Vagas reservadas

Volks é condenada a R$1,5 milhão por não contratar deficientes

Autor

20 de outubro de 2007, 23h00

A Volkswagen foi condenada a destinar R$ 1,5 milhão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por dano moral e patrimonial. A montadora não cumpriu a meta de ter 5% de deficientes físicos ou beneficiários reabilitados pela Previdência Social no seu quadro de funcionários, como prevê a Lei 8.213/91. As custas processuais giram em torno de R$ 34 mil.

A empresa deixou de comprovar que 304 dos ditos deficientes eram, de fato, deficientes. Para cada trabalhador não contratado, a empresa deve pagar R$ 5 mil. A Ação Civil Pública foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho. A juíza Marta Casadei Momezzo, relatora do processo na 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, manteve sentença da 15ª Vara do Trabalho.

A Volks alegou cerceamento de defesa. O TRT paulista diz que isso não aconteceu. Em processo administrativo, o MPT verificou que a empresa não preencheu a cota. Por isso, ela recebeu uma notificação recomendatória para que fosse preenchendo as vagas.

Em novembro de 99, em audiência, o Ministério Público deu 60 dias para que a montadora apresentasse um relatório com as providências tomadas no sentido de cumprir a reserva legal de vagas para deficientes. Segundo o MPT, a empresa não o apresentou.

Depois disso, a Ação Civil Pública foi ajuizada. De acordo com os autos, cabia à empresa apresentar documentos para comprovar que tinha trabalhadores reabilitados pela Previdência Social em seus quadros. “A empresa admitiu que em janeiro de 2002 (quase um ano após a distribuição do feito) não possuía o certificado do INSS envolvendo os trabalhadores indicados como reabilitados”, diz a sentença.

Além disso, a empresa foi notificada pelo juiz da 15ª Vara para apresentar prontuários médicos dos trabalhadores deficientes. Não o fez, novamente. “Exatamente porque não atendeu a determinação judicial foi-lhe aplicada a confissão”, ressalta a juíza Marta Casadei Momezzo no acórdão.

Diante da confissão aplicada em primeira instância e da não comprovação da condição dos trabalhadores, a relatora do processo do TRT-SP, concluiu que a empresa indicou como deficientes funcionários que não ostentavam essa condição, “simplesmente para se furtar ao cumprimento da lei”.

Procurada, a assessoria de imprensa da Volkswagen afirmou que a empresa só se manifestará quando não houver mais recursos.

PROCESSO TRT/SP n º00854.2001.015.02.00-3 – 10ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

ORIGEM: 15ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

E M E N T A

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS

LEI N.º 8.213/91

A Constituição da República Federativa do Brasil assenta-se sobre os conceitos de dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Com esse objetivo, o art. 7º, inciso XXXI da Carta Magna vedou qualquer tipo de discriminação no tocante aos salários e aos critérios de admissão do trabalhador. Sob essa orientação, o legislador, visando resguardar direitos e interesses das pessoas portadoras de necessidades especiais, criou mecanismos compensatórios para possibilitar o acesso desses indivíduos ao mercado de trabalho, estabelecendo na Lei nº 8.213/91, em seu art. 93, a reserva percentual de vagas de acordo com o número de empregados da empresa, desde que comprovadamente reabilitados perante o Órgão Previdenciário. Se o Ministério Público do Trabalho apurou em procedimento administrativo que a recorrente não observou a reserva legal, e ajuizou Ação Civil Pública compelindo-a a tanto, e se a reclamada defendeu-se apresentando listagem com trabalhadores portadores de necessidades especiais, sustentando serem eles reabilitados e portadores de monoparesia, a ela incumbia o ônus da prova, vez que a inversão desse ônus importaria determinar ao autor a prova de um fato negativo. Ademais, o conceito de deficiência está definido nos arts. 3º e 4º do Decreto nº 3.298/99, alterado pelo Decreto nº 5.296/04, limitando-se àquelas que causem alteração para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Assim, diante da confissão aplicada à recorrente e da não comprovação por esta da condição de trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência habilitados, tem-se que a empresa indicou como portadores de necessidades especiais empregados que não ostentavam essa condição, simplesmente para se furtar ao cumprimento da lei.

