Sociedade de risco

Processo penal nunca foi exposto de forma tão sensacionalista

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13 de outubro de 2007, 0h00

O 13º Congresso Internacional promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais trouxe a baila conferencistas renomados, dos quais destacamos as reflexões do catedrático espanhol da Universidade de Málaga, José Luis Diez Ripollés. Tratou a palestra sobre a sociedade de risco e as impressões que a tecnologia deixa marcadas uma sociedade um tanto refém da sensação generalizada de insegurança pública.

Ocorreu, nessa altura, a primeira pergunta desmistificadora: afinal, nossas comunidades estão, de fato, mais inseguras? Proporcionalmente ao crescimento demográfico e das estruturas financeiras complexas da atualidade, há mais violência? Os focos da demanda por mais segurança são realmente ilícitos inovadores, desconhecidos até então?

O professor Ripollés parte de alguns pressupostos para o conhecimento científico. Na Espanha, uma média de 1.600 homicídios anuais é suficiente para atormentar uma sociedade pouquíssimo violenta. E por que é assim? Mesmo em comunidades onde o crime recrudesce razoavelmente ou o índice de delitos violentos decresce ou não é substantivo, a sensação generalizada é de insegurança pública. Daí a primeira conclusão surpreendente – a sociedade de risco, caracterizada pelo medo, é um fenômeno novo, decorrente de velhos hábitos que sempre foram conhecidos e até injustificados nas pesquisas sobre criminalidade. Então, surge outra questão: então, por que tal alarme?

A atuação dos meios de comunicação, das tecnologias de massa e o enfoque midiático, são as três causas apontadas previamente como geradoras da insegurança pública. Repita-se: ainda em sociedade onde está sublinhada a constância de ocorrências criminais e até mesmo o rebaixamento dos porcentuais, colhe-se a desesperança e o terror quanto à suposta epidemia penal. Justifica-se: nunca o tema criminal foi foco primacial da atenção do público e vendido como manchete; a tecnologia traz consigo matizes novos nos quadros antigos de acompanhamento processual — em tempo algum, o processo penal foi tão exposto e de forma tão sensacionalista.

Todavia, não é só a mídia responsável pela formação da sociedade de risco, ao contrário. Partamos para o essencial: “a política está parasitando elementos da ciência criminal, difundindo o medo e interferindo em conceitos penais”, no entender sagaz do prof. Ripollés. Deslocou-se a discussão científica para a arena política e os mandatários do povo estão capitalizando politicamente sobre a insegurança. Tal imbricação entre política e criminologia, perverte a ciência com a pretensão de responder à sociedade com legislação severa para equivocadamente promover uma prevenção geral, agravamento do cumprimento carcerário e seqüestro de garantias constitucionais processuais penais. É a estratégia da vingança, da retribuição, da perseguição.

Daí o carro-chefe da discussão: a manipulação da sociedade de risco para o benefício de determinadas instituições. Quem lucra? Talvez mais que a imprensa, sejam os políticos com o discurso vingativo e salvacionista; quem sabe as seguradoras que entabulam velado lobby para aumentar tarifas e, finalmente, os aparelhos estatais de promoção de investigação, ação penal, julgamento, execução que, por meio do panfleto de segurança pública, vêem-se mais fortes para demandar vantagens.

Sobra, finalmente, uma questão: afinal, com a escalada da complexidade das relações humanas, inclusive com o surgimento do crime organizado, vale a pena sufragar a tese de amputações nas garantias constitucionais do devido processo legal, em nome da eficiência judicial, em prol do combate à insegurança? Uma vez mais, o professor Ripollés se socorre do histórico e de pesquisas.

Ao mirar no achatamento de direitos liberais, fruto da conquista da civilização, pretende-se atingir o traficante internacional de drogas, armas, órgãos humanos, pessoas e o terrorista em escala substantiva, além dos delinqüentes que fraudam, corromper e inserem capital ilícito em circulação — tudo em larga proporção, evidentemente. Ocorre que tais limitações constitucionais são aplicadas aos delitos mais rasteiros e os milenarmente conhecidos — furto, roubo, extorsão, delitos sexuais, tráfico, homicídios. Ora, tais fatos não são inovadores e não apresentaram crescimento proporcional ao de qualquer país — ao contrário!

Em conclusão: lucra-se com a (in)segurança pública, sendo a distorção essencial da “sociedade de risco” e do “direito penal do inimigo” é creditar ao crime comum, 70% patrimoniais aproximadamente, o mesmo tratamento de choque teorizados para delitos de altíssima complexidade, face às exigências ideológicas dirigidas pelos atores já apontados alhures. Convém afirmar tratar-se de sofisma clássico e, mais que isso — perigoso.

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