Mudança golpista

Proposta de nova CLT torna direitos conquistados precários

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

23 de outubro de 2007, 16h02

Vivem-se tempos duros, de abalo dos direitos sociais, de redobradas inseguranças no mundo do trabalho, de apatia, de fragilidade da organização dos trabalhadores.

Está pronto o Projeto de Lei 1.987/2007, encaminhado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), tendo como objetivo consolidar os dispositivos normativos referentes ao Direito Trabalhista e revogar as leis consideradas “extravagantes” constante da Consolidação das Leis do Trabalho.

A promessa é a de não extinguir nenhum direito já assegurado aos trabalhadores. Não obstante isso, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) está preocupadíssima com os rumos que estão tomando a proposta de consolidação da consolidação da CLT, diante do que vem se manifestando a alta cúpula do governo no sentido de ser verdadeira a preocupação dos trabalhadores com as investidas por flexibilização e precarização das condições de vida, de trabalho e de salário em favor da maior rentabilidade das empresas, sendo conhecida a intenção já manifestada no sentido de que o referido projeto em andamento tem sido apresentado como uma etapa necessária à reforma trabalhista.

As primeiras impressões da Abrat é de que a proposta é golpista e visa sim flexibilizar e precarizar direitos já assegurados aos trabalhadores, visando atender aos interesses do capital especulativo que não tem compromisso com o social, que advogam a efetivação das pretendidas reformas ditas estruturais que estão sendo implementadas em sintonia com o ideário liberal do Consenso de Washington, quais sejam: a da Previdência, a Tributária, a Financeira e a Trabalhista as quais, na realidade, visam criar ambiente mais favorável à operação dos mercados.

Para tanto a Abrat já constituiu uma comissão de juristas para o exame detalhado de cada alteração já levada a efeito e constante do projeto à disposição da sociedade para manifestação no prazo exíguo de 30 dias, conforme artigo intitulado:

Nova CLT: Acorda Brasil

A advogada Magda Barros Biavaschi foi nomeada para integrar a comissão legislativa com vista ao exame detalhado da preocupante proposta de reforma da CLT. Magda é membro integrante da Diretoria Colegiada da Abrat, juíza aposentada do TRT-RS, professora, mestre em Direito pela UFSC, doutora em economia pela Unicamp e autora do livro “O Direito do Trabalho no Brasil — 1930/1942: A construção do sujeito de direitos trabalhistas”.

Magda nos encaminha mensagem adiantando os seus estudos preliminares sobre os malefícios do projeto, que no entender da Abrat, deve ser rejeitado e arquivado.

Leia a mensagem

Caríssimo Salvador, caros companheiros de lista e de muitos bons combates.

Acabei de fazer uma leitura (confesso que dinâmica e superficial) do quadro comparativo entre a atual CLT e a “consolidação” proposta e encaminhada pelo deputado Cândido Vaccarezza (Projeto de Lei 1.987/2007).

Depois dessa leitura permanecem aquelas reflexões iniciais sobre a oportunidade do envio ao Parlamento brasileiro de um projeto de lei sobre tema tão amplo e que interessa a sociedade como um todo, propondo alterações e ampliações significativas ao texto da nossa CLT.

No meu modo de ver, há uma dupla discussão (ou dois aspectos dela) que precisa ser aprofundada entre nós e com vários setores e que, definitivamente, não pode ser feita nos escassos 30 dias: a primeira, diz respeito à oportunidade da remessa de um projeto bastante amplo e que envolve tema tão relevante para vários trabalhadores e que, apesar alardear que simplesmente adequa regras, traz algumas mudanças e inclusões importantes, regula diversas profissões e, até, a composição de seus conselhos representativos, transcendendo, dessa forma, na minha forma de ver, em muito aos limites de um código do trabalho; a segunda, sobre cada um dos seus dispositivos, seus significados, suas inadequações, etc.

Vivem-se tempos duros, de abalo dos direitos sociais, de redobradas inseguranças no mundo do trabalho, de apatia, de fragilidade da organização dos trabalhadores. O cenário é de crise social, econômica e política. Ao embalo dos ventos liberais, produziram-se e acentuaram-se fragilidades e vulnerabilidades da nossa periférica sociedade brasileira e precarizaram-se os mercados, especialmente o do trabalho (especialmente, em face do foco desta discussão). Como indicam Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro no texto “O paradoxo da credibilidade” (Política Econômica em Foco, n. 2, set/dez.2003, Boletin do Cecon, disponível em www.unicamp.com.br) há reformas ditas estruturais que estão sendo implementadas em sintonia com o ideário liberal do Consenso de Washington, quais sejam: a da Previdência, a Tributária, a Financeira e a Trabalhista as quais, na realidade, visam a criar ambiente mais favorável à operação dos mercados.