Recurso ordinário a que se nega provimento.

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

ORIGEM: 15ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RELATÓRIO


Inconformada com a r. sentença, fls. 305/311, complementada às fls.341/342, que julgou procedente o feito, recorre a reclamada, às fls. 456/517, buscando a reforma total do julgado.

Contra-razões, às fls. 524/538.

É o relatório.

VOTO

Conhecimento

Conheço do presente recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

Fundamentação

Conforme asseverado pela própria recorrente, dada a complexidade do presente feito, com argumentações recursais longas, a análise será feita partindo dos itens abordados às fls. 457/458, sem que isso importe em análise ponto a ponto da peça recursal, para não se enveredar para o caminho de debate entre a parte recorrente e o julgador.

A recorrente, através de preliminares esclarece que teve cerceado seu direito de defesa, face ao indeferimento da prova pericial, pleiteando a nulidade da decisão. Reitera a argüição no sentido de que a competência hierárquica, para processar e julgar lides que digam respeito a direitos coletivos é dos Tribunais Regionais do Trabalho. Sustenta a tese de nulidade em face da incompetência “ex ratione loci” ou por prevenção e ainda, nulidade por negativa de tutela jurisdicional.

No mérito, verifica-se que cuida o presente apelo em buscar a reforma da sentença de origem, que culminou com a condenação da empresa-ré, tendo em vista o descumprimento de reserva de 5% (cinco por cento) do seu quadro de funcionários para pessoas portadoras de deficiência e beneficiários reabilitados pela Previdência Social, conforme comando legal do art. 93 da Lei 8.213/91. A condenação abrangeu indenização face ao descumprimento da obrigação de fazer e também reparação em dinheiro por dano moral e patrimonial, a favor do FAT. Do total da lista apresentada pela recorrente, restaram dúvidas em 304 empregados, gerando o valor da condenação, em R$ 5000,00 por cada um.

DAS PRELIMINARES

Competência Funcional

Sem razão a recorrente.

A competência funcional para julgamento da ação civil pública perante os órgãos da Justiça do Trabalho é da Vara do Trabalho com arrimo no art. 2º, da Lei nº 7.347/85 (as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa).

Como bem ressalta Raimundo Simão de Melo:

“Cometer aos Tribunais do Trabalho a competência originária para a apreciação e julgamento da ação civil pública, por mera analogia com o procedimento da ação de dissídio coletivo, de competência destes, por determinação legal, não tem qualquer pertinência; como se sabe, embora em ambas as ações se defendam interesses coletivo lato sensu (aspecto único da similitude), na ação dissidial, regida por peculiaridades excepcionais e próprias, criam-se, modificam-se ou interpretam-se direitos, enquanto que na ação civil pública aplica-se o direito preexistente”.

Competência em razão do lugar

Não prospera o inconformismo.

Segundo dispõe o art. 93, do Código de Defesa do Consumidor:

“Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente”.

Embora o art. 93 transcrito trate de normas atinentes às ações reparatórias de danos individualmente sofridos com relação aos direitos individuais homogêneos, por falta de regulação específica atinente aos interesses difusos e coletivos, se lhes aplica o mesmo procedimento.

O documento de fls. 47 aponta que a empresa possui estabelecimentos em diversas localidades do Estado de São Paulo.

Da Competência por Prevenção

O Ministério Público do Trabalho intentou ação idêntica perante a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, que foi extinta sem apreciação do mérito em razão de homologação de pedido de desistência.

Com base nisso alega a recorrente prevenção daquela Vara.

Porém, não procede o inconformismo.

A redação do inciso II, do art. 253, do CPC, que ampara a pretensão da empresa não existia à época da distribuição desta ação.

