Pública da Comarca para que, no juízo de família, receba as proteções cautelares que considerar oportunas e necessárias. Mas o inquérito policial mesmo contra o agressor — repito — evidentemente têm tido o seu curso normal e o agressor sendo punido com os rigores impostos por “Maria da Penha”. Este juízo, em alguns casos— mas no âmbito do inquérito policial e não no âmbito das medidas protetivas objeto daquelas cautelares —tem inclusive decretado a prisão preventiva do agressor. É lógico! Eu não disse que a “proteção à mulher é diabólica” — diabólica é discriminação que a lei enseja e que leva o feminismo às últimas conseqüências, tentando compensar um machismo que há muito já se foi. Que um erro histórico — consubstanciado no machismo repugnante — não venha justificar, agora, um feminismo exagerado e portanto socialmente perigoso. Ora! Ao meu modesto juízo, nada mais nocivo do que o que se tem adjetivado de “produção independente”, pela qual a mulher busca um homem apenas para fertilizá-la e depois dispensa-se o pai, negligenciando-se a função paterna. Ora mais uma vez! Se o colo materno é importante, o papel censor do pai é imprescindível para a boa formação do filho. E se tem se descuidado disso em nome de um feminismo exagerado, com o qual se tem buscado punir um machismo que não existe mais. O equilíbrio social — que passa pela família como célula principal — depende de um tratamento descortinadamente igualitário entre estes dois seres, homem e mulher, cada um, ainda, não se esquecendo de seu papel social, segundo a natureza de cada um.

Por fim diria: se — ao discorrer fundamentações filosóficas, sociológicas e éticas — tivesse eu me valido de poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto ou Guimarães Rosa ou se tivesse me auxiliado de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, dentre outros, nesta parte talvez não estaria também sendo criticado! Porque então não posso — ainda que uma vez na vida outra na morte — citar Jesus, se é Ele o poeta dos poetas e o filósofo dos filósofos? Jesus nos é principalmente útil no dia-a-dia e no cotidiano da gente. E o Mestre já deixou vaticinado: “aquele que se envergonhar de mim diante dos homens, eu me envergonharei dele diante do Pai”. Enfim!

Não peço que com estes esclarecimentos, alguém concorde comigo, mas que apenas não ponha na minha boca palavras que não pronunciei e que debatam o assunto e, ao final, todos ganhem, principalmente o Brasil — este País maravilhoso e diferenciado. Obrigado!

Sete Lagoas/MG, 24 de outubro de 2007.

EDILSON RUMBELSPERGER RODRIGUES

JUIZ DE DIREITO

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