Essa análise, na minha forma de ver, não pode ser desprezada, como também não se pode deixar de considerar a realidade do mundo do trabalho no Brasil extremamente flexível, com uma rotatividade sem precedentes. Segundo dados da Caged, por exemplo, entre os anos 1996 e 2005 o percentual de trabalhadores “desligados” do emprego com menos de três meses saltou de 17% para 20% e com menos de um ano passou de 53% para 58%, sendo que esses mesmos dados revelam que quase 2/3 desses “desligados” permanecerem no mesmo emprego por período inferior a um ano. As formas atípicas de contratação, com a introdução na regulação de modalidades de contrato a termo, parciais, primeiro emprego, também preocupam. A Carta Social do Cesit/IE (Centro de Estudos Sindicais e de Economa do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp) divulga, periodicamente, dados alarmantes, ainda que perceba pequena melhora nos últimos tempos (disponível em www.unicamp.com.br). Estudos do professor José Dari Krein, por exemplo, que essa Carta veicula, trazem dados expressivos: entre 1995 e 2005, por exemplo, o crescimento da contratação atípica – que briga com o princípio da continuidade da relação de emprego, expressão do princípio da proteção (próprio do Direito do Trabalho) — foi de 158,6%.

Como sabemos, essas formas de contratação, precarizadoras, contribuem para acentuar as inseguranças, aprofundando a fragmentação social. De resto, a informalidade é expressiva. De resto, ainda, e segundo os referidos estudos, a terceirização aparece com principal forma de flexibilização dos direitos, manifestando-se por meio de formas diversas, passando pela contratação de terceiras, pela alocação de trabalho temporário via agências de emprego, e até mesmo pela contratação de “pessoas jurídicas”, de “autônomos”, pela organização de cooperativas visando ao atendimento de demandas de áreas produtivas e essenciais.

Mas para não se dizer que “não falei de flores”, as relações de emprego disfarçadas ganham corpo: o número de PJs contratados cresce vertiginosamente, suplantando o da contratação de “cooperativados”. Ainda em referência aos estudos que a Carta Social do Cesit/IE veicula, depois de 1995 o número de empresas “sem empregados” cresceu 40%. Em 2005, essas empresas já apresentavam um universo de 4,1 milhões de “patrões de si mesmos”.

Por outro lado, as negociações coletivas têm apresentado retrocessos nas cláusulas sociais. Os trabalhadores, mesmo os mais organizados, resistem contra o desemprego. Esse cenário, assim, é de todo desfavorável ao encaminhamento da proposta em questão.

O projeto traz algumas dificuldades importantes do ponto de vista da autenticidade documental, ao permitir que registros dos trabalhadores sejam feitos Em meio digital sem se preocupar, em nenhum momento, com a questão da autenticidade desses documentos e sem pensar — o que seria importante — na compatibilização de suportes.

Em outros momentos, o projeto inclui alterações — ex: quanto ao controle de jornada e à compensação — que apontam para a priorização do princípio da autonomia das vontades coletivas sem compreender esse princípio à luz do princípio da proteção e por vezes, até, em afronta ao próprio texto constitucional, quando, por exemplo, admite a compensação da jornada em instrumento individual. Quando trata, em outra oportunidade, das micro e pequenas empresas, traz para dentro da CLT dispositivo da lei das microempresas que pode, inclusive, por alguns intérpretes da lei, ser entendido como uma regra que fere o princípio isonômico ou da não discriminação.

Ainda, a partir de uma primeira leitura do texto, constata-se que o projeto contempla regras que regulamentam muitas profissões, inclusive com dispositivos que dispõem sobre seus conselhos, composições e outros e que fogem ao campo de um código do trabalho, sendo totalmente inadequada essa modalidade, inclusive ferindo a boa técnica legislativa.

À luta pela rejeição e arquivamento do projeto, por nefasto aos interesses dos trabalhadores, implicando em flexibilização e precarização, diferentemente do que propõe a iniciativa de que nenhum direito seria retirado do trabalhador.

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