Negativa de Tutela Jurisdicional

Ao contrário do alegado, não padece de vício a sentença originária. Isso porque a negativa de prestação jurisdicional somente ocorre quando o Juiz deixa de julgar, mesmo instado por meio de embargos de declaração. Eventual erro de julgamento na interpretação da prova ou má aplicação do direito, deve ser impugnado com pedido de reforma perante a Instância Superior.


Revela notar que todas as matérias lançadas nos embargos interpostos pela recorrente já haviam sido analisadas quando da prolação da sentença, e mesmo assim, o juízo de origem cuidou em apreciar novamente às matérias ali colocadas, não havendo, portanto, de se falar em negativa de prestação jurisdicional.

Rejeito.

Nulidade do processo/Cerceamento de defesa

Inicialmente, entende a recorrente que o ônus da prova “in casu” incumbia ao Ministério Público, por se tratar de fato constitutivo dos direitos postulados.

Após e, em breve síntese, alega que tentou de várias maneiras fazer a prova do cumprimento da cota legal de 5% (cinco por cento), mas foi impedida pelo encerramento da instrução processual. Aduz, que conforme consta nos autos, a Vara de Origem considerou excessivamente onerosa a prova pericial nos 304 empregados que o Ministério Público discordou fossem realmente deficientes, noticiando que o próprio recorrido também requereu prova pericial e que, se a prova pericial é onerosa demais, isto se deve ao fato de que o objeto da lide envolve não direitos difusos ou coletivos, mas sim direitos individuais homogêneos.

Rejeito a preliminar.

Com efeito, contrariamente aos fatos narrados, não sofreu a recorrente o propalado cerceamento de defesa. Isso porque antes mesmo do recorrido propor a presente ação (28/11/2000), foi expedida notificação recomendatória à empresa-ré, em 14/10/1998, para que, paulatinamente, reservasse 5% de seus postos de trabalho para pessoas portadores de deficiência e beneficiários reabilitados (doc.01 – fls.23/24).

Em 18/11/1999, o recorrido convocou a recorrente para audiência (doc. 02 – fl.25), designada para 30/11, quando foi concedido prazo de 60 dias para que fosse apresentado ao MPT relatório sobre as providências adotadas no tocante à reserva legal de vagas.

Esgotado o prazo assinalado (60 dias) foi a recorrente convocada para uma audiência individual, e, atendendo seu próprio pedido, foi a mesma redesignada para 29/6/2000, quando, representada por advogado, deixou de apresentar os documentos que lhe haviam sido requeridos desde a audiência inaugural.

Já nos autos, a reclamada após apresentação de sua defesa, solicita ao Juízo de origem prazo para apresentação dos documentos solicitados, sendo deferidos os 20 dias requeridos (fl.224 – em 10/8/2001). Silente, a reclamada é instada a manifestar-se. A primeira vez em 28/9/2001, com reiteração da notificação em 13/11/2001, sendo nessa oportunidade deferido à recorrente o prazo de 60 dias para apresentação daqueles documentos solicitados às fls. 52 (em 30/5/2001).

Em audiência designada para o dia 24/7/2002, comprometeu-se a recorrente a juntar nos autos uma relação de empregados, identificados pelo número de registro, sob pena de realização de perícia.

Até aqui vemos que, por todos os prazos concedidos à reclamada, cerceamento de defesa, certamente, não ocorreu.

Quanto a não produção da prova pericial, determinou o Juízo de origem que a recorrente fornecesse diretamente ao MPT cópia dos prontuários médicos dos 444 empregados nomeados às fls. 266, a fim de que o recorrido pudesse avaliar e verificar o enquadramento desses empregados como deficiente ou não, na forma da lei, e, posteriormente, apreciaria melhor a realização de prova pericial. (fls.279/280).

Ao invés de dar cumprimento ao despacho, a reclamada reitera o pedido de perícia, onde, com muita propriedade, a Vara de origem, afastou e cancelou a referida diligência, em vista da onerosidade que causaria às partes, concedendo um novo prazo à recorrente (fl. 289).

Desse despacho não foi apresentada qualquer manifestação e muito menos cumprida a determinação ali contida.

Quando teve ciência que a instrução processual havia sido encerrada, em 06/5/2003, com designação de data de julgamento, a recorrente solicita novamente a prova médico pericial (fls.297/299).

A recorrente como se vê às fls. 290 teve ciência do indeferimento de seu requerimento de produção de prova pericial e da necessidade de apresentação de documentos.

Porém, desse despacho não apresentou qualquer inconformismo nos autos. Consequentemente, preclusa a alegação de cerceamento de defesa, nos termos do art. 795 Consolidado.

Não fosse isso, na forma do art. 765, da CLT, o juiz tem plena liberdade na direção do processo, cabendo-lhe decidir sobre a necessidade da prova (art.130, do CPC).

No caso, a realização da prova pericial era desnecessária. É que a recorrente trouxe aos autos uma relação de portadores de deficiência (fls. 268/274). Nesse rol foram incluídos trabalhadores reabilitados perante a Previdência Social e portadores de monoparesia. Somente em relação a tais trabalhadores o Parquet divergiu.

Quanto aos reabilitados, cabia à empresa a demonstração de que efetivamente eram trabalhadores reabilitados pela Previdência Social, o que deveria ser feito mediante a juntada de documento nesse sentido. Com bem ressaltou a Vara de origem, “se a reclamada na petição de fls.225/226 juntou relação de empregados e pediu a suspensão do feito, afirmando que requereu junto ao INSS a análise e homologação dos mesmos como reabilitados ou habilitados, resta claro que a lista juntada às fls. 271, em especial quanto aos beneficiários reabilitados não o eram pelo INSS…”. E não é só isso. A empresa admitiu às fls. 225 que em janeiro de 2002 (quase um ano após a distribuição do feito) não possuía o certificado do INSS envolvendo os trabalhadores indicados como reabilitados.


Decorridos dois anos da data daquela manifestação não ousou a recorrente trazer os certificados atestando a reabilitação.

E mais ainda. A empresa foi notificada para apresentar os prontuários médicos dos trabalhadores apontados como portadores de nomoparesia e reabilitados, sob pena de serem consideradas verdadeiras as alegações do autor. Exatamente porque não atendeu a determinação judicial foi-lhe aplicada a confissão.

Rejeito.

Carência da ação – Ilegitimidade Ativa – Direitos Individuais Homogêneos – Disponibilidade e Divisibilidade dos Direitos

Os interesses defendidos pelo Parquet na presente ação, ao contrário do que alega a recorrente, são de natureza difusa, uma vez que busca a defesa de trabalhadores portadores de deficiência e beneficiários reabilitados, aptos ao trabalho. A reserva de vagas a tais trabalhadores é de natureza indivisível, já que compartilhada por um número indeterminável de indivíduos, que não pode ser quantificada ou dividida entre os membros da coletividade.

Difusos são interesses ou direitos transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art.81, parágrafo único, I, do CDC). No caso, a pretensão (cumprimento da reserva legal) é compartilhada por um número indeterminável de indivíduos e não pode ser quantificada ou dividida entre eles.

A defesa desses interesses é tarefa do Ministério Público por meio da ação civil pública, por ordem constitucional (art.129).

De fato, o MPT defende direitos difusos de trabalhadores portadores de deficiência.

A respeito, vale a transcrição da doutrina de Nelson Nery Júnior:

“Interessante notar o engano em que vem incorrendo a doutrina, ao pretender classificar o direito segundo a matéria genérica, dizendo, por exemplo, que meio ambiente é direito difuso, consumidor é coletivo, etc. Na verdade, o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo.. O mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva e individual. O acidente com o Bateau Mouche IV, que teve lugar no Rio de Janeiro no final de 1988, poderia abrir oportunidade para a propositura de ação individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizadas por entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo) bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual”(1).

Impossibilidade Jurídica – Inconstitucionalidade de qualquer critério que estabeleça discriminação entre modalidades de deficiência

A pretensão deduzida em juízo não é proibida pelo ordenamento jurídico. Ao contrário, por ele é reconhecida.

De outra parte, eventual inconstitucionalidade de qualquer critério que estabeleça discriminação entre modalidade de deficiência constitui matéria de mérito e com ele há de ser analisada.

Mérito

O apelo não pode prosperar.

A República Federativa do Brasil assenta-se sobre a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (CF, art. 1º, incisos III e IV). Dentre seus objetivos fundamentais insere-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV, CF).

Em complemento, o artigo 7º, inciso XXXI, proíbe qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. O legislador constituinte, face à necessidade de resguardar os direitos e os interesses das pessoas portadoras de deficiência, assegurando-lhes a melhoria de sua condição individual, social e econômica, criou mecanismos compensatórios para possibilitar a superação das desvantagens derivadas dessas limitações de ordem pessoal.

Corolário destes mecanismos, o artigo 93 da Lei 8.213/91 estabelece que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas.

O Ministério Público do Trabalho através de procedimento administrativo apurou que a recorrente não obedecia a reserva legal de vagas e ajuizou ação para compeli-la a tanto. A empresa alegou o cumprimento da lei, relacionando como deficientes trabalhadores reabilitados e portadores de monoparesia. Portanto, era dela o ônus da prova, nos termos do art. 818, da CLT, e 333, II, do CPC, de que tais trabalhadores efetivamente eram reabilitados perante o INSS e portadores de deficiência. O acolhimento da tese patronal importaria em determinar ao autor a prova de um fato negativo, o que não pode ser admitido.


Frise-se que ao relacionar trabalhadores habilitados pela Previdência Social para o preenchimento de vagas já deveria ter o certificado dessa condição em relação a tais trabalhadores.

De outra parte, não se vislumbra hipótese de discriminação perpetrada pelo MPT. Na verdade, diante da confissão aplicada, bem como da não comprovação da condição de trabalhadores reabilitados, o que se observa é que a recorrente incluiu como deficientes ou reabilitados trabalhadores que não ostentavam essa condição simplesmente para se furtar ao cumprimento da lei.

Demais disso, o conceito de deficiente ou portador de deficiência encontra-se claramente definido nos arts. 3º e 4º, do Decreto n. 3.298/99, alterado recentemente pelo decreto n. 5.296/04, que define deficiência como aquela alteração que causa limitação para as atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Portanto, somente será considerada deficiência para os fins de reservas de vagas a que se refere a Lei n. 8.213/91, a limitação que causar alteração para o desempenho de atividades, dentro do conceito considerado normal para o ser humano.

Ainda, o sigilo nos prontuários médicos solicitados em nada justifica a não apresentação dos mesmos pela empresa, na medida em que as informações seriam entregues ao médico do órgão ministerial em caixa lacrada da mesma forma que o foram por ocasião da realização de diligência direta por aquele órgão (fls. 279).

Quanto aos limites da sentença proferida na ação não há como restringi-los ao âmbito da competência territorial do órgão julgador. A eficácia do provimento em ação civil pública está adstrita apenas aos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, vinculando seus destinatários onde quer que os mesmos se encontrem. O que delimita os efeitos da decisão é o pedido e não o âmbito o âmbito de jurisdição do órgão julgador.

Como assevera Hugo Nigro Mazzilli:

“Não há como confundir a competência do juiz que julga a causa com os efeitos que uma sentença pode produzir fora da comarca em que foi proferida, e que poderão tornar-se imutáveis com seu trânsito em julgado (imutabilidade do decisum entre as partes). Assim, p.ex., uma sentença que proíba a fabricação de um produto nocivo que vinha sendo produzido e vendido em todo o país, ou uma sentença que proíba o lançamento de dejetos tóxicos num rio que banhe vários Estados – essas sentenças produzem efeitos em todo o país ou em mais de uma região do país, mas isso não se confunde com a competência para proferi-las, que deverá ser de um único juiz, e não de cada um dos milhares de juizes brasileiros, cada qual dentro dos limites de sua competência territorial.’ Admitir solução diversa levaria a milhares de sentenças contraditórias, exatamente contra os fundamentos e finalidades da defesa coletiva de interesses…”.

Indenização por Dano Coletivo– Astreintes

Entende a recorrente que não há de se falar em “dano coletivo”, já que o próprio MPT aceitou a maior parte dos trabalhadores contidos na listagem da empresa, restando apenas 304 casos controversos.

Assegura, ainda, que as ações civis públicas não podem ter o intuito reparatório/indenizatório.

Improspera o inconformismo.

A recorrente deixou de cumprir a reserva legal prevista no artigo 93, da Lei nº 8213/91, que assim prescreve:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados….2%;

II – de 201 a 500……………3%;

III – de 501 a 1.000………..4%;

IV – de 1.001 em diante. ..5%.

Assim, ao deixar de observar preceito legal, de ordem pública absoluta, e os valores constitucionais, com absoluta certeza, deu ensejo à caracterização de dano moral coletivo.

O dano coletivo já ocorreu e não seria ressarcido somente pelo restabelecimento tardio dos interesses violados, ou seja, com o cumprimento efetivo da obrigação de fazer.

Outrossim, ao contrário do alegado, a multa processual, não tem função compensatória, ou seja, não se destina a compor eventual prejuízo sofrido pelo credor em razão do descumprimento da obrigação, mas sim meio indireto de coagir o devedor, podendo, ainda, ser quantificada ao prudente arbítrio do juiz e de forma suficiente ao seu objetivo coercitivo, sendo, por sua própria natureza, de alto valor.

Juros e Correção Monetária

A r. sentença recorrida não determinou a incidência de juros e correção monetária sobre o valor da multa.

Portanto, neste aspecto, sequer tem a recorrente interesse em recorrer.

A incidência foi determinada apenas sobre o valor da indenização decorrente de dano moral coletivo e neste aspecto não está a merecer qualquer reparo.

A tese da empresa de que tais incidências somente são devidas a partir do trânsito em julgado da decisão fulmina de atualização qualquer crédito decorrente de decisão judicial. A recorrente confunde exigibilidade com atualização de valores.

Valor das Custas Processuais

Alega a recorrente que a base de cálculo das custas foi fixada em valor relativo a dívida futura e incerta, eis que depende de mais de um evento para se tornar devida. Quando foi prolatada a sentença a recorrente ainda não havia incorrido em mora (R$5000,00 ou UFIR’s para cada vaga não preenchidas).

Improspera o apelo.

Isso porque, o valor das custas foi fixado tendo em conta o valor arbitrado à condenação, que teve como parâmetro a indenização correspondente ao dano moral fixado na sentença, qual seja, R$ 5.000,00 para cada vaga não observada, assim consideradas para esse efeito o número de 304, tendo em conta a petição da empresa de fls. 298.

Ainda, sem qualquer fundamento a alegação de que a fixação das custas teve por objetivo frustrar o pleno exercício da ampla defesa, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição, uma vez que tais direitos vêm sendo exercidos pela recorrente.

E mesmo que assim não fosse, há de se ter em conta que o inconformismo recursal no tocante às custas processuais está fulminado pela preclusão, uma vez que a matéria é também discutida em Mandado de Segurança (Processo SDI 13165200400002002).

Dispositivo

Ante o exposto, conforme fundamentação, REJEITO as preliminares argüidas e no mérito NEGO PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO. Mantenho, íntegra a r. sentença de origem.

MARTA CASADEI MOMEZZO

Juíza Relatora

Notas de Rodapé

1- JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2004, p.159-160

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!